Entrada XXI

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Cara, quanto ódio alguém é capaz de sentir? Caderno, eu devo estar extrapolando todos os limites, porque o que eu tô sentindo já é maior que eu; já não cabe mais em mim. Tenta adivinhar o que aconteceu. É tão óbvio que chega a ser ridículo. Tenta, só tenta. Chuta. Vou te dar duas chances. Pensa aí.

Não adivinhou? Tudo bem, eu dou uma pista: hoje minha mãe me ligou pra dar notícias. Ah, agora ficou fácil, não é?! Pensa mais um pouquinho, só mais um pouquinho. Poxa, essa pista foi muito fácil... Não? Não é fácil? Certo, eu dou mais uma: a polícia foi lá no covil investigar a denúncia que eu fiz dia desses. Ah, agora ficou fácil demais! Não? Ainda não tá fácil o bastante? Ah, tá bom então, eu dou a resposta:

LEONOR NEGOU AS ACUSAÇÕES.

Sim! Isso mesmo! Exatamente! Ela N-E-G-O-U as acusações que eu fiz contra o desgraçado na denúncia! Aí você deve estar se perguntando: “Mas e o roxo no olho dela? Não tinha como negar aquilo!”. Sim, caderno, não tinha como negar o roxo, mas tinha como negar que ele estava lá por causa de um soco na cara, porque não, ele não estava lá por causa de um soco na cara: Leonor simplesmente caiu. HAHAHAHAHAHA! CAIU! Você acredita nisso, caderno? Caiu! Não é fantástico?!

Meu, muito sério. Quando ela me contou isso por telefone eu tive vontade de pular da janela. Como pode um ser humano ser imbecil a esse ponto? Eu dei a oportunidade perfeita pra ela se livrar das mãos do desgraçado e ela simplesmente negou. “Você não tinha o direito de fazer isso, Daniel”, ela disse, brava — sim! Ela estava brava comigo ao telefone!, porque não! Eu não devia ter feito isso! Minha mãe com um roxo no olho porque um desgraçado deve tê-la espancado e eu não devia ter feito nada! É claro que não! Eu não tenho direito de defender a mulher que me pariu! Está certo! Tenho mais é que deixá-la se foder nas mãos daquele monstro que vive debaixo do mesmo teto que ela! Eles se merecem!

Não estou bem. Não estou em condições de escrever aqui. Esse telefonema dela acabou com o meu dia, com a minha semana, como meu mês inteiro, e eu, francamente, desisti da minha mãe. Desisti. Vou viver a minha vida e ela que viva a dela. Se o desgraçado continuar batendo nela, se ela quiser continuar sendo parte disso, se ela não quiser procurar ajuda e achar que está tudo bem e que é só uma fase, o problema é dela. A minha parte eu tentei fazer e ela me impediu, então eu lavo as minhas mãos.

Peguei o resultado dos meus exames e deu tudo negativo. Tô limpo. Perdi a vontade de falar o que eu tinha pra falar aqui; mas não tinha nada sério. Só vim registrar meu nojo por toda essa situação e pela atitude da senhora minha mãe. Outro dia a gente se fala com mais calma, tá? Vou tomar um banho pra ver se esfrio a cabeça. Tchau.

Vincent (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora