Fala, caderno...
Pois é. Eu já disse aqui que preciso de uma frase pronta pra deixar no topo da entrada quando as coisas de arrepiar os cabelos acontecem, né?... Sim. Hoje foi dia. Não vou nem alardear a notícia pra não tendenciar sua leitura dos fatos: vou contar naturalmente, até porque, olha, não dá nem pra colocar em palavras o que eu senti e ainda estou sentindo neste momento por causa do que você vai ler agora.
Falei que o coroa voyeur lá, JP, me ligou pra gente sair de novo, né? Falei sim, vi agora aqui. Pois bem. Marcamos de nos encontrar às nove da noite lá na Mesquita. Pontualmente, ele chegou, com o motorista (eu dei nome pro motorista? Não lembro). Dessa vez, ao contrário das outras duas, a gente conversou durante o percurso. Esse coroa me desperta sentimentos confusos. Quando o vi pela primeira vez, no dia da minha “avaliação”, senti um pouco de nojo. Nojo não físico, mas aquele nojo interior, sabe? E creio que senti isso porque senhores de idade avançada com gostos sexuais excêntricos meio que me fazem sentir isso naturalmente. Depois, passei a sentir dó, porque o velhinho tá bem decadente, coitado. Fiquei viajando no pensamento e pensando que talvez ele gostasse de ficar montando casalzinho de prostituto e prostituta pra suprir a falta de atividade sexual da vida dele, já que, certamente, atividade sexual inexiste há muitos anos pra ele. Dessa terceira vez, eu senti... sei lá, compaixão; porque, pela nossa conversa, ficou muito claro que ele é extremamente solitário. Ele tem uma funcionária pra fazer as coisas da casa e outra pra dormir com ele à noite, caso Deus me livre algo aconteça. A família o abandonou ou não liga pra ele (não entrei nesse mérito da discussão). Sei que fiquei com vontade de dar um abraço nele... Ah, ele não é gay, não sei se ficou claro. Ele poderia ser meu vô, cara. Imagina que triste viver nessa solidão absoluta. Mas ele não falou nenhuma dessas coisas que eu tô te falando em tom de lamúria ou reclamação, não; é só a história da vida dele, mesmo.
Chegamos. O motorista estacionou no mesmo lugar novamente (e eu ainda não fazia ideia de que lugar era aquele na cidade; não saberia chegar nem sair dali). O motorista (vamos chamá-lo de James, pra manter a tradição) tocou o interfone e entramos após identificação. Dei o braço ao JP pra ajudá-lo a se locomover e, dessa vez, ele aceitou, dando um sorriso de vovô. Passamos pela recepção direto. Os mesmos dois engravatados, um na segurança e o outro atrás da mesa, estavam lá. Devem ter gravado meu rosto. James voltou pra trás e eu e JP passamos pela porta de madeira nobre protegida pelo cidadão mal encarado.
Lá dentro, o clima era exatamente igual àquele da outra vez em que estive lá: homens engravatados acima de cinquenta anos bebendo, jogando sinuca, ou snooker, outros no bar, garotas jovens desfilando risonhas pra lá e pra cá com pouca roupa, algumas sentadas nos sofás de couro rindo caudalosamente de algo que seus senhores diziam enquanto fumavam seus charutos importados, aquele jazz insistente tocando ao fundo e, se aproximando a passos lentos, Clarissa, que sorriu discretamente quando me viu. Como ela estava linda! “Você está disposto hoje, Vincent?”, JP perguntou, se inclinando um pouco pra chegar mais perto do meu ouvido. “Sim...? Por quê?”, respondi. “Porque eu quero ver uma coisa diferente hoje”.
Esses coroas têm uns conceitos de “comum” e “diferente” que me preocupam. Achando que dava pra confiar no velhinho, não questionei nada, só mantive os olhos parados em Clarissa o tempo todo. Ela estava no bar, tomando uma taça de qualquer coisa, mas não estava sentada; estava apoiada no balcão dividindo sua boca entre o que bebia e o que falava rapidamente com o barman, como se estivesse atrasada para um compromisso. Se não entendi mal, o compromisso dela era sempre com o JP, quando ele estava lá. Deixando a taça sobre o balcão em que estava apoiada, Clarissa veio ao nosso encontro fingindo um sorriso, diferentemente das demais garotas que por ali circulavam. Cumprimentou-nos com um beijo no rosto de cada. “Como posso ser útil essa noite, JP?”. Tem alguma coisa diferente nessa menina, caderno; no olhar, no jeito de falar, de andar... Não sei o que é, mas ela parece estar numa órbita diferente das outras garotas da casa. “Você tem alguma amiga disponível agora?”, JP perguntou com sua voz rouca, tentando soar mais alto do que o burburinho. Clarissa respondeu afirmativamente, sem entender muito bem a pergunta. “Você quer escolher, Vincent?”, perguntou a mim, que também não entendi. Trocamos todos uns olhares de incompreensão, depois JP me explicou: “Quero te ver com duas garotas!”, e fez o número dois com os dedos em tom desafiador. O vovô tava a fim de ver o bicho pegar. Olhei pra Clarissa tentando procurar alguma reação, mas ela permanecia encantadoramente indiferente. “Eu prefiro deixar a Clarissa escolher alguém”, respondi. Senti-a me agradecer com os olhos. “Me deem um minuto”, ela pediu, saindo de cena. JP parecia bastante empolgado. Tenho certeza que era ele que queria estar no meu lugar, não só observando. Clarissa foi buscar alguém entre suas colegas pra participar da nossa atividade. Creio que qualquer mancebo da minha idade estaria com os ânimos nas alturas por estar prestes a transar com duas meninas, mas os meus estavam bem baixos. Aquele ambiente claustrofóbico, o olhar misterioso da Clarissa e a realidade triste do JP me faziam encarar aquilo de maneira estritamente profissional, porque satisfação pessoal eu teria pouca. Logo Clarissa voltou com uma moça que parecia mais jovem que ela. Também era bonita, mas Clarissa chamava muito mais atenção do que ela. “Essa é a Raquel”, apresentou-nos. Raquel era mais baixa, magra e desinibida do que Clarissa. Sorria o tempo todo. Depois de devidamente apresentados, fomos pro mesmo quarto em que ficamos na primeira vez. O processo foi quase o mesmo: fizemos aquele percurso longo e estranho até o quarto, entramos, a porta foi trancada, JP se sentou se apoiando em sua bengala, pediu que ficássemos à vontade e começamos.
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Vincent (romance gay)
Fiction générale::: LIVRO COMPLETO ::: Daniel é um jovem de vinte e um anos que mora com a mãe e com o novo padrasto em um bairro de classe média da cidade fictícia de Taigo. Daniel leva uma vida tranquila, mas essa tranquilidade logo é abalada quando o jovem per...