Capítulo 45

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"15 de junho, 

Caro Sr. Victor Valentine,

Demorei meses para poder rascunhar estas linhas e muito me aborreço sempre que volto para a minha pluma. As lembranças de vosso furor veem em minha mente, e muito me atemorizam, no entanto, me foi dada a enfadonha tarefa de escrever-te, talvez, por seguir o apelo de minha avó, que apieda-se de ti por ser solitário.

Mas a vossa solidão tampouco importa-me, pois como disse, estou deveras aborrecida com a vossa pessoa.

Muito escrevo esta carta sob angústia, pois és deveras dificultoso para mim esquecer os artifícios cruéis que tinha em mente durante todo este tempo. Ainda sinto-me abalada porque vós expulsastes a minha família, sem nenhum estilhaço de misericórdia, e a vossa família de vosso lar, como se fôssemos equivalentes ao estrume. E não apenas isto, mas muito chateio-me por ter que escrever para ti.

Meu Deus, não acredito que o seu primo — aquele traste da qual por meses chamei de marido, e da qual iludiu-me amargamente —, e você, estavam em um complô tão diabólico. Pagando-o com míseras moedas de ouro para que continuasse casado comigo? Valho tão pouco?! E o pior, o senhor casou-se com a minha irmã, somente para que no futuro fosse o patrono de vossa família e obtivesse tanto a fortuna quanto o poder. Durante todo este tempo, foste o meu cunhado oculto. 

Parvo, idiota, tolo! Ainda questiono-me como pudera fazer o que fez? Enganastes a minha irmã para que se casasse contigo, a troco de quê? Não casou por amor, como deixaste bem claro, mas por cólera. 

Bem, espero que estejas feliz com a tua vingança. Se querias ser reconhecido como o Valentine odiado, conseguistes este triunfo, meu caro senhor. Mas não ouvirá o som dos aplausos por teus feitos.

Agradeço aos céus por encontrarmos uma casa que pertencia a um senhorzinho gentil o suficiente para nos abrigar em sua residência em Londres. É uma cidade por certo, graciosa, mas que afasta completamente o clima festivo de meu coração, por conta dos acontecimentos que relatarei nesta carta.

Por fim, não redijo esta epístola para amaldiçoá-lo ou desejar que a sua vida se torne um inferno, ou para que sofra as mínguas com uma doença desconhecida. Venho aqui em desespero, pondo de coração e alma, as minhas aflições a respeito de minha querida irmã, Venni.

Dias depois em que nos expulsastes da mansão, minha irmã decidiu que iria deixar a casa da qual estamos hospedadas, pois concluiu que ficar em Londres somente lhe trazia tristezas. Por causa deste repentino anúncio, minha amada avó adoeceu de imediato, e minha irmã prometeu que ficaria mais alguns dias, até vovó melhorar por completo. Venni decidiu partir porque a sua relação com o Sr. Stefan se deteriorou. Apodreceu. Estamos vivendo na mesma cidade que ele, literalmente no mesmo bairro, mas o Sr. Stefan não faz questão de visitá-la ou de falar com ela.

Outro dia, esbarramos com ele pelas ruas, quando estávamos passeando com Matt, e o Sr. Stefan assim que viu Venni ao meu lado, arrumou a cartola sobre a cabeça, fazendo sombra sobre o rosto, cruzou a calçada e silencioso, fingiu que não a viu. Acreditas em uma coisa dessas? O Sr. Stefan fizera esta desfeita, tratando minha irmã como se ela fosse invisível! Depois desse dia, Venni chorou por dias a fio, chorou tanto que chegou a emagrecer. E chorou ainda mais quando leu uma epístola que ele escreveu e destinou exclusivamente para ela. Nunca saberei o que continha naquele envelope, pois Venni o atirou nas chamas da lareira que trataram de engolir o papel, mas após este ocorrido, minha irmã mudou. Não dormia mais, não comia, não conversava. Fechou-se ainda mais em sua concha pelo seu amor perdido.

Não sei ao certo o que passou desde os acontecimentos desastrosos que ocorreram na mansão Valentine, mas parece que a minha irmã e ele não são mais noivos, e tu foste a razão, a causa deste jovem amor ter se desvanecido. Mesmo que tu não tiveste revelado o nome da mulher que casara contigo, Venni fizera isto. Em um momento de consciência absurdamente pesada, contou para Stefan, que muito entristeceu-se. Eu o culpo, Sr. Victor! Manchastes o bom nome de minha irmã com aquele escândalo. Ficas satisfeito por ter ferido o coração de uma pobre moça?

