Fala, caderno...
E aí? Tudo bem? Espero que sim. Por aqui tudo tranquilo também, na medida do possível. Nada de grave aconteceu de ontem pra hoje, mas minha cabeça está a mil por hora e eu estou aqui matutando um monte de coisas e vim compartilhar algumas delas com você.
Primeiro, conversei com o Paulo hoje. Contei a ele que descobri o endereço do canil e que estive lá; que conversei com uma garota que também se dispôs a me ajudar no que for preciso; que agora sei o endereço e tenho o telefone de uma pessoa que está diretamente ligada ao esquema, que pode entregar outros membros e tal. Ele disse que essas provas já são o suficiente pra fazer a denúncia. O problema, diz ele, é que, como isso envolve um membro de alto escalão dentro da polícia, a investigação pode demorar, porque eles precisam agir com cautela pra não levantar suspeitas dentro da corporação e pra manter tudo no maior sigilo possível. E, meu, eu não posso me dar o luxo de ficar aqui parado esperando isso tudo acontecer. E, ainda segundo meus pensamentos, o desgraçado é muito esperto. Se a polícia invadir o canil e prender todo mundo, eu tenho certeza de que ele dá um jeito de sumir em dois tempos antes de chegarem nele, e isso não pode acontecer de jeito nenhum. O que eu preciso é de uma prova que o incrimine diretamente. Todas as evidências que eu tenho até agora levam a alguma terceira pessoa ou ao canil como um tudo, e isso não basta: eu preciso de uma prova que o atinja no peito, a queima roupa.
Depois de muito pensar sobre isso, cheguei a uma conclusão até meio óbvia em tese, mas que, na prática, é um tanto quanto inexecutável: preciso de uma confissão. Preciso armar uma emboscada e fazer o desgraçado confessar a participação dele nisso tudo, que nem a gente vê na televisão, quando a pessoa tem o telefone grampeado e revela tudo. Mas, Paulo também me disse, até eles grampearem os telefones dele, vai um bom tempo, e tempo eu não tenho. Isso me levou a outra conclusão: quem vai ter que fazê-lo confessar alguma coisa sou eu. “Não, Daniel, isso é colocar sua vida em risco mais do que você imagina”, Paulo me advertiu prontamente. Mas, de verdade? Eu não me importo. Chegar até onde eu cheguei com essa história e deixar o desgraçado get away with murder justo agora, na reta final? Nem pensar. Eu me arrisco. Eu estive me arriscando esse tempo todo, não custa eu me arriscar um pouco mais.
Vim pra casa e continuei pensando. É lógico que dizer que eu quero acabar com ele nem que isso custe a minha vida soa um tanto quanto Joana D'Arc da minha parte, mas é claro também que eu não quero morrer. Tenho 22 anos; estou novo pra isso e não fiz nem metade das coisas que ainda quero fazer. Mas, caderno, eu não posso me poupar dos riscos. Tenho que seguir adiante com isso e não tem outra solução. Depois de pensar mais um pouco (isso é tudo que eu tenho feito ultimamente), tive uma ideia: eu vou encontrar o desgraçado no canil. Raquel me disse que ele está lá todos os sábados. Hoje é quarta. Até lá, eu vou ter algumas dezenas de horas pra me preparar psicologicamente pro que pode acontecer, já que esta pode ser a minha última semana de vida, na pior das hipóteses.
Tida essa ideia, o script começou a se montar automaticamente na minha cabeça: eu vou encontrá-lo no canil, à noite. Lá, vou conversar com ele normalmente. Ele, é lógico, vai se espantar terrivelmente com a minha presença no local e vai se enfurecer e achar que eu descobri tudo e que quero foder com a vida dele e aí entra a primeira tentativa de homicídio contra mim. Antes que isso aconteça, vou tentar acalmá-lo da melhor maneira possível e convencê-lo a sair da casa e vir pra algum outro lugar que eu ainda vou precisar pensar onde é. Nesse lugar, eu vou colocar uma câmera escondida e um gravador, e aí, das duas uma: ou a câmera vai registrar meu assassinato ou vai registrar a nossa conversa. Eu prefiro que a segunda alternativa aconteça. Se ela acontecer, o diálogo se dará da seguinte forma: vou contar, trabalhando com a verdade, que conheci o canil por meio de um cliente, que vai ser o JP — como JP está morto, o desgraçado não tem como fazer nada contra ele. Em seguida, vou dizer que não, não quero acabar com ele, mas o contrário: quero ser sócio dele. Pra isso, preciso saber como todo o esquema funciona. Depois de convencê-lo de que estou sendo sincero e realmente quero fazer parte do canil — até porque tenho muitos clientes e nem todos são gays e certamente alguns se interessariam em fazer parte da sociedade secreta —, vou fazê-lo me contar em detalhes como a máfia opera, até pra saber em qual parte eu me encaixaria melhor. Isso tudo em áudio e vídeo deve ser prova mais do que suficiente de que é ele que está no comando da quadrilha.
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Vincent (romance gay)
General Fiction::: LIVRO COMPLETO ::: Daniel é um jovem de vinte e um anos que mora com a mãe e com o novo padrasto em um bairro de classe média da cidade fictícia de Taigo. Daniel leva uma vida tranquila, mas essa tranquilidade logo é abalada quando o jovem per...