66 - Bruno

30 8 0
                                    

Meu sonho parece cada vez mais distante. Por mais que eu esteja aprendendo tudo, o professor Igor consegue me dar notas baixas nos trabalhos. Só Deus para me dar forças para prosseguir. A volta do Paulinho também me anima um pouco, apesar de não cobrir o espaço que minha mãe deixou. Às vezes parece que ter me assumido só piorou minha situação. Até para evangelizar está difícil, nem vou mais toda semana.

Não, tá amarrado! Vou passar de ano sim, e também vou no vestibular para fazer uma faculdade para ser ator! E ainda vou evangelizar, mesmo estando na pior. E vai arrebentar!

Lá vem ela de novo! Depois da aula, Dani corre até mim e chega me abraçando. Desta vez, porém, não resisto, mas também não correspondo.

— Bruninho, não fique triste!

Quando ela tenta me beijar, aí dou um chega pra lá nela, que quase cai no chão com meu empurrão. Seu material se espalha pela calçada. Agora percebo no portão da escola as outras meninas cobrindo as risadinhas com as mãos. Os piás também aparecem cheios de graça. Eles vêm atrás de mim.

— Ah, meu, para! Já acabou a graça, meu. Só porque sou da igreja vocês ficam rindo de mim? Eu não fico rindo de vocês porque vocês não são da igreja.

O grupo não se importa com o que falo. Ninguém se importa aqui. Bem que minha mãe sempre dizia para separar as coisas: falar de Jesus na igreja ou até em casa é aceitável, mas na escola e no trabalho, não.

Vou para o último lugar onde os populares vão, aonde só os excluídos do colégio se encontram. O último corredor, onde ficam os que fumam.

— Chega aí, brother! — diz o maior deles, que parece bem mais velho que a média. Todos os três aqui parecem bem mais velhos. Repetentes?

— Tá a fim de um, moleque? — diz o rapaz mais cabeludo.

— Não, quero isso não, tá amarrado, isso faz mal.

Muito mais mal do que talvez eles possam imaginar. Meu Deus, essa pode ser minha oportunidade de provar para mim mesmo e para Deus que o assumi de vez!

— Mal nada, moleque. Isso aqui — diz o piá, que levanta um cigarro preto —, isso é vitamina. Olha pra nós, tu acha que o Igor bota nós debaixo do chinelo? C'é louco, moleque.

Chego perto da rodinha, mas o cheiro da fumaça me impede de participar no círculo. De perto reconheço um deles. Apesar de estudarmos na mesma turma, Gabriel não demonstra nada ao me ver.

— O professor também pega no pé de vocês?

— Pegava, mas nós ficamos de boa depois de uns anos aí.

— É, a gente entendeu como é a realidade, brother.

— Realidade? — pergunto.

— A gente era tipo você — diz o mais novo dos três. — Acreditávamos nessas paradas de Jesus e Deus antes do Igor explicar certinho quem era esses maluco.

Cerro os olhos como faço com a mente. É perigoso ficar ouvindo, pois o mal está tentando contaminar minha fé. Mas essa ainda pode ser minha chance de evangelizá-los. Deus me ajude!

— Piá, o professor não manda na nossa cabeça. Ele tem a mente muito fechada pra entender as coisas espirituais.

Os três olham incrédulos para minha cara assustada.

— Brother, se liga só — diz o mais velho antes de soltar uma baforada contra o vento, o que traz a fumaça para minha cara. — Como que pode existir um ser lá em cima que ama a humanidade mas permite tanto piá inocente morrer na guerra?

— O que Deus tem a ver com a guerra? — digo sem ênfase. — É culpa dos políticos.

— E no meu caso — diz o mais novo. — Minha irmã tava de cama, daí minha tia veio falando que Deus curava e tal, chegou batendo uma Bíblia na testa da coitada e gritando igual uma louca... E nada. Minha irmãzinha hoje tá... Se não tá no céu, não sei onde... — Ele traga seu cigarro preto com força e tosse alto.

Lembro da minha mãe. Eu também cria que ela seria curada, e isto seria meu testemunho para mostrar que Deus existe aos meus colegas.

— Deus não fez nada, mano — diz Gabriel, o mais quieto dos três. Sua entonação triste traz uma nota de revolta com desabafo. — Não é, ô Alex? Maurício?

— Não, piá — respondo. — Deus faz as coisas na hora certa. Não desiste. Se com Deus já é difícil, sem ele então... O que importa é a gente estar bem por dentro. E, sem Deus, isso é impossível.

O jeito como seus olhos param em mim é como se, mesmo eles negando, estivessem sedentos pela água que um dia bebi. Eles precisam dessa água.

Minha chance de trazer mais almas para Deus.

— Vamos sábado comigo num lugar bem top?

Quantas dúvidasOnde histórias criam vida. Descubra agora