Deus é a minha força, ele me sustenta e não tem situação que me faça pensar o contrário. Mas e Thalia? Desde semana passada ela nunca mais apareceu na igreja. Não foi no Conexão, nem veio hoje para o ensaio do teatro. Quando lhe mando mensagem nem chega; deve ter me bloqueado. Ela contou uma vez que tinha depressão e já se cortou algumas vezes. E se depois daquilo ela voltar nessa vida? Foi tudo minha culpa.
— Pessoal, não tem como ensaiar o teatro faltando uma pessoa — diz a obreira. — Fica malfeito, e não podemos fazer algo ruim. Em vez de ensaiar, vamos atrás dos afastados?
Que bom que não terá ensaio. Não tenho cabeça para isso. Muito menos para evangelizar. Peço licença à obreira Bia para ir embora.
— Vamos com a gente, Meck. Vamos na Thalia.
— Ah, acho melhor não. Vai lá a senhora com o Bruno e as meninas.
Sigo andando, até ignoro quando ela me chama para ficar pelo menos para a Terapia. Para quê? Perdi minha única chance de ser feliz no amor e dar testemunho nessa reunião. O jeito é me acostumar com a vida solitária e aproveitar mais a família enquanto meus pais estão vivos.
Chego em casa, cumprimento meus pais, fico com eles na frente da TV um pouco mas não vejo graça na novela que assistem. Passo na cozinha para comer uma fruta e me tranco no meu quarto.
Tiro da mochila as roupas que usarei no teatro do Cultura Day, daqui a duas semanas, que depois de tantos ensaios precisam ser lavadas. Antes de entregá-las para minha mãe lavar, visto-as em mim mesmo. O espartilho de afinar a cintura, o bonito vestido rodado frente-única, os tamancos altos e a peruca comprida demoram um pouco para ficar no jeito, já que as meninas não estão aqui me ajudando. É uma sensação estranha mas gostosa ficar assim, com a janela aberta entrando um ventinho fresco embaixo nas pernas lisas. Nessa sensação consigo esquecer um pouco aqueles conflitos que tomam minha mente quando penso na Thalia; embora estar assim me faça lembrar dela. [...] Deito-me para dormir desse jeito mesmo, com a brisa nas pernas e nas costas.
A porta do quarto se abre tarde da noite, quando estou quase pegando no sono. Ah, não! O sono some na mesma hora, tento encontrar uma coberta, mas minha mãe acende a luz antes. Ela me olha com surpresa, mas não fica me encarando como pensei que faria. Em vez de me condenar por estar assim, ela senta na cama, perto de mim, e o que posso fazer e me sentar também.
— É por causa daquela menina, não é?
Nunca escondi nada da minha mãe. Nem as roupas que uso, nem os sentimentos que tenho.
— Faz uma semana que ela não fala comigo, nem aparece na igreja.
Ela me abraça, o que é estranho, visto o jeito que estou.
— Não fique triste, Lameck. Você realmente gosta dela, eu sei. Com certeza você está assim porque isso te faz lembrar dela, né?
Às vezes minha mãe parece ler mais a minha mente do que a obreira Bia!
— Sabe quanto tempo seu pai ficou atrás de mim? Cinco anos. Cinco anos eu o rejeitando, dizendo não, e ele insistiu, insistiu até que dei uma chance e olha só? Somos o casal mais feliz do mundo!
— É verdade, mãe. Eu cansei disso. Tudo que faço dá errado porque não insisto até dar certo.
Ela me abraça ainda mais forte, e eu tento corresponder. Derramo uma lágrima no ombro dela.
— Vai jantar, filho. É importante comer.
Fico em pé para ir.
— Mas... troque de roupa, por favor.
Com certeza. Eu posso estar acostumado, mas os outros podem se escandalizar ao me verem assim. Já chega de escândalos e sentimentos ruins. Vou jantar pensando. Assim como minha mãe, as meninas de Deus são mais difíceis mesmo. Por exemplo a obreira Bia, que até conseguiu um namorado, mas não demorou muito para ela o rejeitar. Tudo bem que ele tinha comportamentos não condizentes com a fé, mas ninguém é perfeito. Temos que lutar pelo que queremos, ainda que seja preciso mudar nosso jeito. Não é para isso que vem o Espírito Santo?
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Quantas dúvidas
Fiction généraleOs primos Felipe e Bruno tentam vencer os próprios defeitos ao lado de Bia, a obreira perfeita que abre mão da própria felicidade para ajudar os outros, apontando seus defeitos. Seus velhos amigos Meck e Valéria pensam estar bem, mas com as dificuld...