Entrada LIV

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Na manhã do dia 13 de fevereiro de 2013, este arquivo de computador foi encontrado e lido pela primeira vez. Nele, a polícia encontrou evidências que levavam a crer que o responsável pelo assassinato de Daniel Braga Vicentin fosse Lúcio Gallo Mendonça. Após investigações, baseando-se nos relatos fiéis contidos no diário de Daniel, a polícia conseguiu identificar e desarticular a quadrilha que administrava o clube clandestino de prostituição do qual Lúcio é acusado de ser mandante e libertar as garotas de programa, que eram reféns da quadrilha. Quatro pessoas foram presas. Lúcio está foragido desde então. O corpo de Daniel, encontrado por catadores em um aterro sanitário, foi cremado e suas cinzas foram espalhadas pela praia da cidade de Atma por seu amigo Bruno, assim como aconteceu naquele filme dos caubóis viados, só que na montanha.

TE PEGUEI! HAAAAHAHAHAHA!

Fala, cadernooo!!! EU TÔ VIVO, CARA! VIVOOO!!! SOBREVIVI À MINHA ÚLTIMA MISSÃO! HAAA!!!

CARA! Que loucura, meu, que loucura! Ó, a noite passada deve ter sido a mais intensa da minha vida. Sério. E olha que eu já tive muitas noites intensas pros meus poucos anos de idade. Muita adrenalina na veia, caderno. Senta aí que eu vou te contar desde o começo.

Bom, como eu disse aqui anteontem, poupei umas partes técnicas do meu plano porque eu não sabia se hoje eu acordaria comendo capim pela raiz, mas aqui está: conversando com o pessoal do grupo (aquele GPs em Taigo), descobri quais são os hotéis que o pessoal mais usa aqui em Taigo. Escolhi um dos mais baratinhos porque, pra servir pro fim que eu precisava, não podia ser nada de muito chique ou minimamente frequentável, não: quanto mais vagabundinho, melhor. Encontrei um lá nas imediações do centro da cidade mesmo e fiz minha reserva. Essa era a primeira parte do plano: montar a cena do crime.

Esperei anoitecer e, lá pelas seis, saí de casa. O Bruno estava mais nervoso do que eu, coitado: ficava andando de um lado pro outro, entrando e saindo do quarto dele enquanto eu me arrumava no meu. “Relaxa, Bru, vai dar tudo certo”, eu dizia, tentando acalmá-lo. Mas ele estava inacalmável. Terminei de me vestir e ele se sentou no sofá da sala, cobrindo a boca com as duas mãos. “Isso é uma missão suicida, Daniel”, ele disse e eu sabia que ele tinha razão. Parei em frente a ele e me ajoelhei. Segurei os pulsos dele e disse com toda minha verdade: “Eu vou voltar. Confia em mim”. Não dava pra confiar em mim, eu sabia. Ele se levantou e eu também. Nos abraçamos forte, como se estivéssemos nos despedindo pela última vez. “Me dá notícias”, ele pediu. “Pode deixar...”. Afastei meu corpo do dele e segurei seu rosto com as minhas duas mãos. Os olhos dele pareciam os de uma criança assustada e chorosa. Sorri, tentando trazer algum conforto. “Te amo”, eu disse serenamente, mas não sei se o efeito foi muito certeiro, porque os olhos dele se encheram de lágrimas que não caíram. Ele meneou a cabeça e nós trocamos um beijo rápido, mas muito sincero. “Também te amo”, ele respondeu num quase sussurro. Aí eu fui obrigado a beijá-lo pra valer, é claro, afinal não é todo dia que se encontra o Bruno com essa disposição pra falar o que eu quero ouvir. “Eu volto, tá?”, eu disse e ele balançou a cabeça mais uma vez. Saí de casa com o coração na mão por ter deixado o Bruno daquele jeito...

Eu havia falado com o Paulo e ele se dispôs a me ajudar com mais alguns detalhes. Ele tem uma câmera boa, coisa que eu não tenho, e carro, idem. Ele passou aqui em casa no horário que combinamos e me levou até o canil. Durante o caminho, imagine-se, ele fez um milhão de recomendações, todo paternalista. Mas a preocupação dele e do Bruno são perfeitamente justificáveis. Ficou combinado de ele me esperar do lado de fora do canil enquanto eu entrava e falava com o desgraçado. Enquanto isso, nos manteríamos em contato por telefone, caso algo inesperado acontecesse. E assim foi. Desci do carro, fui até a casa, interfonei, entrei, cumprimentei os caras da recepção e entrei — já devem ter gravado minha cara. Mais uma vez, eu estava lá dentro. Eram oito da noite. Caminhei com cautela, respirando fundo, contando cada passo, espreitando, querendo encontrar antes de ser encontrado. Madame estava conversando com uns coroas no meio dos sofás, mas não me viu. Vi Raquel se aproximando e, assim que me viu, ela arregalou os olhos e entreabriu a boca, não de susto, mas de alerta: “Ele está aqui”, li nos lábios dela. Meu coração já estava a mil por hora. Meu discurso já estava na ponta da língua. Só faltava encontrá-lo.

Vincent (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora