Entrada XIII

2.5K 262 11
                                    

E aí?

Deixa eu te dar um aviso. Acho que você já sabe, mas vou dizer mesmo assim. Lembra que eu falei que tava com medo de alguém te pegar e descobrir as coisas que eu te conto e que ia até comprar um cadeado? Não, relaxa; ninguém te pegou e nem comprei um cadeado, mas resolvi abandonar sua versão papel e te usar em versão tela. Estou te digitando agora. Meu PC tem senha, acho que é mais seguro... Já até arranquei suas folhas escritas (digitei tudo aqui antes, é claro). Não vou te chamar de “Word” nem de “Bloco de notas” porque esses nomes são muito feios. Por mais que você não seja mais um, vou continuar te chamando de Caderno, pode ser? Mas não se preocupa: o sentimento continua sendo o mesmo — talvez até ainda maior, hein? Não sei se reparou, mas eu tenho te usado mais ultimamente. Te usar em versão teclado é melhor, que eu digito rapidinho e não fico com a mão doendo, aí dá pra gente conversar mais, tá bom? Obrigado pela compreensão ♥

Estava dando uma lida aqui nas últimas entradas e vi que fiquei de falar da minha mãe, né? Me esqueci completamente; eu poderia ter vindo cá mais cedo. Mas beleza, faço isso agora. A gente se encontrou de novo, no mesmo lugar: Burger King do shopping. Embora eu esteja “autorizado” a visitá-la na ausência de Lúcifer, digo, do Lúcio, eu me recuso a pisar naquela casa. E, coincidentemente o bastante, era sobre isso que ela queria falar. “O Lúcio mudou, filho”. Eu não sei por que, mas ouvir isso me deu uma raiva... Como minha mãe é babaca, cara! “O cara que te agrediu verbal e fisicamente e chutou seu filho pra fora de casa mudou. É isso que você tá dizendo?”, perguntei incrédulo e muito irônico. “É... Ele tá conseguindo largar a bebida [como se isso mudasse alguma coisa] e tem ido à igreja comigo [como se isso mudasse alguma coisa]... e disse que está arrependido [como se isso mudasse alguma coisa]... E eu sinto tanto a sua falta...”. Minha raiva por ela deixar esse cara fazer isso com ela era tanta que eu não conseguia nem sentir falta dela, caderno. Sabe aquele amigo que sai da sua vida de uma hora pra outra e, por mais que na hora você fique abatido, depois você praticamente esquece que um dia ele existiu? Minha mãe está sendo esse amigo pra mim. “Você não denunciou esse desgraçado, mãe?”, perguntei. “Vou denunciar pra quem, meu filho? Ele é o delegado”, ela respondeu murmurando. “Delegacia da mulher, mãe”. “Melhor deixar isso pra lá, não foi tão grave ass--” “FOI MUITO GRAVE, SIM!”, interrompi, quase gritando. Essa discussão não foi muito longe. Minha mãe omitindo as agressões e aquele desgraçado ficando impune. Isso só me faz ter mais ódio e mais vontade de acabar com a vida dele. O ruim de encontrar a minha mãe é isso: ela começa a falar do Lúcio e minha boca espuma de ódio, de desejo de vingança... E ela defendendo. Mas a cereja do bolo foi esta: “Eu não conversei sobre isso com ele ainda, mas estava pensando em falar com ele sobre você voltar lá pra casa...”. Eu ri. Ri alto, de virar a cabeça pra cima, bater com as duas mãos na mesa e pedir pra ela contar outra. “Isso só pode ser piada, né? Mas conta uma mais legal agora, que essa foi de muito mau gosto”. Aí ela ficou parecendo que ia chorar e eu parei de provocar. Perguntei se ela tinha procurado um psicólogo pelo menos e ela disse que não. Ela não estava fazendo absolutamente nada; tava nisso sozinha. E eu sentia raiva dela por isso. Depois ela me perguntou se eu já tinha arrumado um emprego e eu disse que não, mas que estava procurando. Tive vontade de falar que tipo de serviço eu ando fazendo, mas eu sei que isso ia deixá-la ainda mais pra baixo, então não falei nada; disse que só procurava e não encontrava, ainda. Ela me ofereceu dinheiro de novo e eu recusei. Mesmo ela tendo o dinheiro da pensão dela, quero distância.

E foi isso. Depois dessa conversa, resolvi que iria me arriscar nessa de prostituição mesmo e que se dane. O que eu tinha a perder eu já perdi, agora é hora de eu caminhar com as minhas próprias pernas e me reconstruir, seja lá qual for o caminho. Tô muito bem morando aqui com o Bruno, não estou passando fome, tenho roupa pra vestir, saúde, disposição... Se tudo ocorrer como estou trabalhando pra que ocorra, com o dinheiro dos programas eu vou conseguir me manter, manter a faculdade, ajudar aqui em casa e voltar a guardar um pouco de grana (minhas reservas secaram este mês). Tenho fé que vai dar tudo certo.

No dia seguinte ao do encontro no shopping, pedi pra colocar meu anúncio no jornal por mais sete dias, e agora estou deixando o celular de negócios ligado o tempo todo. Dois dias depois de eu ter renovado o anúncio, ontem, me ligou um cara querendo marcar programa a três: eu, ele e a mulher. Não ficou claro como vai ser, mas confesso que fiquei satisfeito: já estava sentindo falta de uma genitália feminina! Tomara que seja uma das boas. Depois eu volto aqui e conto como foi; vou tomar banho e dormir agora. Falou.

Vincent (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora