Entrada XV

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E aí?

Fiquei de contar a história da janta, né? Deixa eu contar logo antes que eu me esqueça. Às vezes eu penso que já contei as coisas aqui, depois me lembro de que só pensei em contar e não contei. Depois do programa com o casal voyeur, passei na padaria e comprei as coisas pra fazer uma torta aqui em casa, já que não ia ter aula pra mim. Chegando em casa, o Bruno tava tomando banho. Deixei as coisas na cozinha e fui pra área de serviço jogar uma água no corpo, que dessa vez não teve banho depois da transa, não. Fiz minha molhança lá, só escutando o Bruno cantar ópera debaixo do chuveiro (o gosto musical dele é meio apurado. E o filho da mãe canta direitinho). Fui pro meu quarto e troquei de roupa; fiquei só de regata, bermuda e chinelo, apesar do frio que tem feito ultimamente. Fui pra cozinha e lavei a louça que tinha lá. Ia esperar o Bruno sair do banho pra ver se ele já estava com fome e começar a arrumar a comida. Enquanto eu lavava a louça, ele saiu do banheiro já todo encapotado. "Não tá com frio não, mané?", ele perguntou. Eu ainda estava com o corpo quente por causa do sexo e porque vim andando da padoca até aqui. Respondi que não e acrescentei que ia ficar em casa e preparar o jantar. Beleza. Ficamos conversando sobre qualquer coisa. De repente, meu celular toca. O de marcar programa. Vendo que eu estava com as mãos cheias de sabão, mais do que naturalmente, o Bruno foi até meu quarto buscar o aparelho pra mim.

Cara, me subiu um frio na barriga e um medo de ele atender e descobrir meu esquema que eu avancei em direção a ele falando um "não!" e empurrei ele pra cair sentado no sofá e não chegar no meu quarto. Só ouvi ele gritar um "Ou!!!" lá da sala e entrei no quarto e tranquei a porta. Limpei o sabão na bermuda mesmo e fui atender. Era o Bartô! Disse que ia ligar de novo e ligou mesmo! Fui um tanto lacônico e ele entendeu que aquele não era o melhor momento pra gente conversar. Eu disse que depois ligava e ele consentiu. Desligamos e eu voltei pra cozinha. "Tá louco, meu? Só ia trazer o telefone pra você!", Bruno esbravejou com razão. Foi instinto. Dei um beijo no ombro dele e me desculpei. E, cara, naquela hora me deu um puta peso na consciência de estar fazendo aquilo escondido, ainda mais do Bruno. E eu não sei fazer nada escondido: cedo ou tarde dá merda. Então aproveitei a oportunidade e decidi contar pra ele o que tava rolando.

Bruno estava sentado à mesa tomando coca, só me fazendo companhia. "Tenho uma parada pra te contar", eu disse. Ele olhou pro meu rumo e fungou, querendo saber o que era. Como eu também não sou muito bom em fazer rodeios, mandei na lata: "Eu tô fazendo programa, cara". Ele ficou me olhando em silêncio e eu olhando pra ele esperando uma resposta. Naquele momento eu senti vergonha dele... Não do que eu estava fazendo, mas da confissão. Sabe criança quando admite que aprontou uma? Tipo isso. "Que brincadeira é essa, Dan?", ele perguntou sério. "Não é brincadeira", respondi. "Não, velho, não é possível. Você fumou esterco? Bateu a cabeça?". Cara, o Bruno é uma figura muito... peculiar; não tem como não amar esse moleque. Ele tem a voz meio grossa, um timbre bonito, mas acho muito engraçado quando ele fica sério assim; ele fala todo machinho — assim: ele quase não dá pinta; quem conversa com ele percebe, mas não é nada de extravagante. Mas é engraçado quando ele fica sério. "Eu tô precisando de grana e não encontro emprego, você sabe", me defendi. "Meu, se vira! Vende bala do semáforo, aceita o dinheiro da tua mãe!". "Nem pensar", interrompi. "Cara...", ele levou a mão à testa e ficou lá todo inconformado. Fiquei sem entender por qual dos muitos possíveis motivos ele reagiu assim, mas não tentei me justificar, porque ele estaria mais certo do que eu em todo caso. "Desde quando cê tá mexendo com isso?", ele perguntou me encarando de novo. "Há pouco tempo; só atendi dois clientes até agora". "Daniel, você tem noção do quanto isso é perigoso?". Na verdade não tenho muita, mas respondi que sim. "Você pode pegar uma doença, pode ser agredido, podem querer te forçar a fazer coisas...! Você tem noção de quantos velhos nojentos vão te procurar?" — isso eu tinha — "...de quantos adultérios você vai ajudar a cometer?" — disso eu não tinha — "...de quantas portas podem fechar pra você se te descobrirem um dia?". Ele tava certo; não tinha o que refutar. Fiquei tentando me fazer entender, mas é fato que minhas desculpas são esfarrapadas; no final das contas eu quero é o dinheiro rápido na minha mão.

