Entrada V

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É oficial: o Lúcio está se tornando um alcoólatra. Ou já se tornou e eu só percebi agora. Ou sempre foi. Isso explica muita coisa, senão tudo. Nas duas últimas semanas, eu o vi alcoolizado pelo menos quatro vezes. E não estou falando de chegar em casa um pouco mais alegre, não; estou falando de vê-lo caído no chão da cozinha anteontem. Quase tive um ataque do coração, tamanho foi o susto que eu levei. É claro que eu fui ao socorro dele e, como se não soubesse que aquilo não havia sido uma queda acidental, perguntei se estava tudo bem. Ele se levantou sozinho e não respondeu minha pergunta. Foi pro banheiro tomar banho e deixou cair do bolso uns três cartões de visita de um pet shop e algumas cédulas de dinheiro. Só deixei as coisas em cima da mesa e voltei pro meu quarto. E, assim como na semana passada, quando estavam tomando café, antes de o Lúcio ir trabalhar, eles discutiram. E a coisa tem piorado com o passar dos dias. Por enquanto eu ainda não ouvi nenhum xingamento ou ofensa mais grave de nem um nem outro, mas ficar escutando os dois disputarem quem grita mais alto é realmente desagradável. Fui prestar atenção e percebi que o Lúcio sequer admite que estava alcoolizado. E minha mãe reclama que agora ele sempre chega tarde, que deve ter uma amante, que já está cansada disso, que deveria ter pensado melhor antes de abrir mão da vida dela por causa dele... E ele começa a subir a serra, falando que não obrigou ela a fazer nada, que é ele que sustenta a casa, que a porta da rua é logo ali... e por aí vai. Daí ela começa a chorar, ele sai batendo a porta e eu finjo que não tem nada acontecendo. Fui tentar conversar com a minha mãe, mas ela evita tocar nesse assunto. Tentei pressionar pra ver se ela ao menos sabe por que ele tem bebido tanto ultimamente, mas ela diz não saber e me pede pra não falar sobre isso. Mas eu não consigo. Não dá pra ficar ouvindo essa discussão dia sim dia não e não dizer nada. Não vou meter a colher na briga deles, mas me sinto um cone de trânsito ouvindo tudo calado no meu quarto. Me ajuda, caderno. O que eu faço?

Comecei a procurar emprego semana passada. Deixei currículo em uns lugares, fiz cadastro em sites de banco, até em escola eu fui, pra me candidatar a professor de matemática. Não sei se algo vai dar certo, mas estou torcendo. Espero que eu não precise voltar a ser balconista de farmácia ou de qualquer lugar que seja. Consegui dar um chega pra lá na Analice e foi mais fácil do que eu imaginei; ficou parecendo que foi ela que me dispensou. Melhor assim. Falando em dispensar, o Bruno e o Otávio terminaram, pela ducentésima vez. Não estou no meu melhor humor pra consolá-lo, mas ainda preciso conversar com ele sobre isso. Talvez amanhã ou depois. Por agora não dá.

Bom, vou voltar pros meus exercícios de Cálculo; preciso entregar segunda-feira. Deseje-me sorte. Tchau.

Vincent (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora