Ela sentia que poderia passar o resto de sua vida no calabouço. Sua pele entraria em estado de putrefação por estar tanto tempo em contato com a umidade das paredes, ficaria pele e osso por não comer nada, e finalmente, morreria esquecida no fundo da cela. Vennia sacudia a cabeça bruscamente, saindo daqueles pensamentos tão absurdos e funestos. Precisava pensar em coisas amenas e boas. Contudo, logo retornara aos preocupantes pensamentos ao ponderar sobre sua avó. Hope certamente ficaria perturbada ao descobrir que a neta fora presa por ameaçar um dos Valentines. Logo um Valentine! Vennia não era ingênua para perceber que jamais sairia daquele calabouço.
Não, iria ser deportada para a América, junto aos criminosos que ali estavam, pois era assim que o governo inglês despachava as pessoas que considerava como escória naquele lugar. Seria obrigada a viver do outro lado do mundo, em uma terra desconhecida.
Vennia odiou-se severamente. Por que diabos não conseguira controlar seu temperamento? Por que tivera de explodir daquela forma. Sua avó com certeza sofreria um infarto ao descobrir que sua neta estava trancafiada em um calabouço imundo. E mesmo passando por tamanho tormento, nenhuma lágrima caiu dos olhos da garota, e Vennia odiou-se mais ainda pois considerou-se uma moça de coração endurecido.
Ninguém a salvaria. Ficaria velha naquele calabouço e ele seria o seu túmulo. Ficou satisfeita com tal pensamento sinistro, quando ouviu uma voz no fim do corredor que perguntava por ela. Sentiu curiosidade. Quem iria querer saber de sua pessoa, logo ela, que não era nada relevante? Escutou os passos aumentando, até que enfim, a figura se fez presente perante ela. Vennia semicerrou os olhos, e depois de alguns segundos, — e por pouco não assombrou-se como quem ver um fantasma — reconheceu-o aquele sujeito por completo. Os fios de cabelo esbranquiçados como a neve e a visível arrogância não lhe enganavam. Era um Valentine em carne e osso, em toda a sua glória, visitando um calabouço imundo.
Ele a olhou de cima, tamanha altivez que fez com que Vennia ficasse enojada, mirando-a com seu único olho castanho, — o que Vennia estranhara pois todos os Valentines possuíam olhos cinzentos — já visto que usava um peculiar tapa-olho sobre o olho esquerdo.
— Por acaso és tu a garota que ameaçou Brandon Valentine?!
Estranhou a maneira como ele falou. Quase não possuía sotaque britânico. Quiçá, passou muito tempo fora da Inglaterra.
— Por que o interesse? Viestes tomar as dores por ele? Se for por causa disto, poupe-me de teu desaforo e reserve-o para si, pois não tenha paciência alguma para escutar palavras repletas de veneno.
— Ora, não seja tola. Achas mesmo que vim até aqui tomar as dores de meu primo libertino? Pouco me importa o que acontece com aquele patife.
Sua voz era acidamente fria. Seu jeito era mesquinho e altivo. Era uma mistura exacerbante de um cavalheiro com bons modos combinado com um mal caráter de esquina. Vennia prensou o maxilar diante do olhar de repulsa daquele rapaz sobre ela. Se não fosse por aquela maldita grade que os separava teria estrangulado aquele Valentine com suas próprias mãos.
— Fizestes uma confusão e tanto no castelo dos Valentines. Temo dizer que o meu dito primo terá pesadelos esta noite com a vossa face. — o rapaz continuou a falar. Sua voz era monótona, no entanto, soava como gotas de melodia.
— E você? Quem é?
— O Valentine da qual ninguém fala. O Valentine que há muito tempo fora recluso por aqueles a quem chama de ''família''. Considerado um fantasma pelo próprio pai, e uma desonra para o avô. Sou Victor Valentine, cara senhorita.
— Senhorita? — Vennia sorriu com escárnio. — Ninguém em sã consciência refere-se a mim com tanta polidez e nem com tanta formalidade. Entretanto, estou curiosa em saber o que fazes aqui? Por que um homem trajando vestes tão finas e aparentemente cortês, está em um lugar imundo como este, infestado de ratos e criminosos?

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VENNIA
Historical Fiction❣ Livro vencedor do Wattys2020 na categoria Ficção Histórica. "Nunca confie em um Valentine", esta era a sentença que Vennia Lionheart ouvira durante toda a sua infância. Sua vida aparentava estar ligada por laços inquebráveis com a famigerada fam...