A conversa não se estendeu muito além disso. Ele não falou nada em tom de censura ou moralização; vi que ele tava preocupado com a minha integridade mesmo. Assegurei que ia tomar meus cuidados e que ia ficar tudo bem. Ele disse que não ia se meter, que a minha vida não é da conta dele, e agradeceu por eu ter contado. Bruno agradece por qualquer motivo. Acabou sendo mais fácil do que eu imaginei.

Encerramos o assunto. Fiz a torta, ficou maneira. Comemos assistindo filme de terror B, olha que combinação. Zumbis comendo cérebro, nós comendo torta. Antes de dormir, liguei pro Bartô. Ele queria me ver no final de semana, que a esposa dele estaria viajando pra um simpósio. O que o Bruno falou era certo: eu estava ajudando o coroa a trair a mulher, cara. Que merda... Mas eu não podia pensar essas coisas, senão não faria mais programa nenhum. Marcamos no sábado à tarde. Aproveitei e criei uma conta no Face. "Vincent GP" — descobri essa sigla por acaso dia desses. Deixei lá minhas informações físicas e meios de contato. Amanhã devo atualizar o blog e colocar mais umas fotos. Mais dois programas e eu já consigo pagar minha parte das despesas de casa. Depois vou ter que ver como vou fazer pra me virar com a faculdade... Pra falar a verdade, acho estou começando a considerar a possibilidade de trancar minha matrícula. Porque olha só: eu só tenho podido atender até as sete da noite, quando vou pra aula, e a maioria das pessoas trabalha o dia todo, então eu estou estudando justamente no horário em que eu, tecnicamente, teria mais clientes pra atender... Mas sei lá; tenho medo de estar entrando nisso e isso ser um buraco de onde eu não consiga sair depois. Eu preciso de um plano. “De um plano” assim: preciso encontrar uma meta, uma linha de chegada, porque é óbvio que eu não quero seguir carreira de garoto de programa, né? Fala sério. Quero estudar; curto o que faço e quero ganhar dinheiro por meios mais... ahm... dignos? Não gosto dessa palavra; me faz sentir “indigno” pelo que estou fazendo, e não quero pensar assim. Apesar de que, depois que contei pro Bruno, meio que fiquei com isso na cabeça, sabe?, em relação a ele. O cara virou meu melhor amigo depois que eu vim morar com ele, poxa. Não quero que ele sinta nojo de mim ou que me ache sujo ou sei lá o que. Fiquei com o pé um pouco atrás de as coisas mudarem entre a gente... Espero que seja neura minha.

Acho que isso é tudo. Preciso começar a postar as coisas aqui quando elas acontecem. Fico deixando pro dia seguinte ou pro próximo e, às vezes, me perco nos fatos e posso acabar esquecendo de alguma coisa... Tá vendo como eu me preocupo contigo, caderno? Quero que você esteja ciente de tudo. O Bruno é meu melhor amigo, mas você é meu maior confidente; não precisa ter ciúmes. Vou tirar uns dias de descanso de você porque tenho uma pá de coisas da faculdade pra resolver, mas fica tranquilo que eu volto logo logo, ok? Ok. Vou dormir agora. Em breve a gente se fala. Um abraço!

Vincent (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora