Entrada LIII

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Boa noite, amiguinho.

Como vai? Tudo em ordem? Espero que sim. Eu não sei dizer ao certo como estou. Não passei por aqui ontem porque nada demais aconteceu. Hoje é sexta — aliás, sábado, tecnicamente, que já passa da meia-noite. Amanhã é o dia do tudo ou nada e eu estou uma pilha de nervos. Tô sentindo tanta coisa ao mesmo tempo que parece que meu peito vai explodir. Mas, acima de tudo, eu tô é com medo. A ansiedade também tá terrível. Me sinto como se estivesse a caminho da forca. Não sei como é estar a caminho da forca, mas consigo imaginar. Imagino que a pessoa veja a Morte; uma entidade sem forma vestida de preto te observando à distância; e a cada passo ela se aproxima sem se mover um centímetro. E quando o oxigênio para de entrar pulmões adentro, a Morte toca seu ombro e tudo se acaba. Sempre imaginei a morte assim. A sensação de impotência diante dela deve ser terrível; ter a consciência de que, dentro de instantes, sua vida vai ser encerrada... É um pouco do que eu estou sentindo. Eu sei que o desgraçado seria capaz de mandar me matarem. Talvez ele não sujasse as próprias mãos comigo, mas ele seria capaz de mandar outros o fazerem. E sei que o risco que corro é real...

Isso tudo me deixa triste, no final das contas. É como se eu tivesse aceitado meu destino incerto e começado a me despedir das coisas terrenas. Eu estava ali com o Bruno agora há pouco. Fiquei observando ele cochilar e pensando que ele vai sofrer feito Maria se alguma coisa me acontecer... E se eu morrer e, lá do outro lado, a vida continuar mesmo, como dizem? Eu preferiria morrer de novo a ver o Bruno sofrer sem jamais saber que eu continuo ao lado dele... Vou parar de pensar nisso porque já tô ficando com vontade de chorar.

Tive que contar a ele o que vai acontecer amanhã. Ele sabe que eu sou impossível de dissuadir no que se refere a esse assunto, mas ele tentou, tadinho. Tentei assegurá-lo de que vai ficar tudo bem, mas nem eu mesmo tenho essa segurança, então...

Dessa vez a gente não se beijou nem nada, mas tem alguma coisa dentro de mim dizendo que essa história de máfia não mexeu só com a minha cabeça: mexeu com a dele também.

A noite que a gente passou hoje foi memorável, caderno. Não fizemos nada de diferente de todas as outras dezenas e dezenas de noites que já passamos juntos, mas, hoje, sinto que fizemos “nada” como se nunca mais fôssemos fazer “nada” de novo. Tudo teve um sabor amargo de despedida, sabe? Meu, eu não quero me despedir. Eu quero voltar. Eu vou voltar. Só que eu sinto que, se eu voltar, as coisas vão estar diferentes pra mim... Bem, eu estou procurando metáforas e eufemismos dos mais abstratos pra dizer uma coisa muito simples, mas que ainda me assusta e paralisa: eu já não sei se quero que o Bruno seja só meu amigo. Dizer isso me parece um absurdo, mas, ao mesmo tempo, faz todo sentido. Eu estava lendo umas entradas anteriores aqui dia desses e, caderno, isso tá mais do que na cara, e o que me espanta ainda mais é que eu mesmo, o autor de tudo que está escrito em você, tenha levado tanto tempo pra perceber o que é óbvio. Se eu tivesse que escolher entre o Bruno ou o resto do mundo, eu escolheria o Bruno sem pensar. Eu amo o Felipe, amo o Paulo, amo a minha mãe, amo até você, na medida do possível, mas o Bruno tá em outro nível, outro plano muito mais elevado. E eu não sei o que fazer com isso... E se eu morrer? E se na pós-vida eu continuar amando ele sem saber se ele sentiu o mesmo que eu?... Tá foda, cara.

Deixa eu desviar o rumo da conversa. Te falei que o Felipe e o Bernardo estão de casinho, né? Pois é. Fiquei muito feliz pelos dois. Tudo bem que perdi meu fuck buddy, mas foi pra alguém digno do feito. Felipe veio me contar do pós-festa. Depois de deixar eu e o Bruno em casa, os dois ainda ficaram de papinho por telefone e se encontraram depois, no domingo. Pelo menos até ontem, não tinha rolado sexo ainda, mas o Felipe já tá querendo o moleque dentro dele. “Mo [ele continua me chamando assim, apesar do Bernardo], onde cê arrumou esse cara, meu? Que delícia que ele é!”, disse ele com toda sua sutileza. Depois que contei que o conheci porque fizemos “programa”, você pode imaginar como foram as perguntas seguintes. Felipe tem um fogo que eu nunca vi. Quando o Bernardo tiver mais prática no ramo e se os dois derem certo, vai rolar troca de lençol todo santo dia naquela casa.

Enfim. Já terminei os preparativos pra noite de amanhã, mas não vou me dar o trabalho de te contar agora porque tudo pode ser um fracasso e eu quero terminar este diário em clima de vitória. Também não quero me despedir de você, mas quero deixar registrados meus sinceros agradecimentos pelos seus préstimos ao longo desses intensos meses de jornada pessoal, profissional, existencial... Obrigado pela companhia, meu amigo. A gente se fala, tá bom? Torce por mim. Até a próxima.

Daniel

Vincent (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora