Nem me lembro quantas vezes me perdi nas conversas de Ana e minha avó. As duas pareciam amigas de infância que há muitos anos não se viam. Eu só prestava atenção na forma engraçada e atenciosa que Ana escutava as histórias de minha avó. Percebia em seus olhos que havia interesse em cada palavra dita pela aquela senhora faladeira. O que eu tentei arrancar dela em anos, ela conseguiu em um dia. Ana Helena realmente era única. Dona Amélia tem o gênio duvidoso e desconfiado da minha falecida mãe Lúcia. Pelas as histórias que mamãe contava, ela não confiava muito no papai quando os dois casaram. E agora, ria e brincava com uma desconhecida que havia trazido apenas uma xícara de açúcar. O que é isso? Lei da atração? Apesar que não é difícil sorrir para uma mulher que nem Ana, ela transmiti confiança e ao mesmo tempo ternura. Tudo que falta na minha vida pacata.
-Você não acha Samuel? -perguntou minha avó, comendo um pedaço do bolo de fubá.
Tentei encontrar uma resposta para pergunta. Porém, não fazia a mínima ideia do que estavam falando.
-Desculpe vó, não prestei atenção.
Ela me encarou séria.
-Está no mundo da lua menino?
Ana Helena riu. Não sei porque mais tive vontade de me enfiar dentro de um buraco e nunca mais sair de lá.
-A lua tem gosto de queijo? -Perguntou amarrando os cabelos loiros num coque.
Não tive coragem de encarar seu rosto, para disfarçar peguei mais um pedaço de bolo e coloquei na boca. O gosto de milho desceu rasgando pela a minha garganta, parando bem na minha faringe. No mesmo instante, comecei sentir meus pulmões ficarem pequeno. Não estava conseguindo respirar.
-Menino você está engasgado? -gritou minha avó, ao perceber meu desespero.
Ana se levantou imediatamente e veio até mim, onde deu algumas batidinhas nas minhas costas. Eu tentava recuperar o fôlego e quando me dei conta, o pedaço de fubá voou longe.
-Desengasgou? -perguntou com calma, me entregando um copo de água.
Sem dizer nada, tomei o líquido branco e me senti aliviado quando o ar voltou aos meus pulmões. Porém, queria correr dalí e ignorar esse mico que passei na frente de Ana.
-Estou melhor. -falei.
-Menino do céu, está sem comer a quanto tempo? -falou ironicamente dona Amélia.
Ana deu risada e voltou a se sentar na sua cadeira perto da minha avó. Queria fingir que nunca aconteceu esse engasgo na frente da menina que estou tentando conquistar. Apesar que, o seu admirador secreto não passou por isso e ela nunca saberia disso. Por enquanto não.
Depois de rirem por mais cinco minutos das histórias da infância. Minha avó se levantou e disse que iria se deitar um pouco porque parece que seu corpo velho não aguenta uma maratona sentada. Acho que foi isso que disse. Ana apenas sorriu e compreendeu sua necessidade. Quando vi aquela figura pequena atravessando a sala e subindo para o andar de cima, senti meu coração saltar. Estava apenas eu e ela naquela cozinha. A sós.
-Quer ajudar para lavar a louça? -perguntou tentando quebrar o silêncio que existia entre nós.
-Não precisa, eu me viro.
Me levantei da cadeira e comecei a recolher as xícaras e pratos que estavam na mesa. Indo até a pia e se preparando para começar.
-Posso secar?
Olhei seu corpo pequeno com as mãos na cintura indignada. Não consegui ver isso e não soltar uma risada. Percebi que quando estava nervosa seu nariz se mexia e mordia o lábio inferior. Juro que fiquei tentando a saber que gosto eles tinham.
-Se sinta a vontade.
Ela fez uma reverência e pegou o pano de prato que estava em cima do fogão. E se pôs a secar os pratos que havia lavado. Enquanto fazíamos isso, tentávamos conversar alguma coisa relacionada a trabalho. Fiquei impressionado ao saber que trabalhava como secretária pessoal de uma mulher que proporcionava festas para as pessoas. Não tinha planos de fazer uma faculdade por estar indecisa em que curso seguir. Ouvia tudo isso com atenção, e nem notei que a pia já estava limpa.
-Terminamos. -falou depois de secar a última xícara.
Sorri vendo o nosso trabalho e retirei o pano das suas mãos. Percebi que ficou nervosa com a aproximação dos nossos corpos. Eu era maior que ela, seus olhos batiam na altura do meus peitos. Tive a necessidade de abraçar aquela pequena e dizer que admirava tudo que fazia. Porém, tentei desviar nossos olhares intensos e confusos.
-Obrigado pela ajuda.
Ela sorriu ainda olhando nos meus olhos. Por mais que não quisesse admirar a forma que sua pupila dilatava ao olhar para mim, eu não conseguia. Havia algo naquele mel que me fazia se perder e tentar me achar. Duas formas de perdição. Duas escolhas.
Podia dar de ombros e ir embora, ou agarra lá nessa cozinha e nunca mais se arrepender de não ter feito isso.
-Acho que já está tarde. -disse baixinho, como um sussurro de súplica.
Meu coração crescia rapidamente dentro do meu peito. Minhas mãos estavam dormentes como o restante do meu corpo. Eu precisava tomar uma atitude agora mesmo, ou simplesmente continuar sendo apenas mais um admirador secreto esquecido. Qual escolha é a certa a tomar? O que meu pai faria agora? O que eu deveria fazer?
-Quer que eu te acompanhe até a porta? -falei quase que desacreditando da burrada que acabará de dizer.
Ela mexeu nos cabelos loiros e desviou sua atenção do meu rosto finalmente. Percebi que não havia gostado dessa atitude, talvez esperasse mais do que eu esse momento. Ha, tolice... Apenas te notou hoje por causa da sua avó.
-Não precisava.
Quando ela ía dando as costas para mim, num gesto eu aproximei nossos corpos de uma tal maneira que parecia apenas um só. Seus olhos se arregalaram de surpresa. Sua respiração acelerada ao ponto de ter um ataque cardíaco. Suas mãos suavam de ansiedade. Nunca imaginei ver tão de perto os poros do seu rosto. Sempre tinha visto ela sentada naquela mesa, sem saber como era o seu hálito. Como era a temperatura do seu corpo. Isso tudo me deixava em êxtases e adrenalina. Precisava ser homem.
ANDA SAMUEL! gritou meu subconsciente autoritário.
E finalmente eu o obedeci. Sem pensar duas vezes, para que não recuasse novamente. Eu a beijei. Senti seus lábios com gosto de baunilha e canela por alguns instantes. Eles eram macios. Poderia ficar assim com ela por uma eternidade, sem ao menos beija lá de verdade. Apenas lhe dando um pequeno selinho. Suas mãos encontraram meu pescoço, e mesmo não tendo língua nesse beijo inocente. Senti que ela era única. Porém, foi o suficiente para que Ana se afastasse nervosa e sem olhar para mim, saísse de lá desnorteada.
Não entendi o que aconteceu. Eu fiz errado? Porque ela foi embora desse jeito sem ao menos olhar para trás? Sem me bater ou dizer que não queria isso? Ela simplesmente se foi. Me deixando aos prantos naquela cozinha que um dia foi feliz.
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Coração de Papel ( Revisado)
RomanceCartas escritas em pleno século 21 é clichê demais? Ela todos os dias sentava no mesmo lugar, pedia o mesmo café com duas gotas de adoçante e sorria toda vez que via uma carta deixada sobre a mesa. Ele apenas observava de longe, vendo seus olhos co...