Vennia acordara cedo naquele dia, como sempre fazia, despertava até mesmo antes do galo atrever-se a cantar. Encheu a bacia com água e lavou o rosto. Enxugou-o e tratou de vestir-se para mais um dia. Penteou o cabelo, calçou as botas e pôs o avental.
Não era mais uma menina e soube disso no instante em que acordara com os lençóis da cama ensopados em carmim. Sob seus gritos de aflição, Hope havia lhe explicado o que estava ocorrendo em seu corpo. Vennia sentia-se um pouco mais bela. Somente um pouco. Verdade que agora atraía alguns olhares para si, mas sua noção de beleza era relativamente baixa. Pensava que talvez fossem pelos cabelos curtos. Miriam lidava melhor com o que a natureza lhe presenteara, e com seus dezoito anos, tornou-se bela, corpulenta, e atraía todos os olhares para si. Seus cabelos jaziam mais dourados, seus olhos cintilavam ainda mais em azul. Entretanto, conforme a sua formosura ficava evidente, mas seu temperamento moldava-se em uma espiral de insolência.
Apanhou a cestinha de crisântemos sobre a mesa, e salpintou uma dúzia de beijos na face de Hope. Deteve-se os gestos melosos admirando a sua avó. Hope estava muito mais velha agora, o rosto marcado por diversas linhas de expressão e rugas. O cabelo castanho tomado pelos fios grisalhos. Vennia almejava dar um descanso para a avó, que ela parasse de trabalhar no mercado a comercializar leite e queijo, e fora por aquela razão que Vennia passou vender crisântemos, e em outras vezes, vendia leite e queijo no lugar da avó. O dinheiro era sempre pouco, mas ajudava, pois as libras que seu avô lhes deixara de herança ao longo dos anos vinham tornando-se escassas. Precisava ajudar Hope naqueles dias, pois a tosse de sua avó intensificara e estava começando a preocupar Vennia. Por certo, se possuísse somente umas moedas de ouro e algumas libras, de fato sua vida pudesse ser melhor.
— Não vai nem mesmo tomar o seu desjejum, minha querida?
— Oh, mais tarde, vovó. Tenho pressa. E Miriam?
— Ainda dorme. Gostaria tanto que ela me ajudasse nas tarefas. — pôs a mão na bochecha, exausta.
— Vou falar com ela. — Vennia franziu o cenho.
Abriu a porta do quarto de Miriam, e meneou a cabeça, ao ver Miriam esparramada sobre a cama, roncando como uma leitoa. A garota respirou profundamente chateada. O que se sucedeu depois fora o aborrecimento de Vennia naquela manhã. Uma profusão de gritos e reclamações de Miriam, seguidos por uma Vennia tempestuosa que ordenava que a irmã acordasse cedo e ajudasse a avó nas tarefas de casa. Oh, como Miriam era uma irmã preguiçosa e deveras irritante. Vennia então propôs que Miriam a auxiliasse na venda dos crisântemos.
Obviamente, Miriam despertara por completo, furiosa com Vennia. Demorou propositalmente para lavar o rosto e escolher um de seus vestidos no baú. Quando enfim arrumou-se, o semblante cravado na irritação, Vennia empurrou para ela uma cesta repleta de crisântemos. Despediram-se de Hope e partiram.
♦
Enquanto vendia os crisântemos, — sempre a fingir um sorriso no rosto e voz simpática — Vennia, por um dado momento, repousou a mão no coração, saudosa. Pensou ter ouvido a voz de Stefan na forma de um assobio de pardal.
Ah, fazia tanto tempo que Stefan partira de Hampshire, para, como ele mesmo dissera, ter uma boa vida em Londres com a família Fernand. Vennia sabia que ele apenas havia dito aquilo para confortá-la. Seu coração apertava-se somente por cogitar em pensar que, talvez, seu melhor amigo estivesse passando por infelicidades e adversidades. Orava por ele todas as noites, mas não era suficiente. Vennia almejava de todo o seu coração contemplá-lo mais uma vez em vida. Admirar seu sorriso tímido, apreciar seus olhos esverdeados que mais pareciam duas lagoas sob a luz do sol, percorrer os dedos pelo seu cabelo acobreado...
— Aqui, Venni, pegue a minha cesta. — anunciou Miriam, irritada. — Estou voltando para casa.
