Cara, minha vida tá muito complicada. Não tem sido fácil ser eu. Quando não tá acontecendo merda, tá acontecendo coisa bizarra. Duplamente, triplamente bizarra... Não sei por onde começar de novo. Dessa vez dá pra ser do começo. Vamos lá.
Como eu já disse aqui, estudo numa faculdade e, mesmo tendo sido posto pra fora de casa, não larguei os estudos. Não sei se ficou claro (acho que não), mas todas as pessoas que eu citei aqui até agora (tirando minha mãe e o Lúcio, por óbvio) estudam na mesma instituição. Claro que fazemos cursos diferentes e não necessariamente frequentamos os mesmos grupos, mas estamos sempre no mesmo prédio mais ou menos nos mesmos horários, portanto não é difícil que nos encontremos durante o intervalo ou a chegada ou a saída ou qualquer horário. E, como a universidade é privada e famosinha, tudo lá é de ponta e eles estão sempre reformando. Há não muito tempo, inauguraram (é esse o verbo?) uma nova “parte”. Eu não sei explicar direito, só sei que lá é tipo o palácio de Versalhes: eles sempre dão um jeito de esticar pra um lado ou pra outro. E, nessa última esticada, criaram uns laboratórios de informática, de biomedicina, uma pá de coisas. Às terças-feiras, eu por acaso tenho aula em um desses laboratórios de informática. Como o pavilhão é recém-inaugurado, ele fica longe de todo o resto do prédio, então de lá até qualquer outro lugar da faculdade é uma boa pernada.
Enfim. Saindo do laboratório em que eu tenho essa aula, tem um banheiro. “Um” masculino e “um” feminino, claro. Na terça, quando acabou a aula que eu tinha lá, fiquei fazendo um pouco de hora conversando com uns caras e, depois, saí da sala pra ir até esse banheiro. A porta estava trancada. Como eu precisava muito me aliviar, eu não estava a fim de caminhar até o banheiro mais central, que fica perto da cantina, pra mijar (acho essa palavra muito engraçada). Então o que fiz? Continuei andando pro rumo contrário ao dos outros banheiros porque eu sabia que, subindo uma rampa que tinha depois da esquininha, haveria outro banheiro lá em cima. Não sei se todo mundo sabe disso, porque nessa parte nova do prédio tem, basicamente, só os laboratórios mesmo, então o movimento é bem pouco, até porque o lugar é meio feio; parece abandonado. Subi a rampa e fui até o banheiro desse segundo piso (ou primeiro?). Tudo quietinho, ninguém por perto e tal. Sem problema. Entrei, liguei a luz (a luz estava apagada, mas a porta estava aberta) e caminhei até o mictório, que era inteiriço; digo, não era um pra cada um, mas um negócio de alumínio do tamanho da parede que ah, não sei explicar. Era um mictório coletivo.
Estou eu lá bem tranquilo esvaziando minha bexiga, olhando pra cima, de olho fechado, pensando no miojo que estaria me esperando quando eu chegasse em casa, quando ouço alguém entrar no banheiro. Como aquele pavilhão era muito pouco frequentado e o silêncio estava bastante intenso, naturalmente olhei pra trás pra ver quem estava chegando. Vai que era um maníaco dos laboratórios, não é mesmo? Brincadeira. Muito para minha surpresa, quem estava entrando era o Felipe, irmão da Analice, que ficou com o Otávio, ex-namorado do Bruno. Se não me engano, já falei mal do Felipe aqui. Não é “falar mal”, é que ele tem uns hábitos que eu não concordo. Ele estava de camiseta tie dye meio alaranjada de gosto muito duvidoso, uma calça que devia ser 44, sendo que o manequim dele deveria ser no máximo 40 (não é que eu entenda tanto de bunda assim; é que eu fui comprar calça um dia desses e me dei conta de que sou 40, embora, até a penúltima compra, eu me lembro de ter sido 42. Eu emagreci ou eles usam modelos diferentes pra fazer essas roupas? Ou cada marca tem um padrão? Geralmente era minha mãe que comprava essas coisas pra mim; nunca prestei muita atenção, então... E, bem, eu e ele temos mais ou menos o mesmo porte físico (ele é mais magro)), e um boné da cor da calça virado pra trás. O Felipe não é um cara feio; ele tem uns olhos verdes muito bonitos, mas esse estilo... alternativo dele estraga tudo.
