Capítulo 10

12.8K 1.5K 556
                                    

A carruagem o levaria de volta para casa. Casa. A mansão dos Valentines poderia ser tudo, menos a sua casa. Um lar feito de tijolos cinéreos composto por estranhos que dividiam o mesmo teto. Tocou a testa cálida com a mão enluvada. Sentia-se doente, enojado. Refletiu nos passos que deveria refazer assim que adentrasse a mansão. Um súbito palpitar enervou em seu peito. Contou de um até dez. Contara uma centena de vezes. O exercício mental aos poucos mostrava-se ineficiente como antes. Os anos perdidos no hospital psiquiátrico em nada lhe ajudaram. 

Ainda temia ao fogo. 

O que ele estava fazendo? Por que raios aquela teimosia maldita em retornar a mansão que tanto lhe marcou negativamente? Amargo, rangeu os dentes de ódio.

"A soberba procede a queda", ouvira essa frase algumas vezes proferidas pelo padre Owen. Que ele caísse, pois levaria todos os Valentines com ele.

O desprezo pela sua família era imenso, ao ponto de odiar a si mesmo por fazer parte deles. Por carregar em suas veias o mesmo sangue dos Valentines. A respiração tornando-se rápida, o calor queimando em suas narinas apesar de que chovia e fazia frio. A carruagem ainda mantinha-se lenta e isso era demasiado frustante para ele. Até mesmo recomendaram a ele para que dormisse durante a viagem. Era impossível para Victor adormecer. Tocou tapa-olho no rosto, perfeitamente localizado sobre o olho de coloração cinza. Não que tivesse ficado cego ou coisa desse tipo. Para ele, aquele tapa-olho apagava certos vestígios de sua linhagem. 

— Chegamos, Sr. Victor. — anunciou o cocheiro.

Ah, podia sentir novamente as lembranças regressando para a sua mente. Respirou profundamente e contou até dez. Aquela casa também era sua.

Saiu da carruagem, e para sua desagradável — ou agradável — surpresa, as portas da mansão abriram-se perante ele. Como de praxe, os empregados o recepcionaram, amistosos, e pegaram o restante de sua bagagem, empilhando-a na entrada. A cada passo que Victor dava pelos corredores da mansão, uma torrente de más lembranças permeavam em sua mente. Toda a decoração naquela casa era cinzenta, como os céus quando ameaçam chover. Não esperava nenhuma recepção calorosa vinda de sua família (pensou ufano se todos os membros da família Valentine tivessem sumido da face da Terra), por isso quase ignorou quando Sophie, com sua voz de canário, viera falar com ele.

— Bem-vindo de volta, primo. — reverenciou. 

— Agradeço a recepção, Sophie. E como vai a vossa saúde?

— Estou bem, apesar das recaídas. Aprecio a sua preocupação.

Victor apenas assentiu, deixando-se ser guiado pela prima.

— É realmente muito bom tê-lo de volta. Agora que voltou, nossa família está unida de novo. — completou Sophie.

— Então é isto que pensas? Que voltei para os Valentines, por que ansiava por uma família unida? — causava-lhe risos com tamanha objeção infante, porém teria de ser dissimulado. — É um pensamento nobre, cara prima. Mas digamos que não foi por isto que retornei.

— Não é para isto que volveu ao seio de vossa família?

— Diga-me, Sophie, acaso Heron ainda vive?

— Vovô? — Sophie pegou-se aturdida pela forma como Victor referia-se ao avô. — Ele está o esperando na sala de visitas. O levarei até ele.

Levou-o até Heron Valentine, que jazia em uma enorme sala, tomando chá, cercado por livros. Victor ficou diante do avô, e ajoelhando-se, tomou a mão de Heron, e beijou-lhe o dorso.

— Deixe-nos, cara Sophie. Temos muito o que conversar.

Sophie fechou as portas, deixando-os a sós. Precisava avisar a mãe a respeito do retorno de Victor.

VENNIAOnde histórias criam vida. Descubra agora