O adesivo na maleta do professor tira um pouco de sua credibilidade. O texto #JuniorPontes2047 muda de cor conforme o ângulo contra a luz quando Igor guarda um envelope com o logo da escola recebido das mãos da secretária. Um professor tão sério e focado não combina com um colante de político. Fora isso, a aula segue chata como sempre. Quando na vida real será importante eu saber as partículas do átomo, ou as classificações de cadeias de carbono, ou mesmo a composição do álcool? Não vou ser químico!
Bate o sinal para o intervalo. A aula termina bem, o que significa que o professor não me encheu a paciência.
— Igor — Caio chama —, não tá muito cedo pra isso não?
Ambos olham para o adesivo. Caio está certo, pois as eleições são só no final do ano.
— Quanto mais vocês conhecerem este nome, melhor será. A não ser que algumas pessoas já tenham suas mentes travadas para votar em quem seu liderzinho espiritual mandar.
Meu coração arde, mas mantenho o passo firme para sair logo da sala. Melhor ir embora e ignorá-lo.
— E você, Bruninha? — Caio me chama, mas continuo andando. — Já tem pré-candidato?
— Bruno, volte aqui! — Igor fala forte.
Paro exatamente entre o batente da porta, respiro fundo e dou meia volta. Deus me ajude!
— Professor, já bateu o sinal, en-tãão vou comer, tá?
— Aprendeu alguma coisa nas férias?
Não entendo o que ele quer dizer, mas sim, aprendi.
— A não dar ouvidos a qualquer coisa que qualquer um diz. — Antes que o professor diga algo, continuo: — Aprendi que não importa o que o senhor acha de mim; minha vida, minha fé, creio em quem eu quiser. Não vou mais fingir, vocês já sabem que creio em Deus, e não abro mão, pois ele salvou minha alma. En-tãão agora vou comer, tá?
A sala toda saiu, apenas Caio, o professor e eu ficamos.
— Tsc-tsc! — Igor balança a cabeça para os lados. — Bruno, realmente pensei que você fosse mais inteligente. Peça para o seu deus mudar seu professor, caso contrário... você não vai longe.
Ergo ainda mais a cabeça e vou à cantina sem uma palavra. Essa afronta eu não aceito! Tá amarrado! Esse gigante vai cair por terra.
Fico sozinho comendo com o prato na mão no mesmo corredor onde às vezes ficam os meninos que fumam. Alguém senta do meu lado, me assustando.
— Não liga, Bruninho, você vai passar com nota boa — diz Dani tentando me envolver com os braços. Levanto-me rápido, até derrubo a comida. Nem estava com fome mesmo! Saio correndo com passos firmes para a sala de aula.
Depois das últimas duas aulas de matemática, vou embora lembrando do que Caio e Igor falaram logo que saí no intervalo, enquanto pude ouvir a conversa alta deles.
Mário já está no segundo mandato, não pode mais ser reeleito. Então que entre um presidente que traga liberdade para nosso país, que o livre da igreja. Por um estado laico.
Mas, professor, tem lugar que é assim, laico, mas tem muita corrupção, o povo é ignorante demais. Olha o Brasil, por exemplo. Quer que a Dda chegue àquele nível de miséria e ignorância?
Eu não achava que Caio tinha esse pensamento.
Uma coisa não tem nada a ver com outra, Caio. Você é inteligente também, estude mais. E conheça primeiro as coisas antes de falar do que não sabe. Não seja bitolado como o Bruno.

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Quantas dúvidas
General FictionOs primos Felipe e Bruno tentam vencer os próprios defeitos ao lado de Bia, a obreira perfeita que abre mão da própria felicidade para ajudar os outros, apontando seus defeitos. Seus velhos amigos Meck e Valéria pensam estar bem, mas com as dificuld...