Entrada LVI

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Fala, caderno!

Como você tá? Espero que esteja tudo bem. Comigo tá tudo indo, (quase) sem mais grandes emoções por enquanto. Não faz tantos dias que passei aqui, faz? Acho que não. Como eu disse da última vez, Paulo já fez a denúncia lá, mas ainda não tenho ideia de quando alguma coisa vai acontecer efetivamente, então o jeito é esperar... Mas tô tranquilo, na medida do possível; agora que o pior já passou, tô conseguindo respirar um pouco aliviado com o passar dos dias. Mas, bem, vamos às últimas notícias:

Segunda eu saí com o Bartô, como eu disse; terça eu passei lá no canil e avisei à Raquel que a qualquer momento a casa vai cair, quase que literalmente. Ela disse que já falou com algumas meninas e que a maioria se dispôs a depor se for preciso. Não sei se vai ser preciso tanta gente assim, mas, em todo caso, é melhor pingar do que secar. Deixei um telefone de contato pra ela falar comigo quando sair de lá. Não sou nenhum santo, mas acho que muitas dessas meninas podem precisar de ajuda quando saírem da casa. Apesar de que a justiça deve dar um apoio de alguma forma, não sei; também quero ser útil. Tô um pouco ansioso ainda sobre sábado, quando eu e o desgraçado formos ter aquela conversa mais definitiva. Acho que ainda corro risco de morte... Já pensou se ele me mata lá no canil mesmo? Eu morro! Hehehe. Mas tô rezando e sei que cê também tá. Na pior das hipóteses, se eu passar dessa pra melhor, a investigação tá em andamento e, esperamos, alguma coisa há de acontecer.

Agora vamos mudar de assunto que desse eu já tô meio que de saco cheio. Vamos falar da conversa de quarta-feira, ontem, com o Bruno. Como sempre, eu continuo sem saber como nós estamos ou o que nós somos. É tipo assim: a gente tem uns rompantes de carinho, tudo culmina num beijo e depois volta a ser como antes; uma montanha russa de vários loopings e muitos momentos de nem alto nem baixo — isso porque eu me lembro de ter comentado, da última vez que estive aqui, que estávamos bem. Quando a gente se beijou no sábado, antes de eu ir encontrar o desgraçado, pensei que ia ser diferente; que ficaríamos bem dali pra frente durante um bom tempo, mas não: ficamos bem até segunda; terça ele tava meio estranho e quarta o negócio desandou, porque nós meio que discutimos a relação que nem existe e a conversa não foi das melhores. Eu, infelizmente, não vou me lembrar da coisa toda porque a memória não permite, mas vou deixar as ideias principais aqui e você vai entender a moral da história. Estávamos almoçando na santa paz de Jeová quando:

— Você não me contou como foi lá com o seu padrasto no sábado [não contei mesmo; não me senti à vontade pra falar sobre isso na hora e depois deixei passar batido, pensando que ele já tinha esquecido, haja vista que estávamos em plena tarde de QUARTA-FEIRA e o evento foi no SÁBADO].

— Melhor do que o esperado... Consegui tudo que eu precisava.

— Hum... E vocês foram pra cama?

— É. Não teve jeito.

— E foi bom?

— Foi ótimo — eu não tinha motivos pra mentir, tinha?

— E você fala isso com essa naturalidade?

— Ué.

— Quem foi o ativo?

— Ele, é óbvio.

A conversa parou aí por um instante. O Bruno já viu o Lúcio; sabe que ele tem quase o dobro do meu tamanho. Eu comer ele seria tipo um pinscher tentar cruzar com pit bull. Questão de lógica até, ora. Mas não entrei nesse mérito da discussão, não. Bruno ficou em silêncio, mas aquele silêncio que diz muito, sabe? Ele não me  olhava nos olhos e eu fiquei alguns segundos tentando entender o que ele estava pensando antes de perguntar: “Que foi?”. Ele me olhou sério, mas não respondeu. “Fala, Bru...”, insisti. Então recomeçamos:

Vincent (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora