18 - Felipe

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Chego cansado à igreja, mas isso não é desculpa. Vamos chamar todos os jovens que estiverem na rua por todo o bairro! A obreira Bia e o Bruninho já estão terminando de separar os jornais e os panfletos juntos a mais uma jovem que está começando na evangelização. Ih, moleque, hoje vai arrebentar!

— Aí, Bruninho, valeu!

Ele só levanta o polegar, e a obreira para seu trabalho por um instante para mover os olhos para nós. Duvido que ela adivinhe o que aconteceu, como um dos meninos novos insiste em dizer que a obreira adivinha as coisas só pelo olhar. Carinha doido!

— Vai arrebentar, vamos encher o Força Jovem sábado — Bruninho responde num só fôlego.

Chego entre os dois para pegar um dos montes de jornal. Ou melhor, pego dois.

— Aôo, obreira, tá cansada, é? — digo enquanto lhe bato no ombro para tentar levantar seu astral. Ela parece mais chateada.

Bia inspira bastante ar, mas não responde. Pega seu monte de jornais e pede para todos fazermos o mesmo e, após a oração, vamos às ruas. Bruninho e eu de um lado da rua, Bia e a menina nova do outro.

Enquanto elas batem palmas de porta em porta, eu trago o Bruninho até o meio do quarteirão, onde há uma roda com uns dez jovens debaixo da maior árvore da rua.

— Daê rapaziada, firmeza?! Olha aí um jornalzinho pra vocês, e um convite.

Entrego para metade, e o Bruno para outra. Ele nem abre a boca, mas tenta pelo menos esboçar um sorriso. Leva um susto quando bato uma palma forte.

— Aí, rapaziada, sábado agora, vamos aí com a gente no Força Jovem. Vocês curtem futebol? Ou preferem uma dança? Um break tipo assim, ó...

Dou um passos bem nada a ver, mas não importa. Tento até um papagaio, e quase viro de cabeça para baixo para dar uma pirueta, mas Bruno puxa meu braço e aponta para o outro lado da rua. A obreira está parada e nos fuzila com o olhar.

— Mas é isso aí, cola com nós, a gente é tudo malucão, é o lugar certo pra vocês.

— Ei, cara. — O jovem mais grande da turma se levanta, fica em pé diante de mim. A voz grave e raspada intimidaria outra pessoa. Os músculos de só um de seus braços são grandes o bastante para me apagar desse mundo, e olha que nem sou pequeno como o Bruno. Meu primo sim, ele se esconde atrás de mim. Tenho certeza de que ele também sente a respiração do fortão. — Tá chamando nós de maluco? O que tu quer dizer com isso?

— E aí, galera, beleza? — diz a voz esganiçada que Bia faz quando tenta ser legal com os jovens da rua; o que me dá um negócio ruim na barriga. — Cola com nóis, sábado às quatro da tarde, ali do lado da Dona Lu, fechou?

— É só o jeito de falar — digo para o grande enquanto Bruno me puxa, puxado pela obreira. — Nós é tudo junto e misturado. Vou esperar vocês lá, hein, e depois vamos ver se vocês jogam mesmo ou é tudo perna de pau igual ao Bruninho aqui!

Ela se despede da turma e nos puxa para as casas seguintes.

— Ficou com medo, obreira? — falo e rio na cara dela.

— Felipe, isso aqui é um trabalho sério, é espiritual. Se você não leva a sério, como quer que os jovens o levem a sério?

— Ih, relaxa, obreira. Tem que ser doido pra chegar neles.

— Nem todos são malucos como você. E se aquele grandão se sentisse ofendido...

— Relaxa. Sossegado, obreira!

Abro os braços e me viro para a obreira, que se abaixa e desvia deles como o Neo desvia das balas. Não gosta mesmo de contato. Talvez seja por isso que ela fecha a cara e não fala mais conosco durante o trabalho até voltarmos à igreja.

Cutuco Bruninho, aponto para a obreira, e ele faz com os ombros que não sabe de nada. Eu estou passando por um problemão mas continuo na luta firme. O que será que está na cabeça dela? Fico pensando no que posso fazer para animá-la. Elogios não funcionam. A coisa mais certa seria lhe comprar um rissole mais suco de laranja. Tiro e queda. Só me falta o dinheiro no momento.

Mas se é para deixá-la contente, vou tentar ser menos maluco, como ela diz. Talvez sendo mais sóbrio, além de tudo, ela comece a considerar nosso futuro juntos!

*

Não é que os moleques vieram? Só dormiram um pouco durante a palavra e o teatro, mas fora isso estavam presentes. Hoje temos um time completo para jogar futebol depois do Conexão. E a obreira achando que eles não me levariam a sério... Ih, já era pro diabo. Esse Força Jovem vai encher!

Quantas dúvidasOnde histórias criam vida. Descubra agora