Entrada I

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Oi. Não sei como isso funciona. Preciso me apresentar? Eu nunca tive um diário... Isso não é um diário, nem vai ser. É só que eu li em algum lugar que, quando a gente tá com problemas, é bom escrever que ajuda a melhorar... Eu deveria falar com um amigo ou ir a uma psicóloga, mas não quero falar disso com mais ninguém; melhor escrever neste caderno e guardá-lo num lugar onde a empregada não encontre. Acho que vou deixá-lo debaixo da cama ou dentro da fronha no meu travesseiro.

Vou me apresentar mesmo assim. Meu nome é Daniel. Daniel Braga Vicentin. Sou filho único, tenho 21 anos, estudo Engenharia Civil na universidade privada. Eu queria estudar na faculdade pública, na verdade, mas lá o curso é integral e eu não teria tempo pra trabalhar. Minha mãe é viúva e recebe pensão do meu pai. Não é muito, mas ajuda. “Ajuda” porque ela se casou de novo com um homem chamado Lúcio, que é meu padrasto. Óbvio que ele é meu padrasto, né? Eles estão juntos há quase dois anos agora. No começo eu gostava muito do Lúcio, mas ultimamente ele tem agido de forma meio estranha comigo e com a minha mãe. O Lúcio é delegado de polícia, aqui, e é ele que banca a casa, o que me dá mais motivo pra não querer depender dele em nada. Por isso estudo na universidade privada: pra poder trabalhar e ter meu próprio dinheiro. Eu queria muito um estágio na minha área, em Engenharia, mas ainda estou no terceiro período do curso; é cedo pra alguma empresa querer me contratar e pagar um salário de estágio decente... Enquanto isso eu sou balconista em uma farmácia. É um serviço chato, mas pelo menos o dinheiro é meu. Por enquanto não tenho muito com que gastar, então estou guardando pra quando eu precisar de algo mais caro e tal. 

Bom, o Lúcio é delegado de polícia e minha mãe é dona de casa. Ultimamente ela tem estado meio estranha e eu acho que isso tem muito a ver com o Lúcio. Dia desses, ontem, eu acho, eu ouvi uma conversa deles no quarto e acho que ele está envolvido com bebida ou alguma coisa assim. Já era tarde da noite e as portas estavam todas fechadas aqui, inclusive a minha, mas consegui ouvir alguém falar em álcool durante a conversa. Só pode ser isso. Mas notei que minha mãe anda meio cabisbaixa. Trabalho das sete às quatro da tarde; chego em casa e logo vou pra faculdade, então não tenho muito tempo pra falar com ela, mas, pelo que a conheço, ela não está bem. Decidi escrever isto porque estou preocupado, muito preocupado. Minha mãe sempre foi impulsiva; casou com esse cara depois de pouco mais de um ano de namoro e abriu mão de tudo pra ficar com ele. Até a casa em que a gente morava ela vendeu pra ajudar a comprar essa em que estamos hoje. Eu nunca concordei com isso, mas não podia fazer nada porque a casa estava no nome dela. Vivemos confortavelmente, não posso dizer o contrário, mas poxa, precisava mesmo ter deixado tudo pra trás por causa desse cara? Sei lá, ela foi precipitada. E agora se eles terminarem? O que a gente faz? Vamos ter que começar do zero! O dinheiro que ela ganha daria pro aluguel, e o que eu ganho na farmácia não daria pra sustentar nós dois... E ainda falta tempo até eu me formar. Eu não posso deixar a faculdade pra ir trabalhar, e jamais faria isso por causa do Lúcio ou de qualquer outro cara com quem ela se envolvesse. Não sei se estou me preocupando à toa, mas a conversa que eu escutei ontem me deixou meio “assim”. Espero mesmo que não seja nada demais, mas, por via das dúvidas, vou ficar de olho. E de ouvidos. 

Mas, bem, tirando isso, hoje o dia foi tranquilo. Não sei se volto a escrever aqui; não quero escrever todo dia, ou melhor: espero não ter que escrever aqui todo dia. Vou escrevendo conforme sentir necessidade, pode ser? Não quero que isto seja um diário porque não quero ter que voltar aqui todos os dias, acho que é isso. Vou chamar só de “caderno”, então, porque afinal é isso que você é: um caderno. Tá na hora de dormir, já. Amanhã é dia de descarregar caminhão e guardar mercadoria no estoque. Pior tarefa de todas. Preciso me formar logo pra ganhar dinheiro de verdade e trabalhar com a cabeça em vez de com os braços. Até lá, haja paciência. Enquanto isso, vamos vivendo. Boa noite.

Vincent (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora