Entrada XLVII

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Boa noite, amiguinho.

Preciso parar de te chamar assim, né? Já pensou se algum dia alguém te pega pra procurar provas de alguma coisa e se depara com esse termo? Quem vir eu te chamando de “amiguinho” aqui não vai me dar credibilidade nenhuma. Como você tá? Espero que esteja bem. Eu estou bem também, apesar de tudo, e tenho coisas a contar.

Primeiro, feliz Natal atrasado e feliz ano novo. Já estamos em 2013, é — e o mundo nem acabou afinal. Tirei os últimos dias pra pensar na vida e nisso tudo que tem acontecido e acabei não vindo aqui prestar conta dos fatos. Algumas coisas aconteceram nessa semana que eu não apareci e uma delas foi um passo grande em relação a tudo que eu ainda quero e preciso que aconteça. Deixa eu parar de enrolação e contar logo.

Semana passada foi Natal. Embora minha mãe tenha me convidado pra passar tanto o Natal quanto o ano novo lá, eu recusei a primeira opção porque ia passar com o pessoal lá na casa do Felipe, devo ter comentado isso. Fomos todos, até a Clarissa. Chegando lá, ao contrário do que eu imaginara, estava a família inteira (“inteira”) dele na casa. Por um motivo ou outro, eu supus que o Natal deles fosse ser uma festa como as de sempre, mas não: foi uma ceia de Natal como outra qualquer. Tinha umas pessoas que estavam na última festa também, então acabei não ficando perdido lá. O Otávio não estava, ainda bem, porque eu ainda não confio 100% no “já estou bem” do Bruno.

Fomos todos, amigos do Felipe e da Analice, lá pra fora conversar enquanto a ceia não ficava pronta. Eu me sentei ao lado do Felipe e nós ficamos de cafuné um com o outro. O Felipe é um querido — já falei isso aqui? Ele é daquele tipo de pessoa que dá vontade de abraçar, e eu nunca perco a chance. Ficamos nessa um bom tempo e a Clarissa me olhava com uma cara muito engraçada... Acho que todos os que estavam naquele grupinho sabiam que rolava alguma coisa entre mim e ele, menos ela. Mas nesse dia a gente não ficou de saliência, não. Só demos um beijinho muito discreto quando fomos nos cumprimentar e outro mais digno quando o pessoal entrou pra comer e nós ficamos pra trás por uns vinte segundos. O problema é que eu e o Felipe não podemos ficar sozinhos, senão a temperatura sobe e nós precisamos apagar o fogo, e dia de ceia de Natal não é dia de apagar fogo nenhum, não é mesmo?

A comida estava ótima. Comida de Natal é uma das provas de que Deus é real. O peru que a mãe do Felipe preparou estava ridiculamente gostoso, e eu comi como se não houvesse amanhã. Depois do jantar, ainda ficamos conversando por mais um tempo antes de virmos embora. Aqui em casa, depois que voltamos, liguei pra minha mãe, que também disse que jantara há pouco (a casa também estava cheia lá, percebi pelo barulho atrás dela ao telefone) e avisei que não iria à ceia mas que ela podia me esperar para o ano novo, que eu apareceria. Ela deu pulos de felicidade (como se eu estivesse lá pra ver, né?) e que bom que ela ficou feliz. Ela que não imaginasse qual era o verdadeiro motivo de eu ter aceitado ir pra lá — aliás, isso é outra coisa sobre a qual eu ainda preciso pensar: devo, em algum momento, contar a ela o que está se passando? Ou é melhor deixar as coisas acontecerem sozinhas e ela que descubra tudo quando a verdade vier à tona? Contar a ela agora não teria serventia nenhuma, porque ela acredita e defende o Lúcio acima de todas as coisas... Não sei se devo.

Pois bem. Passado o Natal, no dia 27 eu liguei pro Paulo e pedi pra almoçar com ele, que eu tinha que falar algo sério com ele sobre o Lúcio. Marcamos num restaurante que eu gosto lá perto do escritório dele e eu contei o que havia descoberto. Ele ficou de cabelo em pé tanto quanto eu, e ainda mais, porque o desgraçado é delegado de polícia aqui. Se ele for preso, meu, a carreira dele tá acabada — isso sem contar o que podem fazer com ele na cadeia por o crime dele envolver exploração sexual de menores de idade. Paulo me disse que o primeiro passo é o recolhimento de provas e de testemunhas. Depois, preciso fazer a denúncia na Corregedoria, porque parece que crimes que envolvem pessoas da polícia não são denunciados na própria polícia. Ele se ofereceu pra fazer a denúncia por mim e eu acho que vou aceitar. Depois disso, eles juntam as provas e começam as investigações, que, nesse caso, por envolver um membro da polícia e ter um julgamento “especial”, demora um pouco menos do que os outros julgamentos. “Mas, antes de mais nada”, Paulo disse, “eu sugiro que você volte a esse tal ‘canil’ e consiga mais informações sobre o lugar e as pessoas envolvidas. Quanto mais você souber, mais pessoas podem ser incriminadas”. O problema é que eu não sei chegar lá, caderno! Taigo é uma cidade enorme; eu levaria a eternidade pra chegar lá assim, sem nenhuma orientação!...

Vincent (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora