Capitulo I

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12 de agosto de 2008

Eu me recordo de verões passados na casa dos meus avós paternos. Todo o ano íamos de São Paulo para Minas Gerais, enfrentando horas dentro de um carro ouvindo raça negra, era uma verdadeira tortura.

O meu pai Pedro, dirigia cantando cada refrão da sua banda de samba favorita. Ele  tentava imitar a voz do cantor só que, tossia com irritação na garganta.

"-Cheia de mania, toda dengosa..." cantarolava olhando para a minha mãe que, só sabia rir das palhaçadas dele.

-Pedro, você canta mal. - dizia a minha mãe.

 A voz dela era suave e calma. Nela, qualquer melodia ficaria ótima. Minha mãe Lúcia, havia feito algumas aulas de canto quando era adolescente, para cantar no coral da igreja. Então, ela poderia acabar com esses gritos histéricos de meu pai, apenas com um falsete belíssimo.

-Desculpa madame... (disse, me olhando pelo o retrovisor e franzido a testa) não tive aulas de canto.

Eu gargalhava vendo a cara de deboche de meu pai. No fundo sabia que ele admirava a voz da sua esposa. Na verdade, ele admirava tudo que ela fazia.

-Não precisa de aula de canto querido, basta apenas praticar -ela respondeu, dando uma piscada para mim e sorrindo.

Meu pai só ficava sério. Porém, se desmanchava todo quando ela tocava em sua mão. Apesar de na época ter apenas dez anos, eu já sabia o que era o amor, e o que a falta dele faz diante das pessoas.

Enquanto o som da música cigana ecoava pelo o carro. Ouvia as risadas felizes de meus pais. Olhava as suas mãos unidas, enquanto os raios solares atravessavam o vidro do carro clareando tudo nos bancos de trás.

-Eu te amo Lúcia - disse o meu pai olhando para ela, enxergava a imensidão do sentimento que havia dentro de sí, mesmo depois de vinte e três anos de casado. A chama que acendia em cada toque, cada gesto, cada atitude.

-Eu também te amo Pedro!

  Em um instante eu vi os dois se beijarem rapidamente. No outro, tudo girava. Nada fazia sentido. Sentia dor, muita dor. Minhas pálpebras pesavam uma tonelada. Minha respiração estava fraca. As batidas do meu coração diminuía conforme não sentia meu corpo. Náusea, lágrimas escorriam pelos os meus olhos, não assimilava o que estava acontecendo. Até uma escuridão enorme me engolir!

♥♣♥♣♥

15 de junho de 2018

Sentia minha cabeça doer. Como se tivesse enfiado pregos nela durante a noite. Meio sem jeito me levantei da cama, e fiquei sentado na sua cabeceira. Tentando recuperar o meu corpo aos poucos do cansaço que estava sentindo. Ontem o patrão não pegou leve um só instante, atendia tantas mesas que perdi as contas de quantos pedidos entreguei, engraçado que a gorjeta continua pouca. Desde que, meus pais morreram naquele acidente de carro, vivo com a minha avó Amélia. Uma senhora de sessenta anos de idade, e que vende crochês para a vizinhança para ajudar na pequena casa que moramos. Ela é um doce de pessoa, seu cheirinho de sabonete de lavanda nos transmite uma sensação de paz. Os cabelos grisalhos e enrolados, mostra o quanto é experiente. Os olhinhos pretos que mantém o brilho de quando era jovem, as rugas que há transformava numa enorme ameixa seca. Tudo nela é simples e essencial.

-Samuel - ela sussurra perto da porta.

 Esfregando os olhos ainda sonolento, balbucio algumas palavras:

-Es...tou...indo vó.

Escuto seus passos curtos e barulhentos pelo o corredor. Meio desengonçado, me levanto da cama e pego algumas roupas para tomar um banho gelado e ver se desperto desse sono.

Apesar de ter vinte e um anos de idade, tenho a disposição de um idoso. Acredito que minha avó Amélia tenha mais energia que eu. Trabalhar todos os dias numa das mais famosas lanchonetes da cidade, é meio tenso. Além do meu patrão ser uma pessoa rígida e ranzinza em questão de serviço, eu consigo de vez em quando admirar as pessoas que atendo. Uma em questão.

Ela era linda. Não sabia o seu nome, mas sabia que adorava café com duas gotas de adoçante. Sabia que adorava admirar as pessoas que passavam perto do grande vidro da janela. Gostava de rosas, aliás seu cheiro lembrava muito. Os cabelos loiros e escorridos até o ombro, que na maioria das vezes ficavam presos num coque mal feito. A delicadeza que suas mãos pegavam a xícara e levavam até os seus lábios carnudos e rosados. A forma que seus olhos cor de mel se fechavam para saborear o gosto da cafeína descendo pela a sua garganta. A sutileza de um sorriso após estar satisfeita com o atendimento. Sim, ela era linda. E eu amava admirar tudo isso de longe, atrás do balcão. Sem ter coragem alguma de se aproximar e dizer a forma que mexia comigo. Que meu coração saltava toda vez que escutava sua voz suave e calma dizer:

-O mesmo de sempre.

Minhas pernas ficavam trêmulas, meu corpo inteiro suava. Cada parte dele respondia há sua presença. Sim, uma mera desconhecida. Porém, estava completamente apaixonado por ela.

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Coração de Papel ( Revisado)Onde histórias criam vida. Descubra agora