Vennia sentia a cabeça pesada e o corpo fraco. Abriu os olhos com dificuldade, e antes que pudesse despertar por inteira, bocejou cinco ou seis vezes. Estava demasiado cansada, como se houvesse carregado quilos e mais quilos de sacos contendo grãos. Virou-se na cama, voltando a cobrir-se com o lençol, e depois de um tempo, notando no dossel ou na decoração do quarto, ou talvez, até mesmo na lareira repleta de tralhas, que Vennia deu-se conta, por fim, de que não estava em seus devidos aposentos. Tomou-se em grande choque quando o seu cérebro finalmente conseguiu encaixar as confusas peças.
Estava na cama de Victor.
Assombrou-se de tamanha forma que caiu do leito, enrolada nos lençóis. Virou a face para todas as direções tentando lembrar-se do que ocorrera na noite anterior para ter parado naquele quarto. Havia bebido licor demais e cedido às tentações? Varreu aquela ideia da cabeça com veemência. Nem mesmo em sonhos poderia permitir que tal façanha — dormir com Victor Valentine —, acontecesse à ela. Aliviou-se por perceber que ainda jazia com o mesmo vestido que usara na festa. Passou as mãos no cabelo apenas para constatar o quão bagunçado estava, dando por falta das fitas e outros ornamentos que sua irmã pusera em sua cabeça. Queria ver seu reflexo, pois a moça tinha quase certeza de que seus olhos estavam inchados por ter dormido em demasia.
Lembrava-se de poucas coisas na noite anterior, na verdade, ela não lembrava-se de absolutamente nada. E isso só a deixava temerosa. Arrepiou-se dos pés a cabeça quando ouviu uma pigarro, vindo do outro lado da cama. Ainda no chão, bisbilhotou o rapaz de cabelos brancos, sentado na poltrona, com a mão fechada na bochecha, como se estivesse ali há muito tempo, somente esperando-a acordar. Aparentava ter recém saído do banho, pois os seus cabelos estavam molhados e dele emanava um perfume agradável. Fora isso, não exibia-se com o tapa-olho, e trajava outras vestimentas, não tão formais. A camisa de cordões frouxos com o peitoral aberto fizera Vennia rapidamente volver o rosto para outra direção. Já era difícil estar ali no mesmo ambiente que aquele homem, e ter de encará-lo daquela forma era um absurdo. Se alguém os flagrassem naquele momento seria um escândalo em toda a sociedade.
— Achei que dormiria até a hora do almoço, Srta. Vennia.
— O que houve ontem à noite? — Pôs a mão na cabeça. Latejava como o inferno.
— Ficastes embrigada por ter ingerido todo o tipo de licor.
— Do que estais falando, Sr. Victor? Meus lábios não tocaram licor algum, apenas bebi suco de framboesa.
— Se é o que pensas... — Victor suspirou pacientemente.
— E por que eu estou aqui?
— Não estava disposto a subir todo aquele lance de escadas, apenas para colocar-te em vossa cama. Seu quarto é demasiado longe. Decidir deixá-la aqui.
— Carregou-me em seus braços? — Vennia corou.
— Fiz-te um favor. Estavas embaraçosa ontem à noite. Deixe-me adivinhar, tudo isto tem a ver com o rapaz por quem és apaixonada? Desejas conquistá-lo desta maneira?
— Não zombes de minha dor, Sr. Victor. É injusto rir de uma dama com mal estar. — ergueu-se com dificuldade, sentando na beira da cama. — Sabes, Sr. Victor, houve uma época, em que me senti-me tão sozinha, que pegava-me sempre a confessar segredos para as minhas mãos. Acreditas? Minhas mãos ouviam minhas conversas desenfreadas.
— Aonde queres chegar com esta frivolidade que acabou de falar?
— Tenho medo de que fiques sozinho, Sr. Victor. Odeias a vossa família e qualquer outra pessoa que se aproxima de ti, além do fato de não querer abrir o vosso coração para um possível amor. Não temes a solidão?

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VENNIA
Historical Fiction❣ Livro vencedor do Wattys2020 na categoria Ficção Histórica. "Nunca confie em um Valentine", esta era a sentença que Vennia Lionheart ouvira durante toda a sua infância. Sua vida aparentava estar ligada por laços inquebráveis com a famigerada fam...