Meu papel quase não tem fala, por isso decoro o texto em dois dias. Mas os ensaios seguem por semanas. Na primeira quinta-feira ensaiamos um pouquinho, pois também temos o teatro de cada sábado para ensaiar.
Na quinta-feira seguinte as meninas tentaram me ensinar a flexionar a voz para falar como uma patricinha. Apesar de eu ter a pele escura, tenho certeza de que fiquei com o rosto vermelho naquele ensaio; e não de maquiagem. Ainda assim, foi uma experiência interessante, e me senti mais à vontade entre as meninas. Thalia era a que mais me ajudava e mais ria da minha atuação inicialmente tosca.
Mais uma quinta-feira chegou, e conseguimos deixar as falas e atuação redondinhas, mas ainda não deu para ensaiarmos com os figurinos e cenário. Na mesma semana montamos um palco para o show do teatro, e as meninas prepararam os figurinos para o ensaio seguinte. Para uma menina que não é do tipo louca por roupas, Thalia está bem animada em ajudar nesta parte. A obreira Bia está um pouco diferente, se é que eu percebi direito, algo que não sou muito bom, pois o palco estava bem torto e ela já dizia estar bom.
Chegou uma quinta-feira na qual faríamos até uma gravação para rever os erros. A Duda estava bem confiante da nossa vitória no Cultura Day, sempre nos animando a dar nosso melhor. Eu estava disposto, e todos pareciam estar também. Ia dar certo. Bruno foi quem mais evoluiu nessas semanas. Acredito que estivesse fazendo algum curso de teatro online nestas férias.
Hoje o Felipe faltou no ensaio. A obreira Bia dispensou-o por ainda não ter encontrado o filho desaparecido, nem mesmo o corpo. Realmente, se eu pensar um pouco, posso ter uma vaga ideia de como é perder alguém e não saber o que aconteceu. Nem se ainda está vivo, se há esperança. Mas faz tanto tempo que não creio que haja. Felipe age bem diferente do primo, pois Bruno nem parece ter perdido alguém. Ou faz parte do curso de teatro, e tem sido tão bom ator que até seu próprio eu ele disfarça.
Bem, o ensaio ficou meio capenga hoje, mas nossa parte ficou boa. E as melhores partes não tem o Felipe, por isso as deixamos certinhas. A cena na qual o Senhor Jesus (Bruno) entra carregando a cruz; A cena mais engraçada, quando entra o rockeiro (Logan, o de cabelo comprido da minha tribo) fazendo um solo fake numa guitarra velha para depois quebrá-la no chão (e agora usamos uma guitarra invisível no ensaio); A minha cena, onde um transgênero (eu... apenas no papel, obviamente) entra cumprimentando a apresentadora do programa (Thalia) com beijinhos no rosto. Será preciso muita maquiagem para disfarçar meu rosto vermelho no dia!
Thalia tem sido bastante positiva comigo. Ela parece não se importar com meu papel. Seria o correto, pois transgêneros são pessoas normais. São almas. Infelizmente ainda há um pouco de preconceito, principalmente lá fora. Mas Thalia é um grande exemplo, pois ela é a primeira a abordar um jovem desses quando chega na igreja. Mesmo ela estando há pouco tempo, sua ajuda no FJ tem sido espetacular. Ela é uma menina de ouro!
Minha única preocupação é se ela sente por mim o mesmo que sinto por ela. Ou se minha atual condição financeira pode forçá-la a dizer não. É só essa condição que me falta para dar o próximo passo. Eu preciso perguntar para arriscar o sim, mas ao lembrar que estou desempregado e que minha renda com os trabalhinhos de arte que faço não sustentariam nem um cachorro... isso me pára!
O que faço? Abro-me com Thalia, arriscando perdê-la por causa da minha situação? Espero minha vida financeira endireitar, correndo o risco de perder Thalia para outro que pedi-la primeiro? Que dilema.
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Quantas dúvidas
General FictionOs primos Felipe e Bruno tentam vencer os próprios defeitos ao lado de Bia, a obreira perfeita que abre mão da própria felicidade para ajudar os outros, apontando seus defeitos. Seus velhos amigos Meck e Valéria pensam estar bem, mas com as dificuld...