Faz quase um mês e nada. Resolvi registrar o desaparecimento do Paulinho na delegacia, mas já passou uma semana e não obtive nenhum retorno positivo.
Cara, eu não queria admitir, mas estou começando a sentir uma pontinha de preocupação lá no fundo. Afinal, o Paulinho é uma criança. Mal conversa com clareza em português. E quer saber? Vou falar com alguém sobre isso antes que vire um problemão dentro de mim, a ponto de me impedir de receber o Espírito Santo.
— E aí, Carlos, beleza?
O pastor Carlos dá uma forçada na voz quando lhe dou dois tapinhas nas costas.
— Seguinte, eu tô com um probleminha, e quero que o senhor ora por mim.
Sei que ele não vai espalhar os problemas dos membros para os outros, por isso lhe falo do desaparecimento do Paulinho. Ele não fica surpreso com minha reação de boa, sabendo que Deus vai ajudar e o Paulinho não vai sofrer nada.
— Se você não sabe mesmo onde procurar, vamos estar orando por você sim, rapaz.
— Na verdade, pastor, eu acho que é por má influência que ele fugiu. Tipo assim, acho que ele tem vergonha de mim, porque os pais dos coleguinhas dele são meio diferentes, sabe?
O pastor estreita os olhos. Deve ter entendido errado, e eu respondo com uma gargalhada.
— Não, pastor. Eu falo diferentes de mim. Tá louco? É porque os outros são muito quietinhos. O Paulinho tava ficando muito quieto também, e comigo em casa não tem isso.
— Rapaz, posso te dar um conselho? Quando você estiver em casa, tem que dar um bom testemunho. Ficar gritando tá ligado, vai arrebentar, tá amarrado, essas palavras as pessoas de fora da igreja não entendem. Você só vai parecer mais maluco do que já é.
Rio, mas estou sério.
— Falar isso não adianta nada se você não tiver uma atitude. Deus não faz nada sozinho. O que você está fazendo pra encontrar seu filho? Já registrou o boletim de ocorrência? Avisou todo mundo que você conhece? Eu mesmo nem imaginava.
— Já, já sim, pastor. Semana passada fui lá, mas até hoje não resolveram nada.
— Certo, rapaz, você tem que fazer sua parte, e fazer o que estiver ao seu alcance. Deus vai honrar a sua atitude, não suas palavras, certo? E o que você não consegue, o que o homem não consegue, Deus vai fazer.
Terminamos a conversa com o pastor prometendo orar pelo Paulinho comigo, mas principalmente por mim, para que eu consiga melhorar. Se bem que eu já sou top! Mas se for preciso ser mais chato para ter meu filho de volta, isso que farei. Atitude, não é? Vou agir. E que Deus me ajude a mudar!
Estou no corredor entre as poltronas quando o pastor ainda fala comigo lá da porta do escritório:
— Eu já te vejo como obreiro, rapaz. Entendeu? Fale menos e aja mais.
— Tá ligado, pastor, já arrebentou!
Do meio do salão o som de palmas que bato ecoam até a porta de entrada, onde duas meninas entram na igreja. Bia e uma menina ruiva amparada pela obreira, com as mãos cobrindo o rosto. Parece estar chorando. Ela me é familiar, depois perguntarei para Bia quem ela é.
— O que aconteceu, Felipe?
Acredito que Bia não estava sabendo do Paulinho, mas com certeza ela sabe que tem algo errado. Bem que dizem que ela vê os problemas dos jovens através dos olhos. Aôo!, obreira do poder!
Ela leva a ruiva até a primeira poltrona com um copo de água, e volta para mim. Que beleza! Sem enrolação lhe digo a verdade. Bia promete orar também pelo Paulinho, incluindo-o em suas orações diárias. Ela também pergunta se já fiz o boletim. Nossa, estão todos no mesmo espírito, só eu que penso diferente? Por isso que o Paulinho fugiu mesmo! Cara, preciso mudar, ficar mais sério.
Vai que, ficando eu mais sério, também a Bia finalmente desperte para ser minha esposa?
Volto para casa com a sensação de que esqueci algo. Havia alguma coisa na igreja que eu queria perguntar para a Bia, mas esqueci. Ah, já era.
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Quantas dúvidas
General FictionOs primos Felipe e Bruno tentam vencer os próprios defeitos ao lado de Bia, a obreira perfeita que abre mão da própria felicidade para ajudar os outros, apontando seus defeitos. Seus velhos amigos Meck e Valéria pensam estar bem, mas com as dificuld...