Minha irmã partiu em janeiro, creio eu que duas ou três semanas após o escarcéu que ocorrestes na mansão. Apressou-se em arrumar as malas, dobrou os poucos vestidos que tinha, e partiu, com os olhos marejados. Minha amada avó tentou impedi-la de partir, e ambas se prenderam em um abraço que muito rasgou o meu coração. 

Ela não disse ao certo o seu destino, apenas nos informou que escreveria para nós, informando-nos a respeito de seu novo encargo. As cartas vieram, semanalmente. Venni tratou de dizer-nos que arrumou um trabalho em uma casa de família, e que cuidava de cinco crianças pequenas. As linhas eram poucas e quase rasas. Escrevia o suficiente, segundo ela, apenas para não nos aborrecer. Ganhava pouco como preceptora, mas escrevera que estava feliz, e assim que tivesse dinheiro suficiente, construiria um lar melhor para mim e para a vovó, já que nosso casebre abandonando foi tomado de nós pelo banco, devido as várias dívidas que nossa avó acumulou — pois Venni não queria depender para sempre da bondade do senhor que nos alugou a casa. Minha irmã sempre prezou por nós, nunca deixou de lutar por nós, mesmo estando em pedaços.

Com o tempo, as cartas começaram a minguar, e de modo repentino, pararam de vez. Isso muito preocupou a mim e a minha avó, e até cogitamos pensar um amontoado de bobagens.

Mas, novamente, não estou aqui para rogar-lhe pragas, Sr. Victor, embora eu tenho feito isto antes, e fui repreendida por minha avó, pois ela disse-me que tais palavras malditas podem cair sobre nossos filhos. Mas asseguro-te, estou com muita raiva de vossa pessoa. O ódio está em ebulição dentro de mim, e sinto que a qualquer momento, rasgarei esta carta em mil pedacinhos, assim como fiz com as anteriores, mas logo terei de recomeçar a escrever do zero, então me controlarei para não fazer nenhuma bobagem. 

O que venho dizer-lhe é que Vennia sumiu! 

Está desaparecida há meses.

Não sei onde possa estar a minha amada irmã, e temo por sua vida. Fizemos de tudo que estava ao nosso alcance. Já se passaram cinco meses desde o seu desaparecimento. Contactamos a polícia, detetives, falamos com outras pessoas que a viram pela última vez, movemos paus, pedras e montanhas para encontrá-la. A última pista, a casa da qual minha irmã trabalhou como babá, ficava em Postwood, e assim que tivemos ciência disso, falamos com o proprietário da casa que deu trabalho para Venni. Para o nosso espanto, ele nos revelou que Venni trabalhou apenas duas semanas na casa, e que desapareceu sem deixar rastros. Aquilo não fazia sentido. Como ela havia trabalhado somente por duas semanas, se as suas cartas relatando o trabalho perduraram por mais duas ou três semanas? 

Ademais, ela deixara todos os seus pertences no quartinho em que dormia. A única coisa que pude trazer de volta foi um gracioso lenço com o nome dela bordado em vermelho.

 Tal notícia caiu como um rochedo sobre nós. Quando retornamos para Londres, frustradas e quase sem esperanças, minha avó tornou a adoecer.

Algum tempo depois, o Sr. Stefan viera falar comigo. Seu semblante jazia cravado no mais puro remorso. Prometeu ajudar-me a encontrar a minha irmã, e se dissera arrependido por ter cortado os laços com ela. Culpava-se pelo sumiço dela. Ele continua a nos ajudar para encontrar pistas sobre Venni.

Se estiveres a ler esta carta, Sr. Victor, peço-te de todo o meu coração que me ajude. Estou desamparada, sozinha, a cuidar de uma avó doente, de um filho pequeno, e morando de favor. Por favor, ajude-me a encontrar a minha irmã. Já estou ficando sem esperanças de poder revê-la. Temo o pior caso nada seja feito a tempo.

Ajude-me, eu suplico humildemente.

Assinado, Miriam Lionheart. 

Sobrescrevo, finalizando esta carta apenas com o meu nome de solteira. Não almejo mais ser uma Valentine."



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