Agora segue o diálogo da forma como minha memória bem me permitir lembrar, porque foi um negócio tão... tão que eu não sei se vou me lembrar bem. Ele parou a uns dois passos de mim, também no mictório, olhou pra minha cara e me cumprimentou com um “E aí?”, que eu respondi da mesma forma. O Felipe tem uma voz lerda por natureza, então nunca dá pra saber ao certo se ele está drogado, bêbado, com dor, sono ou outros males da alma. Se fosse possível precisar o estado de sobriedade dele, talvez a cena toda se justificasse, mas os olhos não estavam vermelhos, então maconha, pelo menos, ele não andara (aprendi a usar pretérito mais que perfeito dia desses com uma professora de Letras da faculdade que estava com a gente num dia em que saímos pra beber; me senti muito esperto) fumando. Como eu já devo ter dito, o Felipe não é meu amigo: é amigo do Otávio (mais do que amigo, agora, pelo visto). Como eu não curto muito esse estilo e o comportamento dele, nós nunca paramos pra conversar nem nada; só nos encontramos em festas de vez em quando e pah. Estávamos, agora, nós dois no banheiro, urinando no mesmo mictório, e aquele silêncio meio constrangedor logo tomou conta. Além do silêncio constrangedor, devo considerar também que, pelo menos pra mim, urinar em mictórios é algo meio delicado, porque sempre fico com aquela sensação de que quem estiver ao meu lado vai olhar pro meu pinto e comparar. Automaticamente, me sinto no direito moral de fazer a mesma coisa. Como quem estava do meu lado dessa vez era o Felipe, que não é qualquer desconhecido, eu abri mão desse direito e continuei na minha. Ele, todavia, percebi pela visão periférica, olhava pra minha cara e depois pra baixo, e depois pra minha cara e depois pra baixo, e depois pra minha cara. Aquilo, é claro, me incomodou, então finalmente olhei pra ele e perguntei tranquilamente, sem querer soar rude ou qualquer coisa: “Perdeu alguma coisa, cara?”. Ele balançou a cabeça negativamente e respondeu enquanto guardava seu... negócio: “Não, tô só olhando...”.
Voltei a olhar pra cima e percebi que, mesmo já tendo terminado de eliminar as impurezas que seus rins filtraram, Felipe continuou parado, na mesma posição, ainda olhando fixamente pro meu membro (cara, é difícil se referir ao pênis por escrito, né? Estranho.). Minha bexiga estava muito cheia, ainda faltavam alguns segundos pra eu terminar, não dava pra guardar na hora. Incomodado com aquilo, perguntei de novo: “Qual foi, rapaz?”, dessa vez um pouco mais impaciente. Sem se mexer, parecendo estar num transe causado pela visão do meu pênis, ele disse: “Teu pau é da hora, guri”.
Paremos aqui por um instante. Sério. Muito sério. Que tipo de elogio é esse? De todas as garotas que eu já transei (não foram tantas assim), eu jamais falei “Nossa, que xoxota legal a sua”. Elogiar o formato anatômico da genitália de alguém é novidade pra mim. E eu devo ter feito uma cara muito estranha quando ele disse isso, porque, meu... sério. Eu vou falar o quê? “Obrigado”? “O seu também é”? Mas calma, o pior ainda não veio: antes de eu ter tempo pra pensar em uma resposta adequada, eu percebi que ele, ainda parado, na mesma posição, olhando pro meu órgão, colocou uma mão dentro da própria camiseta e começou a alisar a própria barriga, enquanto, com a outra mão, ele apertava o volume da bermuda dele.
