Capítulo XXIII

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Passou se uma semana desde da surra que levei do meu chefe. Quer dizer, ex patrão. Afinal, minha avó mesmo nas suas condições de saúde colocou ele num processo e tem tudo para ganhar um dinheiro bom. Isso já é o suficiente para Amélia esquecer o encontro com a tal moça chamada Melissa. Nem tive a audácia de ligar no seu número ou mandar uma mensagem para agradecer a forma que cuidou atenciosamente de mim. Talvez,  seja porque ela não é Ana Helena. A única que me faz se perder e se encontrar numa intensidade que nem em bilhões de anos solitário, eu consegui esconder.

-Samuel, o que você acha de reformamos a casa? -Fui acordado dos meus pensamentos com a minha avó olhando a tintura da parede azul saindo.

  Desde que sonhou que iria ganhar o processo do mal hálito do senhor Borges, vivi encontrado defeitos no casarão de herança da família. E sinceramente, isso já estava virando paranóia.

-Vó a senhora que sabe.

Ela franziu a testa e encarou por alguns segundos a parede como se imaginasse um papel decorado nela. Em seguida, continuou fazendo a massa do bolinho de chuva, espero que esteja com o gosto melhor do que suas panquecas queimadas.

-Samuel e a Melissa?  -Perguntou, quebrando as barreiras do meus pensamentos de fugir desse assunto.

-Eu vi a moça somente uma vez.

Ela gargalhou ironicamente. Sabia que por debaixo daqueles cabelos brancos como algodão, existia um plano insano.

-Chama Melissa para sair...-disse, enquanto enrolava a massa nas mãos enrugadas. -...você é bonito meu neto, e parece que ela gostou da sua aparência.

Ouvia tudo aquilo com um aperto no coração. Quando era criança, havia desobedecido meus pais para andar de bicicleta com a menina mais linda do bairro. Era de se estranhar ela querer sair com o menino mais tímido daquela rua. Porém, me chamou mesmo assim. E para a minha sorte foi porque era o mais bonito também. Talvez, Melissa tenha se interessado pelo o que viu e criou ilusões de uma futura ligação nunca prometida.

-Eu não me interessei. -Falei ríspido.

Seus olhos negros me encararam perplexa. Acredito que sua vontade era de me estrangular ali mesmo. Porém, respirou fundo.

-Só porque a menina é gorda?

Fiquei constrangido. Jamais usaria isso como um motivo para maltratar alguém. Melissa realmente era rechonchuda e mesmo assim continuava linda. Sua beleza era única por ser somente dela, da sua maneira.

-Jamais.

-Então?

Me levantei da cadeira. Tentando quem sabe fugir daquele assunto e me trancar no meu quarto e sonhar com os meus pais.

-Gosto de outra.

Ela sorriu amarelo.

-A menina que você fica escrevendo aquelas cartas melosas... -Gritou, rindo. -...Ela nem sabe que você existe menino!

Tentei segurar uma lágrima que queria cair dos meus olhos marejados.

-Por enquanto!

-Enquanto ela não nota sua presença, saía com a Melissa.

Sorri tentando mostrar que iria fazer o seu pedido. Na verdade, estava confuso demais para resolver isso.

-Tudo bem, Vó. 

Fui até ela e lhe dei um beijo na testa. Enquanto virava as costas e subia para o meu quarto...

                 《》《》《》

Encontrei o papel com o número de Melissa jogado dentro do balde do lixo. Os números pequenos escritos por uma caneta preta, estavam quase apagados. Porém, dava para enxergar. Respirei fundo enquanto pegava o celular em cima da escrivaninha, tentei controlar meus dedos naquele instante e ter certeza que não estava no meu estado normal de lucidez. Antes que pudesse desistir daquela idéia, avistei sua foto do whatsapp. Ela realmente parecia mais bonita pessoalmente. Melissa usava um batom vermelho nos lábios e seus olhos pequenos desenhados por um lápis preto. Não havia percebido, mas o seu sorriso era lindo e delicado.

Desejei ter o número de Ana e ver o quanto ela era linda. Dormir todos os dias contemplando sua beleza, apenas com testemunhas a lua, eu e o meu mundo. Tentei afastar tais pensamentos e voltei a encarar a fotografia de Melissa. Relutei um pouco comigo mesmo, rezei baixinho olhando para a cruz pregada na parede. E finalmente, digitei algo útil.

Samuel está online.

Oi Melissa, desculpa por demorar tantos dias para te mandar uma mensagem :) estava me recuperando da surra que eu levei rsrs

Tentei parecer o mais natural possível. E em questão de segundos ela ficou online, senti meu corpo inteiro tremer. Nunca tinha feito isso antes em toda minha vida. Comecei a suar quando percebi que estava digitando algo. Poderia jogar o celular contra a parede agora. Teria um surto.

Melissa está online.

Magina Samuel, eu sei o quanto foi feio a sua agressão. Espero de verdade que já esteja melhor ♡

Um coração. Puta merda. Nível de carência detectado. Ela deve ser daquelas paranóicas que corre atrás do companheiro com uma faca pela a casa.

Obrigado por sua atenção Melissa ♡

Estou iludindo a menina. Um coração para alguém que rapidamente responde sua mensagem é um eu te amo disfarçado. CALA A BOCA SUBCONSCIENTE!

Melissa: Eu faria com qualquer pessoa, e ver você naquele estado me deixou revoltada.

Samuel: Realmente não sou bom de briga rsrs

Melissa: Na verdade, fez certo em não sujar suas mãos.

Samuel: Teria sujado se tivesse colocado a mão dentro da boca dele rsrs cara, ele tinha um mal hálito impecável rsrs

Melissa: Você é engraçado rsrs :)

  Eu estou iludindo ela. Será que devo ser arrogante? Meu Deus como é difícil chamar alguém para sair.

Samuel: :) ♡

Melissa: ...

O que devo dizer? Quando escrevo no anonimato é mais fácil de se expressar. Ser eu é algo que devo aprender. Na verdade, todos os bichos humanos devem levar isso como lição de casa.

Samuel: Esta livre amanhã?

Meu coração disparou. Fui lançado a mercê da sorte, e quem me segura nas mãos é Deus.

Melissa: Estou sim, porque?

Samuel: Queria te levar para o cinema.

Melissa: Tudo bem, eu aceito ♡

Nem fiquei empolgado ou feliz com essa resposta. Apenas, me senti vazio.

Samuel: Nos encontramos em frente a estação?

Melissa: Sim, as 17 horas.

Samuel: ok :)

Melissa: Tenho que sair agora. Beijos!

Samuel: Tudo bem.

Melissa está offline.

Joguei o celular em cima do criado mudo e me deitei na cama. Tentando afastar da minha cabeça Ana Helena, algo que é impossível no estado que estou. Sabe quando estamos vazios e tentamos nos preencher com alguma coisa além do nosso alcance? Sim, Ana é esse algo. Porém, como dizia chorão "Só o amor constroem pontes indestrutiveis".

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Coração de Papel ( Revisado)Onde histórias criam vida. Descubra agora