Entrada XVII

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E aí?

Cara, eu tô coisado... Ia escrever esta história ontem, mas rolou um imprevisto e não deu, e hoje acordei tarde e fui resolver umas coisas na rua, acabou ficando pra depois, que no caso é agora. Mas, mesmo o negócio já tendo passado, eu ainda tô com a história martelando na minha cabeça.

Acordei tarde ontem também; eram quase onze horas. Levantei, fui tomar um banho pra animar e, assim que eu saí do chuveiro, o celular tocou. Enxuguei a cabeça e as mãos na toalha rapidinho e atendi. “É... Oi. É nesse número que eu falo com o Vincent?”, perguntou a pessoa. “Sim; é ele”. Pela voz, parecia ser alguém mais ou menos da minha idade. Um rapaz, como quase sempre. “Oi. Eu li seu anúncio no jornal... e no site... e eu queria saber... como... como funciona...”. Essas reticências são o tempo que ele demorou entre as palavras. Expliquei o que eu faço e o que eu não faço e ele ficou um tempo sem responder. “Alô?”, chamei de novo pra me certificar de que ele ainda estava na linha. “Oi. [ele falou “oi” três vezes, percebeu?] Você tá livre hoje à noite, por volta das sete, oito?”, ele perguntou. “Tô sim”, respondi. “Tá... certo... Onde a gente pode se encontrar?”, ele perguntou. Passei meu endereço na Abraão Mesquita e ficou combinado de a gente se encontrar lá. Eu chegaria às sete e meia e esperaria ele passar com o City prata pra gente ir. Esse negócio de marcar programa por telefone é engraçado — “engraçado” no sentido de interessante, estranho. A pessoa provavelmente já te viu, e você nunca viu a pessoa, e, mesmo não tendo um pingo de atração física, tem que ir lá fazer o serviço e fazer bem feito pra garantir o cliente. Eu às vezes ainda me pego pensando essas coisas e, meu, tem que ter um psicológico muito bom pra se adestrar dessa forma. Porque, tipo, pensa bem. Eu não tenho o direito de broxar. O cara, ou a mulher, tá me pagando pelo meu desempenho sexual. É complicado, viu? Ah, eu já falei disso aqui, né? Mais de uma vez.

Bem, eu acho que já passei da fase de ficar idealizando o cliente na cabeça. Não fiquei preocupado em saber como ele pareceria me baseando na voz nem me preocupando com o meu desempenho na hora. Já que falhar não era uma opção, de pouco ou nada adiantaria pensar em como ele seria, ainda mais sendo homem. Eu acho que já estou me acostumando com essa ideia de transar com caras... mas já falei disso aqui também. Pulemos. Quando deu sete e quinze, saí de casa e fui pro meu ponto. Cheguei e encostei no poste de costume. Não demorou muito e eu logo vi um City prata se aproximando devagar. Desencostei do poste e me adiantei dois passos, pra que, caso fosse ele, ele me reconhecesse. E era ele. Parou o carro do meu lado, baixou o vidro, olhou pra fora e perguntou, sorrindo: “Vincent?”. Confirmei. De vez em quando ainda acho engraçado esse meu codinome. Ele destravou a porta e eu abri, entrando em seguida. Fechei a porta e, com a luz de dentro do carro, olhei pra ele. “Tudo bem?”, ele estendeu a mão e eu correspondi. Ele não era nada parecido com qualquer figura que eu tivesse imaginado. Devia ter minha idade mesmo, ou talvez menos — mas era maior de idade, disso tenho certeza. Tinha cabelo liso, penteado meio Chace Crawford, cor marrom claro, quase ruivo, mas não ruivo, só quase. Arruivado. Olhos claros, que não deu pra ver a cor, pele clara normal, nem muito amarelada nem muito rosada, e sorria. Era um cara muito bonito, não dava pra negar. Tinha uns traços delicados, mas não chegava a ser feminino. Vestia calça jeans, tênis e uma camiseta básica rosa-chá. Tinha os braços fortinhos, mas era um fortinho natural, não de academia. Acho que me lembro bem assim dos detalhes porque ele era um perfil bem destoante dos caras que geralmente me procuram.

“Meu nome é Bernardo, eu já disse?”, ele perguntou. Respondi que não. No telefone ele tinha a voz insegura, mas, pessoalmente, parecia mais confortável; falava num tom muito amigável. “Nossa, cara, hoje o dia tão corrido! Quase te liguei pra desmarcar, mas daí achei que seria mancada, né? Esse horário ia ficar perdido pra você”, ele disse alguma coisa assim enquanto saía da Mesquita. Ele falava no mesmo tom ameno, como se estivesse desmarcando um compromisso com um amigo qualquer. Eu não estava esperando aquilo, então fiquei meio sem saber como responder. Procurei parecer simpático. “Imagina. Essas coisas acontecem, né?”, eu disse. “É, pois é... Você comeu alguma coisa? Quer passar ali no McDonald’s antes d’a gente ir?”. Eu não sei se ele estava sendo muito educado ou se era um daqueles que me pegava pra acompanhante. Mas se ele perguntou se eu queria passar lá antes, quer dizer que depois ia ter alguma coisa, né? Eu tinha comido antes de sair de casa, então recusei o convite e ele continuou o trajeto. “Tem algum hotel ou motel que você costuma ir?”, ele perguntou. “Geralmente o cliente escolhe o lugar, mas você que sabe... Se precisar de motel, conheço uns, sim”, respondi. “Ah!”, ele pareceu meio surpreso com o que eu disse, não sei por que. Parecia ser a primeira vez que ele contratava um garoto. “Você se importa de ir pra minha casa, então? Meus pais não estão lá agora”. Não me importei, claro. Ele pareceu ter ficado mais aliviado, daí mudou o caminho e foi pra casa dele. Durante o trajeto, conversamos bastantinho (coisa que, geralmente, não acontece com os outros clientes). Ele tinha 21 anos, minha idade, trabalhava com o pai, não estudava... E foi falando. Falava com muita tranquilidade (e dirigia muito bem também, devo dizer). Eu fui mais concordando e fazendo “hum”, “mesmo?”, “nossa, legal, hein?” do que participando ativamente do diálogo. Ele me pareceu um tanto carente. Geralmente quem fala muito de si mesmo — não querendo se gabar, mas só por falar mesmo — é gente carente, não é? Ouvi isso em algum lugar.

Vincent (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora