— Oi, Felipe! — diz Karla quando entro na farmácia.
Ignoro a mulher, apesar de ser bonita, para focar no que é importante. Sem brincadeiras. Só quero meu remédio. Mas ao passar pelo balcão para realizar o pagamento, noto o papel de parede no computador que Karla usa.
— Essa aí, é a Valéria?
— Você conhece ela?
— Sim, éramos bem amigos antigamente. Ela gostava de mim, sabe, ninguém resiste essa carinha aqui.
Karla sorri com olhos bem abertos para mim, e eu me arrependo do que falei.
— Eu moro com ela. Minha best! Ontem nasceu o filhinho dela.
Aproximo-me mais da tela para ver o bebê. Mais um par de olhos puxadinhos. Deus deve estar me testando; só pode!
— Minha amiga não desgruda do miudinho!
— É bom que não desgrude mesmo.
Karla me olha, séria, como eu falei isso sério. Quando vou me despedir, meu telefone toca. Apenas aceno e saio para atender na calçada.
Senhor Felipe, por favor compareça imediatamente à delegacia.
*
Passo pela porta de vidro e uma criança se levanta das cadeiras de espera, e do lado duas policiais apenas observam-no. Paulinho pula no meu colo, e lhe aperto como se não o visse há semanas. Porque realmente é verdade. Perto de seu ouvidinho começo a dizer tudo.
— Nunca mais vou tirar meus olhos de você, Paulinho. E pra mostrar como você é meu maior tesouro, vou mudar meu jeito pra você me amar, eu juro.
— Senhor Felipe — a policial me chama; provavelmente a mesma que me ligou —, cuide bem do menino. Ele deve ter sofrido algum trauma psicológico grave, pois não consegue dizer o que aconteceu.
— Tranquilo, dona polícia, vai arrebentar. Digo, valeu!
Que Deus me dê força para não desejar o mal de quem me roubou meu filho. E que ele nunca se revele a mim, se não vai apanhar bonito.
Tento tirar alguma palavra do Paulinho, mas ele se recusa a falar qualquer coisa. Mesmo assim, muito obrigado, Deus! E que o Senhor queime o demônio desgraçado que fez isso acontecer. QUEIMA!
Passo na igreja, não para ir evangelizar com os jovens, apenas agradecer, pois volto para passar o resto da sexta-feira com o Paulinho. Temos tantas cartas para colocarmos à mesa. Dá tempo de ver lá na esquina os jovens indo evangelizar, e nem olham para trás, ou seja, nem me viram com o Paulinho. Beleza, só o pastor Carlos vê a minha vitória. Aproveito para pedir uma oração, pois estou muito nervoso ultimamente, e para entregar meu filho na mão de Deus. Creio que não vai mais acontecer tanto sofrimento com ele.
Saio um pouco melhor, mas continuo preocupado e tenso com o silêncio do garoto. Ele reage bem ao passar outro gato na rua. O que acontece que de uns tempos para cá as ruas dessa cidade encheram de bichos? Minha vontade é chutar esse animal para me aliviar da raiva que tenho de quem tirara Paulinho de mim. Mas ao ver meu filho sorrindo para o gato, não posso fazer nada a não ser tentar pegá-lo para o garoto. Falho bonito, mas na minha corrida desajeitada consigo fazer Paulinho rir.
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Quantas dúvidas
General FictionOs primos Felipe e Bruno tentam vencer os próprios defeitos ao lado de Bia, a obreira perfeita que abre mão da própria felicidade para ajudar os outros, apontando seus defeitos. Seus velhos amigos Meck e Valéria pensam estar bem, mas com as dificuld...