Entrada XX

2.3K 254 35
                                    

Fala, caderno.

Cara, que doideira. Que. Doideira. Essa vida de meretrício tá me rendendo umas surpresas assim... muito... interessantes. Eu queria muito, mas muito mesmo te falar quem é a Helena, mas não vai dar. Helena é o nome de batismo dela, que quase ninguém conhece, então vou mantê-lo assim mesmo. Mas, meu: a Helena é tipo famosa. Bem famosa. Ela é atriz. Não é a melhor atriz que este país já viu, nem fez tantas novelas assim, mas me lembro de já ter visto um filme com ela. E me lembro de já tê-la visto andando no shopping, meio disfarçada, também. Cara, eu ainda tô meio em choque. E mais em choque ainda com o que ela queria que eu fizesse.

Mas, calma, calma: vamos por partes, como sempre. Ontem, como eu disse, tive que desmarcar o programa. É claro que eu não ia desmarcar o negócio e deixar por isso mesmo. Expliquei que tive uns problemas familiares e perguntei se tinha problema marcar pra hoje. Não tinha, então marcamos pra hoje no mesmo horário: depois do almoço. Beleza. Comi pouco, pra não ter uma indigestão na hora do ato, e me arrumei pra sair. Chegando na Mesquita, me encostei no meu poste e esperei. O frio deu uma amenizada; o sol tava gostoso. Logo logo passou um carrão preto e parou à minha frente. Olhei pelo vidro e percebi que não era uma mulher no volante, mas um cara. Ele saiu, me cumprimentou abaixando a cabeça, abriu a porta do carona pra mim e eu entrei. Percebi, então, que ele era algum tipo de motorista particular. Logo depois, ele entrou no carro, fechou a porta e deu partida. Não trocamos literalmente nem uma palavra ao longo do trajeto; só fiquei observando o caminho que ele fazia. Passamos por uns bairros chiques, fomos indo, indo, indo, chegamos em outro bairro chique e logo estávamos na mansãozinha dela, em Assunção, que é tipo a Beverly Hills de Taigo. Gente famosa geralmente mora por aquelas bandas. Fiquei só admirando. O motorista desceu do carro, abriu a porta pra mim (me senti uma dama) e disse: “Queira me acompanhar, por favor”. Ele foi na frente, e eu só olhando. A mansão era toda branca por fora, parecendo um palacete, com grama ladeando um caminho que levava pras escadas que davam acesso à entrada principal da casa. Coisa de filme, mesmo. Tentei parecer natural, mas não dava; parecia que eu estava entrando na mansão dos Bracho.

Quando entramos, outro criado me esperava à porta, com uma cara simpática, mas muito séria. O motorista voltou pra fora e fechou a porta. “Dona Helena já está a caminho”, o empregado disse. Consenti com a cabeça e fiquei parado, com os braços cruzados pra trás, olhando pras paredes. Gente rica é outra coisa, né? Eu, por mim, não teria nada pra fazer com uma casa daquele tamanho. Achei a decoração um pouco exagerada. Muito tapete, muito quadro, muito vaso, muito vidro... muita informação. Mas tava bonito. “O senhor aceita uma bebida ou alguma coisa?”, o empregado perguntou. “Não, não; eu tô bem, obrigado”. Passados mais alguns segundos, ela apareceu, vestindo um robe de cetim, como se estivesse saindo do banho. Ela me sorriu e eu tentei disfarçar meu estarrecimento. Aquela mulher, caderno!!!! A da TV!!! Tentei parecer o mais neutro possível, mas foi impossível não levantar as sobrancelhas ao me dar conta de quem era Helena.

“Tudo bem, Vincent?”, ela perguntou, me estendendo a mão. Retribuí o cumprimento e respondi que sim. Pra não te deixar tão curioso: Helena é uma mulher de 40 e poucos — mas que poderia dizer ter 35 (deve ter um botox ali, contudo) —, loira natural, olhos azuis, sorriso branco, corpo em forma, algumas sardas espalhadas pelo rosto, lábios finos... Ela é uma mulher bem bonita; você certamente a conhece. “Alberto”, ela chamou o empregado, “o pagamento, por favor”. Ele aquiesceu e se retirou por alguns segundos. Ela manteve os olhos nele, evitando o contato visual comigo, e ele logo voltou com um cheque, que ela me entregou dizendo: “Seu pagamento. Acredito que isso pague seu trabalho e seu silêncio”. Peguei o cheque e tive que olhar, afinal ela sabia o meu preço e não precisava assinar um cheque: bastava me entregar uma nota de 100. Quando olhei pra conferir, o cheque não era de 100 pilas, mas de 3000. Três mil. Tentei, pela segunda vez, parecer natural e confortável, mas ela não tava facilitando. TRÊS MIL CONTOS, caderno! Três mil! MEU MÊS INTEIRO! Claro que não reclamei nem fiz qualquer objeção, mas acho que ela percebeu minha surpresa. Enfiei o cheque dentro do bolso traseiro da calça e acompanhei Helena, que se virou e começou a caminhar em direção a outra parte da casa, provavelmente o quarto dela.

Vincent (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora