Capítulo 25

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Vennia sentiu-se satisfeita após o farto desjejum que fizera junto à avó e a irmã. Comera ovos, bacon, salsichas, pão frito, cogumelos e feijões*, e jurou por todos os santos que nunca havia comido tanto em sua vida. Tratou de andar pelos corredores da mansão, explorando mais a ambientação pois logo frustrava-se por permanecer no quarto junto a conversação de Miriam, que parecia mergulhada em seu próprio mundo fantasioso, arrastando a avó consigo.

— Logo meu amado Brandon estará voltando de seu regimento. Estou ansiosa para passarmos o tempo junto. Oh, sinto tantas saudades de meu marido. — alisava a barriga que parecia aumentar de tamanho a cada dia.

Vennia atravessou o hall, todo o tempo admirando a decoração, passando em frente ao salão das refeições que jazia com a porta entreaberta e testemunhou seu nêmesis a tomar o desjejum, Victor. Ao que aparentava, jazia sozinho. Abriu um pouco a porta, e logo deteve-se quando percebera a presença de outro Valentine, Kairus. Estavam a tomarem o café da manhã juntos, logo não eram tão carregados de inimizade assim, julgou ela.

Durante o café da manhã, ambos serviam-se em um silêncio mortal. Aquele deveria ser o desjejum mais funesto da face da terra. Victor mordiscando plenamente entendiado as torradas com geleia e Kairus bebia calmamente o conteúdo na xícara. Vennia, em pé, continuava encostada à porta, bisbilhotando o que se passava na sala das refeições. Mesmo com ambos em silêncio, Vennia podia sentir a aura sobrecarregada daqueles dois. Eram como se houvessem sombras pesadas que engoliam a alma daqueles dois. 

Por fim, Kairus falou. 

— Estais por trás do casamento de teu primo, não estais? Levou um tempo para que eu encaixasse as peças. 

— Tenho que parabenizá-lo ao menos dessa vez, Kairus. Pela primeira vez, decifrastes um ramo do meu plano.

— Também suspeito de que fostes tu quem destes a ideia, para que aquela gentalha da família da esposa de Brandon, morassem debaixo de nosso teto.

Victor abriu um meio sorriso, bebericando o café.

— O que pretendes, moleque? Acaso quando teu primo herdar a fortuna vais te rastejar aos pés dele?

— Nem de longe esse é o meu principal objetivo. Ao visto, ainda não aprendestes a me ler por completo. Mas sim, acertastes ao deduzir que tive parte em convidá-las para vim morar nesta mansão. Fiz questão de organizar tudo para que se sentissem em casa.

— Ainda não está claro para mim, Victor. Acaso sua intenção é casar com a outra irmã?

Vennia sentiu o coração agitar-se e os pelos do corpo arrepiarem-se. Kairus, em sua insistente predição, acabara por acidentalmente adivinhar o que Victor fizera.

— Enlouquecestes, Kairus? É isso que pensastes de mim? — Victor permanecia calmo, e mesmo estando do outro lado da porta, Vennia admirou aquela postura. — Não, a única razão para que elas viessem se hospedarem na mansão foi para que meu primo criasse responsabilidade. Ademais, Heron muito concordou com isto.

— Aquele velho decrépito — Kairus sibilou. — Como ousa tomar alguma decisão sem mim?

— Falando mal de Heron pelas costas, Kairus? Isso não é jeito de um cão de guarda tratar seu dono.

— Moleque miserável. Não me faças... — Kairus levantou-se, impaciente.

— O quê? Vais acaso fazer uso do bastão e castigar-me? — Victor levantou-se, interrompendo-o. Encaravam-se duramente. — Estou grande o suficiente para evitar chibatadas.

— Eu sei o que pretendes, moleque. Queres descobrir o que está por trás do incêndio da igreja de Santa Cristina. E além disso, queres saber o que houve na morte de sua mãe. Mas só tenho um aviso para ti. Para com isto, antes que se machuque.

— Este não é, nem de longe, meu principal objetivo.

— Sua mãe está morta e nada do que fizer, a trará de volta.

Antes de sair da sala das refeições, dissera.

— Uma pena que não podes retornar ao hospital psiquiátrico. Se fosse por mim, passarias o resto da vida trancafiado naquele lugar.

Kairus retirou-se, passando pela porta, e Vennia rapidamente encostou-se rente a parede, para que Kairus não a visse. Acompanhou com os olhos o homem andar pelo corredor. Kairus tinha um belo rosto, para alguém com cerne tão cruel. Os cabelos jaziam na altura do ombro, soltos, deslizando sobre o peitoral como uma cascata. Trajava vestes escuras trazendo à tona a sua personalidade obscura. Vennia respirou com alívio quando enfim ele sumiu de sua vista. Adentrou a sala das refeições, e Victor ainda jazia lá, distraído, olhando para o nada.

A moça pigarreou, tirando-o de seu transe. Sentiu pena por ele devido a toda a discussão que ouvira. Queria dizer para ele que poderia ser a sua mão amiga, que podia confiar nela para desabafar. Contudo, Vennia não dissera nada daquilo que tanto traçou em sua mente. Viu que Victor era deveras orgulhoso e certamente a desdenharia ou a deixaria falando sozinha. 

— Bom dia — Vennia sorriu com muito esforço para Victor.

Victor a ignorou. Levantou-se da mesa, e passou por ela, continuando a andar calmamente alheio à saudação da garota. O que colaborou para que Vennia entrasse em uma espécie de temporal dentro de si. Odiava a si mesma por enrubescer e ficar nervosa perante Victor Valentine. E por fim, detestou a si mesma por ainda continuar a querer ver além do óbvio. Victor era um completo bufão.


Ao regressar para seus aposentos, Vennia deparou-se com Sophie pelos corredores, que jazia a ler um livro enquanto andejava com sutileza. Passou pela donzela de vestes costuradas em tecido brocado branco, e andou rápido para que pudesse ser despercebida pela Valentine.

— Obrigada. — Sophie sussurrou para Vennia.

Vennia virou-se, sem nada entender o agradecimento daquela moça.

— Pelo o quê me agradeces, senhorita?

— Se não fosse por ti, meu irmão não teria se casado e nem mesmo assumido a responsabilidade pelo filho. Tanto ele, quanto a minha mãe, precisavam desse choque de realidade. Brandon deverias casar-se com nossa parente distante, Pearl, e quando isso acontecesse, nossa mãe esbanjaria ainda mais o orgulho que sente por ele. Agradeço aos céus por meu irmão ter casado com outra mulher.

— Diz estas palavras com um pouco de mágoa.

— Brandon muito me magoou quando criança. Houve uma vez em que destruiu minha preciosa boneca de porcelana, Josefina, porque ausentei-me em minhas brincadeiras com ele, para passar mais tempo com ela. Acredito que o rancor do passado por meu irmão acompanhou-me conforme eu crescia.

— Achei que estaria me odiando por tê-lo feito casar com a minha irmã. Oh, Srta. Sophie, muito me envergonho por tê-lo ameaçado com uma tesoura enferrujada.

— Você lutou com as armas que tinha em mãos — Sophie fechou o livro, sorrindo para Vennia. — E por este fato, eu a admiro. 

— Pensei que odiarias a mim e a minha família.

— Não sou como a minha mãe ou como o meu irmão, Srta. Vennia. E talvez, com o tempo, perceba que nem todos os Valentines são iguais. — curvou um pouco a cabeça. — Até mais ver.



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*Café da manhã Inglês.


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