Deixo Michael no berço só por um instante, quando preciso das duas mãos para estender a roupa no varal. Batem palmas no portão. É aquela obreira de novo. No fundo, não tenho motivos para impedir a visita agora que terminei o serviço da casa.
— Val, adivinha para quê eu vim!?
— Ah, Bia, deixa quieto, tenho tanta coisa pra fazer ainda... sabe, o serviço de casa não acaba...
Nunca me senti mal antes por mentir. É estranho.
— Não quero só que você venha à igreja. É você que decide se vai ou não no FJ, certo? Mas não posso te ver longe de Deus e ficar calada...
Eu, longe de Deus? Quem ela pensa que é para saber como estou? ELA... ela... ela lê a gente tão bem assim?
— Você não pensa na sua alma, Val? Você sabe que a qualquer momento tudo pode acabar, não sabe? A terceira guerra, um maremoto, afundamento, até o arrebatamento, tudo pode acontecer a qualquer hora. E aí para onde você vai? Para onde eu vou?
Mal sabe ela que penso nisso toda madrugada antes de finalmente pegar no sono.
— Penso sim, fica tranquila, Bia.
De cabeça levemente inclinada, Bia acena negativamente.
— Volta, Valéria, vem hoje no Conexão, vai ser muito especial com sua presença. E não olhe para o passado, ninguém está ali para te julgar. Já disse que se eu fiz algo que te machucou, por favor, me perdoe, não tive intenção. Só quero te ajudar.
Meu lado mais forte vence a batalha pela minha próxima ação.
— Não preciso de sua ajuda, Bia, agradeço, mas estou bem. Deus é comigo, e é o que importa.
Antes de ir embora, Bia, derrotada, brinca com o Michael. É o único momento em que deixo sair um sorriso verdadeiro, ao ver meu filho tão feliz no colo da Bia.
— Então tchau. E se lembre: se precisar de algo, ou ajuda, pode contar comigo. Certo?
Mais tarde chega Karla a passos pesados que se silenciam bem diante de mim.
— Que foi, agora?
— Amiga, diz que você não ficou com ele, diz!
— Tá doida? Fiquei com ninguém não.
Karla relaxa os músculos, perde dois centímetros de altura nisso, e se joga no sofá com a mão caçando o controle da televisão.
— Ufa, graças a deus.
— E o que você tem a ver com isso? A vida é minha!
— O coração seu. Esse é o problema. Ele sempre vai querer alguém que não presta. Homem é tudo igual, não importa o que seu coração diga. Coração é burro. Não foi feito pra pensar.
Lá vem a viada sem moral com suas lições. Enquanto ela argumenta como as mulheres são superiores aos homens, só lembro que a dispensa está praticamente vazia. Por que rejeitei a ajuda da Bia? A cesta básica que ganhava dela era uma mão na roda. Eu deveria ter aceito. Que burrona!
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Quantas dúvidas
General FictionOs primos Felipe e Bruno tentam vencer os próprios defeitos ao lado de Bia, a obreira perfeita que abre mão da própria felicidade para ajudar os outros, apontando seus defeitos. Seus velhos amigos Meck e Valéria pensam estar bem, mas com as dificuld...