Ainda naquela noite, praticamente na silenciosa e mortal madrugada, Vennia atentou-se a comparecer aos aposentos de Victor. Foi de fininho, para não alertar sua avó ou irmã, que jaziam adormecidas. Perdeu alguns minutos admirando a lua apagada no céu pálido pelas nuvens que anunciavam chuva, colorindo o céu em uma paleta de cores umbrosas que ao mesmo tempo eram de tirar o fôlego. Retornou a andar cumprindo a missão de ir até Victor. Somente temia ser pega no flagra, adentrando os aposentos de um homem solteiro.
Solteiro. Pegou-se em um silvo de sarcasmo. Por lei, ambos eram casados, e o seu estômago retorceu por lembrar-se disso.
Mas qual seria os aposentos daquele homem de semblante gélido? Ora, o patife não lhe disse. Teria de adivinhar por si mesma. Usando de sua imaginação, Vennia considerou que o quarto de Victor seria aquele que possuísse ossos secos e crânios em sua porta. Riu de sua própria bobagem. No entanto, o quarto de Victor ficava mais ao oeste, um quarto isolado daquela área, e cujo sinal de que seria dele, é que havia uma cadeira, do lado de fora do quarto, e nesta cadeira, um amontoado de livros.
Bateu na porta de Victor, e esperou o rapaz permitir a sua entrada no quarto. Mais uma vez, bisbilhotou se haviam pessoas andando por aquele corredor e se iam vê-la entrar no quarto de Victor.
— O que está fazendo? — Victor abriu a porta, fitando-a sisudo, observando a moça virar a cabeça em todas as direções, como se procurasse algo.
— Vendo se algum criado testemunhará a minha entrada no quarto de um jovem inupto.
— Oh, e ao visto me obedecestes — exibiu um sorrisinho sarcástico. — Viestes correndo até mim.
Vennia apertou as mãos com força e trincou o maxilar. Homem petulante que fazia a sua paz desaparecer.
— Você me chamou para comparecer aqui. Acaso não lembra-te? — cruzou os braços, aborrecida. — Bateu a cabeça no meio do caminho, e esqueceu-se do que me pediu? Ande logo com isto, Sr. Victor, estou demasiado cansada.
— Entre — dissera simplesmente.
Levantou a cabeça, encarando-o com o cenho franzido, e virou a face para o nada abruptamente, somente para não ter de deparar-se com o olho castanho daquele rapaz que aparentava vistoriar a sua alma.
Oh, céus, será se ele nunca tirava o bendito tapa-olho? Vennia mordia-se de curiosidade, mas não tinha coragem o suficiente para perguntar o motivo de usá-lo. Temia aborrecê-lo.
Acima da lareira oclusa com todo o tipo de tralha, deixando-a completamente fora de uso, jazia uma grande moldura garbosa. Vennia admirava as feições da fascinante mulher na pintura. Os cabelos loiros ondulados, o vestido carmim, os olhos castanhos gentis. Victor carregava alguns traços dela.
— Ela é realmente muito bonita. — Vennia permanecia boquiaberta. — Uma mulher tão bela assim aparenta ser bastante sofisticada.
— Esta é a minha mãe. — respondeu friamente, Victor.
Ela pôde sentir que fora uma resposta afiada. Mas ainda assim, insistiu.
— Onde ela está?
— Morta.
Vennia engoliu em seco, surpresa com a falta de emoção dele em dizer aquilo.
— Ateou fogo em si mesma. — ele fitou-a. O olho castanho com um lampejo de fúria.
A moça mordeu os lábios, arrependendo-se da pergunta que fizera. Não sabia o que dizer naquele momento.
— Ergueu-se um cenotáfio de palavras vazias em homenagem à ela, mas isso não foi o suficiente.

VOCÊ ESTÁ LENDO
VENNIA
Historical Fiction❣ Livro vencedor do Wattys2020 na categoria Ficção Histórica. "Nunca confie em um Valentine", esta era a sentença que Vennia Lionheart ouvira durante toda a sua infância. Sua vida aparentava estar ligada por laços inquebráveis com a famigerada fam...