— Como assim, mocinha? Não terminamos por aqui e a sua cesta jaz bem cheia. Será se ao menos, uma vez na sua vida, podes concluir as vossas tarefas?
— Não ficarei aqui um minuto. Olhe quem vem lá, aflito para aproximar-se de nós.
Vennia virou um pouco o rosto, e um rapaz acenou para elas. Era Edward Crawford, um rapaz demasiado gentil e sensível. Era filho único e ajudava os pais na venda de grãos. Era alto e franzino, cabelo mui escuros que entravam em contraste com a pele pálida e os olhos claros.
— É apenas o Sr. Edward. — Vennia esclareceu.
— Exatamente! Edward Crawford! Não o suporto. Vive a olhar-me com aqueles olhos de peixe morto e a lançar-me aquele sorriso tonto no rosto. Será se ele não entende que eu o desprezo?
— Está sendo muito cruel, Miriam. Mal o conhece, como pode tratá-lo assim?
— Se gosta tanto dele, deveria casar-se com ele, irmã. — deu as costas, apressando os passos, sumindo em meios as pessoas que estavam no mercado.
Oh, como Miriam era impulsiva e tinha uma língua afiada capaz de destroçar qualquer pessoa. Sorte que Edward não a ouvira. Minutos depois, Edward tocou o ombro de Vennia, quase sem fôlego. Vennia descobriu logo depois que o rapaz sofria com asma e outros problemas de saúde, tão extensos quanto o seu braço.
— Que má sorte a minha. — o rapaz sorriu, tendo de parar de falar para respirar. — Não consegui falar com a Srta. Miriam.
— Queira perdoar-me, Sr. Edward, minha irmã achou-se um pouco aborrecida por uma certa dor de cabeça. — mentiu.
— E ela ficará bem?
— Rezarei para que sim. Mas o que desejava conversar com ela?
— Srta. Vennia, sei que é um pedido deveras estranho, e que tampouco conheço a Srta. Miriam, mas gostaria de perguntar a você, se a vossa irmã tem permissão para ser o meu par para o baile?
— Oh, Sr. Edward, creio que Miriam não irá. Ainda não está melhor de saúde. — era desconfortável mentir para ele. — Encontra-se indisposta. Queimando de febre.
— Diga a ela que desejo melhoras. Teria algumas rosas para vender-me?
— Desculpe-me, Sr. Edward, somente crisântemos.
Despediram-se e logo mais Vennia retirou-se para vender os crisântemos em outra parte do mercado. Quando entardecer, Vennia tratou de conferir as poucas moedas que ganhara naquele dia. Tudo que conseguira vender foram quatro crisântemos para um noivo apressado e dois crisântemos para um casal de idosos. Talvez o problema fossem os crisântemos, pois a maioria das pessoas gostavam de receber rosas. Vennia, não. Achava as tais flores muito superestimadas.
Passou em frente a um cemitério e a ideia de adentrá-lo veio de súbito. Empurrou os portões enferrujados e entrou. Ao contrário de outras pessoas, Vennia não sentia calafrios por ver tantos túmulos. De outro modo, sempre pensava nos falecidos pais, em como pouco lembrava-se deles, e em como restava alguns fragmentos em sua memória dos momentos que vivenciaram.
Ajoelhou-se diante de uma lápide cujo epitáfio era impossível de ser lido. Quiçá, a pessoa que ali jazia enterrada fora esquecida por seus parentes, pois o estado da lápide era degradante, só um amontoado de concreto rachado. Sentiu pena por um morto que sequer conheceu. Vennia pôs os crisântemos diante da lápide, uniu as mãos e fez uma oração.
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Dez anos passaram-se desde a ida de Stefan de Hampshire. Nossa menina agora tem 19 anos, e mal sabe das aventuras que a esperam futuramente. Cruzemos os dedos e desejemos a ela uma boa sorte. Beijos de pimenta. P:S: como eu repeti a exaustão a palavra "crisântemos" rsrs.
Nota: era bastante comum nessa época, as camponesas manterem os cabelos curtos e escondê-los com toucas e lenços, pois deixá-los compridos era deveras custoso.

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VENNIA
Ficción histórica❣ Livro vencedor do Wattys2020 na categoria Ficção Histórica. "Nunca confie em um Valentine", esta era a sentença que Vennia Lionheart ouvira durante toda a sua infância. Sua vida aparentava estar ligada por laços inquebráveis com a famigerada fam...