Victor acordou empapado de suor, completamente frenético. Respirava, angustiado, os pulmões queimando em agonia. Olhou por todos os cantos do quarto, passando os olhos pelas paredes, em busca de um foco cintilante e alaranjado. Jazia na escuridão de seu quarto, sem velas ou lareiras acessas. Jogou-se outra vez na cama, passando as mãos sobre o rosto. Estava com uma terrível dor de cabeça. Já era a décima vez que era desperto em sobressalto. Ao menos, desde que chegara na mansão, não tivera nenhum surto. Fazia o que podia para ficar longe do fogo.
Daquele jeito, não poderia mas voltar a dormir. Ainda era madrugada o dia brevemente chegaria, e pela centésima vez, Victor viu ser pego pela insônia. Bufou, desorientado, calçou as botas, vestiu a camisa, deixando alguns botões abertos. Vestiu o pesado casaco de veludo e obrigou-se a passear pelos arredores da mansão. Esqueceu-se de pôr o tapa-olho e não estava disposto a colocá-lo sobre a face.
Quando era criança, em algum momento de sua infância, Victor havia ganho um cão, mas sequer havia dado um nome ao bichinho, lembrava-se pouco dos momentos que usufruiu com ele, mas rememorou que seu cãozinho era um jovem beagle, um filhote para ser mais sincero. Suas orelhas eram caídas, os olhos eram brilhantemente alegres, e as manchas de seu pelo eram em um tom caramelo. Todavia sem dizerem mais ou menos, tomaram-no dele, alegando que o pequeno Victor não sabia como cuidar do animal. Victor tinha um certo lampejo de ódio. O avô e o pai aparentavam sentir uma espécie de prazer maldito cada vez que lhe tiravam as suas coisas.
O ar escapava em forma de fumo de seus lábios gelados. Percebera tardiamente o quão péssima foi aquela ideia de andar em tremenda escuridão, tendo como companhia a lua borrada no céu nublado. Abrigou as mãos dentro dos bolsos, pois jurou que seus dedos congelariam e quebrariam com o frio.
Gostava da forma como o som do vento corria entre a copa das árvores, agitando-as. Apreciava o canto dos pássaros, muito mais do que o canto que transcorria pela boca humana.
De vez em quando, lembrava-se de tudo o que passou no hospital psiquiátrico, e tais lembranças, doíam, rasgavam-no de dentro para fora. Surtos. Gritos. O silêncio frio que permeava nos corredores. A medicação que queimava suas veias. Memórias cruciantes que outrora não bastariam ficarem presas apenas em seu subconsciente. Eram feridas podres que nunca cicatrizam e que grandemente lhe perturbavam.
Ele era uma criança quando fora para tal lugar, mas logo que pisou os pés no hospital, desistira de sua infância. Era tratado como um louco por todos. Pensou, ingênuo, que ficaria somente por alguns dias até a raiva de seu avô e pai por ele se esgotar. Os dias viraram semanas, as semanas viraram meses, e os meses, estes tornaram-se hediondos anos. Ninguém o visitara durante o inferno que passou no hospital psiquiátrico. Ninguém viera buscá-lo. Praticamente fora expulso do tal lugar por estar há demasiado tempo internado.
Oh, e os surtos. Quando estes surgiam — sempre por conta de um indício de flama —, tornavam-no descontrolado, eufórico, tão assustado quanto uma criança pequena. Vários psiquiatrias haviam conversado com Victor no período em que ainda era um paciente. Advertiam-no para que o rapaz ficasse longe do fogo. Qualquer chama, minúscula ou grandiosa, desengataria um ataque por parte dele.
Entrou assustado no hospital, saiu dele amargurado e decidido a arruinar a própria família. Não meramente por causa do hospital psiquiátrico. Em verdade, ganhara uma certa experiência enquanto estivera aprisionado. Passara a ler mais livros e desenvolveu uma boa memória eidética — lembrava-se de tudo apenas vendo uma única vez, sem precisar recorrer aos detalhes anteriores. Não, o hospital comparado a mansão dos Valentines era um céu. Nada comparava-se a ficar trancado dentro do Quarto Sombrio ou ser ignorado pelo próprio pai.
Odiava o pai e o avô. Detestava todos os Valentines. E eles pagariam, não pelo o que fizeram a ele, mas sim pelo o que ocorreu com Alana Valentine, sua amada mãe.
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VENNIA
Historical Fiction❣ Livro vencedor do Wattys2020 na categoria Ficção Histórica. "Nunca confie em um Valentine", esta era a sentença que Vennia Lionheart ouvira durante toda a sua infância. Sua vida aparentava estar ligada por laços inquebráveis com a famigerada fam...