Pausa aqui de novo. Meu... Na boa.
Novamente, fiquei sem saber o que falar ou fazer. Finalmente, a urina que eu tinha pra eliminar acabou e eu guardei meu bem precioso. Daí ele olhou pra mim, ainda se tocando, e falou: “Eu daria pra você, se você quisesse me comer”.
Olha... Eu não sei se é lerdeza minha ou se são as coisas que acontecem mais rápido do que eu consigo acompanhar, mas, até um dia desses, o Felipe era hetero, e digo isso não porque ouvi falar, mas porque já vi ele ficando com altas gatas nas festas; ele tem esse estilo meio estranho mas nunca teve seca na horta dele. Depois, descubro que ele ficou com o Otávio, sendo que o Otávio era tipo amigo dele. Não que amigos não possam ficar, mas eu, por exemplo, não me vejo ficando com o Bruno, se eu fosse gay. Tem amigo que não dá pra imaginar essas coisas. Depois, essa cena do banheiro. Eu quero muito acreditar que ele tava chapado quando isso aconteceu, porque, na minha cabeça, é inconcebível alguém agir dessa forma com um estranho (eu sou praticamente um estranho pra ele, vai) estando sóbrio, lúcido. Mas, como tudo é possível, fica a dúvida. Só sei que fiz que não era comigo, pedi licença e saí do banheiro rapidinho. Nem lavei as mãos. Cara louco, meu. Já pensou se ele tenta me agarrar ali? Eu acho que eu meteria a mão na cara dele, viu? Cara folgado, maior falta de respeito! Nem me conhece e vem com uma brava dessas pra cima de mim? Ah, sai fora.
Isso foi na terça, né? Pois é. Fui pra casa e fiquei com essa cena na cabeça. Passou a quarta, nada de mais aconteceu; vida normal. Mas a cena continuou na cabeça, e dela me veio uma ideia que nem um lampejo, e esse lampejo logo virou uma tempestade e essa tempestade passou e virou uma nuvem negra que tá encobrindo minha mente até agora... Fiquei pensando... Se ele achou meu pau da hora, isso quer dizer que outras pessoas também podem achar... E, como mês que vem eu recebo minha última parcela do seguro e não tenho nenhum trampo à vista, me ocorreu que talvez, talvez fosse uma possibilidade eu usar meu corpo pra fazer dinheiro... Eu ainda não sei. É uma nuvem, como eu disse, que parou aqui nas minhas ideias e não sai. Mas pensa bem. Estive comprando jornal com mais frequência nesses últimos tempos e sempre tem anúncio sexual, de todos os tipos, pra todos os gostos. Depois que tive essa ideia, fui dar uma olhada mais cuidadosa e percebi que não tem nenhum serviço de garoto de programa, homem; só tem garota e travesti. Talvez fosse bom negócio eu tentar isso. Não entendo nada de programa, nem de prostituição, mas andei dando uma pesquisada na internet e não parece ser tão difícil assim. Tem umas garotas que anunciam em sites, ou têm o próprio site, que criam perfis no Facebook só pra isso... Sei lá. Me pareceu bom investimento. Eu não quero aceitar o dinheiro da minha mãe, e arrumar um emprego “normal” tá muito difícil. Meu prazo está acabando; não posso perder tempo.
Já escrevi demais. Duas horas se passaram aqui desde que eu te peguei hoje, caderno. Minha mão já está cansada. Vou continuar pensando melhor a respeito disso e depois volto aqui pra contar o que decidi. Fica ligado aí. Até mais. Deseje-me sorte. Gostei de Crime e Castigo mas já cansei de escrever, qualquer dia falo melhor sobre ele. Fui.
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Vincent (romance gay)
General Fiction::: LIVRO COMPLETO ::: Daniel é um jovem de vinte e um anos que mora com a mãe e com o novo padrasto em um bairro de classe média da cidade fictícia de Taigo. Daniel leva uma vida tranquila, mas essa tranquilidade logo é abalada quando o jovem per...