Entrada LXII

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Fala, meu querido!

E aí? Como vamos? Muito bem? Então tá bom. Por aqui as coisas não vão, na verdade. Tá tudo parado. Não tenho notícia de julgamento nem de processo nem de nada. Ainda não falei direito com o Paulo essa semana; ele é que sabe das coisas e me conta. O que eu vim escrever hoje na verdade não tem nada a ver com esse caso, não. Vim falar de algo que aconteceu e abalou todas as estruturas do planeta Terra; de algo que mudou o mundo e o rumo da vida das pessoas... Se prepara, hein? Vou dar a manchete... 3, 2, 1... ... .......

Eu e o Bruno transamos.

Pausa pra você reler e controlar os ânimos. Ufa! Pois é, rapaz, finalmente aconteceu. Eu não sei se a gente tava inconscientemente adiando esse momento ou se aconteceu quando tinha que ser, mas sei lá, meio que demorou, né? É... Mas te digo que cada segundo de espera valeu a pena, caderno.

Antes de eu narrar o evento em si, um pouco de história de fundo. Há algum tempo eu vinha planejando comprar um Playstation 3, porque agora eu tenho tempo e dinheiro pra isso. Depois da “mesada” que o desgraçado me pagou, então, bastou juntar com um pouquinho das minhas economias, ir na loja e comprar. Foi o que eu fiz, e no caminho já aproveitei e comprei uns jogos piratas também, que os originais ‘tão custando um braço e uma perna.

Isso foi o fio condutor da situação. Ontem, estávamos eu e o Bruno jogando, ainda antes de escurecer. Comprei os jogos que eu queria jogar e mais uns três pra eu e ele jogarmos juntos. Entre os de a gente jogar junto, está Marvel vs. Capcom 3, um jogo de luta. Descobri esse jogo por acaso na net e achei da hora. Enquanto a gente jogava, chovia, e logo a tarde virou noite, porque o negócio foi meio forte.

O Bruno é bom em muitas coisas. Na verdade, acho que ele é melhor do que eu em praticamente tudo, menos em vídeo game. Não sei se é porque ele estava escolhendo uns personagens que não tinham nada a ver um com o outro pra formar equipe, ou se estava enfrentando dificuldades pra fazer os golpes especiais, mas eu estava o vencendo sem muito esforço. E ele não ganhava uma. E ele começou a ficar nervoso, e eu comecei a achar graça, e ele começou a ficar puto, até que... puft, a luz acabou por causa da chuva. “Vai, babaca, bem feito!”, ele disse, todo nervosinho. “Bem feito por que, animal? Só porque eu tava te destruindo?”. “Cala a boca, Daniel”. Estávamos imersos na mais profunda escuridão. A luz da rua inteira parecia ter acabado. Ouvindo o que ele disse por último, joguei meu corpo sobre o dele (estávamos deitados). Comecei a fazer cócegas nele e a imitá-lo com deboche e ele foi ficando cada vez mais puto — Bruno odeia que façam cócegas nele. “Sai, Daniel!”, ele dizia, esperneando, e eu em cima dele feito o capeta, insistindo nas cócegas. “Saaaaai!”, ele urrou, e eu respondi: “Sssss! Ah, que moleque gostoso, meu senhor! Grita mais forte, vai!”. Eu estava era achando o máximo vê-lo bravinho daquele jeito, por isso continuei. Me debrucei sobre ele e prossegui com a tortura, e ele só falando “Para! Para! Para!”, cada vez mais puto, até que aos poucos a voz dele foi enfraquecendo, falhando e os “Para!” começaram a vir entre soluços: Bruno estava chorando. Quando percebi isso, parei imediatamente o que eu fazia e perguntei, espantado: “Que foi, cara? Por que cê tá chorando?”. “De ódio!”, ele respondeu, me afastando com um safanão desajeitado.

Na hora me bateu um remorso seguido de um constrangimento horrível. Não sei explicar muito bem, mas sabe quando você está super empolgado fazendo alguma coisa e de repente algo te “corta” e você perde completamente a alegria de viver? Foi mais ou menos o que aconteceu. Quando me dei conta de que Bruno estava chorando de tanta raiva que eu fiz nele, me debrucei sobre ele novamente, abraçando-o da forma como consegui, repetindo feito um retardado: “Desculpa desculpa desculpa desculpa me perdoa foi sem querer me perdoa Bru por favor não chora desculpa desculpa”, e o enchia de beijos por todo o rosto, pescoço, cabelos, ombros, testa, onde quer que acertasse; e balançava pra cá, e balançava pra lá, e a chuva despencando lá fora. “Me perdoa, cara, por favor, eu não queria te chatear”, eu continuava, e ele: “Para, Daniel”; e eu: “Então diz que me perdoa e para de chorar?”; “Eu já parei”; “Então me perdoa?”; “Para, Daniel, não foi nada”; “Bruno, diz que me perdoa senão eu não vou ter paz na vida nunca mais”; “Daniel, para, que eu tô ficando de pau duro aqui”.

Vincent (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora