Foi de repente. Ao encontrar Thalia na rua, a caminho daqui, ela sorria como nunca antes eu havia visto. É tão gratificante saber que Deus me usou para chegar até essa alma. Mas logo que eu a chamei para conversar, o sorriso estreitou-se; não chegou a desaparecer, mas quase.
— Pode falar — falo suavemente na poltrona do seu lado. E coloco um braço por trás dela. — Como está sua vida?
— Tá bem.
Ela continua com o olhar firme nos meus, querendo dizer algo que está preso em sua garganta. Tento incentivá-la pegando sua mão. Ela olha para as minhas, surpresa. Parece que não é acostumada a esse tipo de cuidado.
— Não precisa esconder nada de mim, Thalia. Eu estou aqui não para dar sermão ou indiretas, mas pra te ajudar. Então, como você está? Como está sua família?
— Estamos daquele jeito. Não consigo falar com minha mãe sem que ela comece a gritar comigo, por isso eu prefiro nem contar nada pra ela...
Seus olhos brilham conforme ela inspira bastante ar.
— É que não sou muito de sair, não tenho amigos, nem na escola eu falo com ninguém, fico na minha, na última carteira. Se pudesse ficar invisível ficaria também. Não tenho ninguém pra contar, e mesmo assim...
— Você tem a mim agora. Pode contar comigo para tudo.
— Mesmo assim, não sei como explicar. Eu fico bem um tempo, e depois vem uma tristeza dentro de mim, ainda tento disfarçar diante das pessoas, mas só Deus sabe o buraco que tem dentro de mim. Não sei como explicar isso.
— Entendo. E sei o que é isso, já passei pela mesma situação. Desde pequena venho na igreja, e mesmo assim era triste e vazia. Depois que minha família deixou de vir, não tinha ninguém para contar aqui, não queria me abrir. Mas sabe o que me fez mudar? O Espírito Santo. É ele que você precisa conhecer. Só ele vai te preencher.
Thalia mexe os dedos sob minhas mãos e abaixa o rosto. Aproveito para firmar com ela um propósito de buscarmos juntas em oração e nas quartas-feiras e domingos. Mas não termina aí nossa conversa. Trocamos ideias e nos conhecemos melhor.
— Este ano voltei a estudar depois de uns cinco anos sem fazer nada. Pensei que estando no meio de outras pessoas sentiria menos a solidão, mas ela fica pior. Dói mais a solidão quando tem gente em volta, se é que você entende isso.
— Mas isso vai passar, Thalia — digo-lhe com animação. — Acredite. Eu não vou te abandonar. Muito menos o Senhor Jesus. Então...
Penso antes de continuar meu interrogatório. Falar de vida sentimental com uma pessoa solitária pode piorar sua dor, se ela estiver machucada. Mas sei o que estou fazendo, não vou errar.
— E como tá a vida sentimental? Você tem namorado?
— Hã, eu? Quem vai gostar de uma pessoa como eu? O que eu passei não tem perdão. Meu corpo é...
Realmente, ela está machucada. Só posso encerrar o assunto chamando-a para a Terapia, antes que ela desabe relembrando o que parece ser um trauma.
— Bem que eu queria acreditar, pois... pois...
Pelo sorrisinho, sei que ela está pensando em alguém. Pessoas machucadas também querem amar.
— Eu acho aquele menino de óculos diferente dos outros.
Óculos? Só tem um menino que ainda usa óculos que eu conheço.
— O Meck? O Mídia? O que tira foto dos Conexões?
— É, ele mesmo. Ele não é como todos os outros homens. Ele é mais... sensível, e não tem nojo de mim.
Por que alguém teria nojo? Uma menina bonita, cheia de potencial. Só o bicho desgraçado fica pondo esses pensamentos na mente dela.
— Ai, por favor, não conta pra ninguém que eu disse isso!
O Meck ficaria muito contente se soubesse disso! Mas...
— Tá, pode deixar.
Ela volta para casa sozinha, pois preciso ficar para a reunião. Depois volto embora com a obreira Mokado, a recém-levantada. Não sei como ela conseguiu, pois uma mulher que não cuida de casa direito não é digna! Mas quem sou eu para julgar? Se Deus permitiu, então tá ligado. Depois que ela entra no residencial onde mora, eu sigo até minha casa um pouco adiante, meditando na palavra a ser dada aos jovens sábado. Também penso em Meck e Thalia. Amigos há tão pouco tempo. Impossível que dê certo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Quantas dúvidas
General FictionOs primos Felipe e Bruno tentam vencer os próprios defeitos ao lado de Bia, a obreira perfeita que abre mão da própria felicidade para ajudar os outros, apontando seus defeitos. Seus velhos amigos Meck e Valéria pensam estar bem, mas com as dificuld...