97 - Valéria

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Saio do hospital sem pressa. Em mãos carrego a prova do milagre: o cérebro de Michael cresceu mesmo ele não estando mais dentro de mim, e continua se desenvolvendo. E eu acredito que logo estará cem por cento.

— Tá vendo, filho? Quem disse que você não vai conseguir ser o melhor jogador de futebol do mundo?

Olho para o céu e lembro da mensagem da Bia. Ela não disse o motivo, mas que precisa falar comigo urgente. Atravesso as ruas sem me importar com os barbeiros e chego ao Centro.

— O pastor Carlos quer falar com você — ela diz logo na porta, me enchendo de interrogações.

Sigo-a até a cozinha, um lugar onde não entro há anos, e a saudade bate ainda no caminho. Quantas vezes almoçamos unidos como uma grande família? E as festinhas-surpresa?

— SURPRESA!

Bia e todos os jovens, junto com o pastor, abrem refrigerantes e descobrem um bolo pequeno.

— Não é seu aniversário, mas você é importante para nós todos os dias — diz Bianca quando me entrega a espátula. Deixo meu filho no colo dela por um instante, pois confio nela, e venço a vergonha para chegar até o bolo.

Ao falar das notícias do exame do Michael, todos se alegram, e o pastor não perde a chance de me chamar para falar diante do povo. Que pastor mais espertinho!

Se bem que eu contarei feliz o milagre.

*

— E graças a Deus, a certeza é que o Michael estará totalmente curado logo, logo.

Termino de contar tudo e aguardo a resposta da minha amiga com um sorriso. Ela apenas balança as malas.

— Então tá bom, amiga. Graças a Deus, mesmo. Mas e aí? Arrumou algum gatinho lá nesse Centro de Ajuda?

— Gatinho? Karla, lá é lugar de buscar ajuda de Deus, não buscar namorado. E eu acho que você devia ir um dia pra ver como o pessoal é legal depois que você conhece. Não são uns metidões orgulhosos depois de conversar um pouco.

— Ah, valeu, mas tô bem assim, amiga. Já tenho amigos, são bem mais divertidos.

— Bom, você que sabe. Só te digo uma coisa: se cuida, viada!

Ela me surpreende com um abraço muito forte.

— Já tenho saudades, amiga!

Karla puxa sua mala até o táxi. Por escolha própria, ela saiu da minha casa. A mão de vaca não aceitou ajudar nas despesas, então que vá, mesmo.

— Vê se usa mais o telefone. E lê as mensagens que eu te mandar... — Karla grita da janela do táxi enquanto ele vai embora.

Agora somos Michael e eu. E a vizinha que nos cumprimenta sobre o muro, a quem respondo sem xingar. A casa não ficará vazia nessa nova fase da minha vida. A melhor fase, eu acredito.

Quantas dúvidasOnde histórias criam vida. Descubra agora