Entrada L

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Bom dia, caderno!

Tudo bem com você? Comigo tudo bem, graças a Deus. Hoje tem coisa pra contar, hein? Fica ligadinho aí e me acompanha.

Primeiramente, parabéns para mim. Meu aniversário anteontem. 22 anos muito bem vividos (?). Ok, bem vividos não sei, mas bastante emocionantes, isso sem dúvidas. Ontem teve festa lá na casa do Felipe e sexta-feira eu fui pra casa da minha mãe. Ia passar aqui anteontem mesmo, mas não estava com vontade, e devia ter vindo ontem também, mas bateu aquela preguiça pós-festa e eu desisti, então cá estou, agora, nesta ensolarada manhã de domingo, pra te manter a par das coisas. Segundamente, minha mãe me ligou na quarta pra saber se eu tinha planos pro meu aniversário e eu disse que sim. O Felipe, logo na segunda semana do mês, já veio me chamar pelo Face pra dizer que teria festa do meu aniversário na casa dele no sábado, dia 19. Não tive chance de negociar nem recusar, mas acho que não o faria, mesmo se tivesse. Felipe e a irmã dele são chegados a uma festa e eu também curto, então não tinha do que reclamar, né? Pois é. Dona Leonor me ligou pra saber dos meus planos e disse que eu deveria passar lá em algum dia da semana, que, no caso, foi sexta-feira. Disse que faria um almoço e, agora que eu era bem-vindo à casa novamente, que a gente poderia passar algum tempo juntos, assistindo a um filme ou fazendo qualquer coisa. Também disse que, além de tudo, tinha uma “surpresa” pra mim, o que me deu calafrios, porque essa tal de “surpresa”, vindo da minha mãe, geralmente nunca é coisa boa. Em todo caso, aceitei o convite e disse que ela poderia me esperar para o almoço na sexta-feira. Me programei pra não atender de sexta a domingo e ter tempo de fazer todas as atividades que agendaram pra mim. Coisa boa é ser o centro das atenções de vez em quando, fala sério.

Dada a hora do almoço, na sexta, fui pra casa deles me sentindo o bom filho que à casa torna (não). Toquei a campainha e logo minha mãe apareceu, toda radiante (disso eu não posso reclamar mais: de um tempo pra cá, aquela vibe depressiva dela desapareceu completamente. Ou o desgraçado não anda mais batendo nela (e assim espero) ou o problema com alcoolismo dele está mesmo cedendo ou ela está ultra feliz porque acha que nós fizemos as pazes e somos papai e filhinho de novo ou não sei o que. Seja lá qual for o motivo, que assim continue, pelo menos até ela descobrir que ele é um mafioso): “Oi, meu amor!”. Nos cumprimentamos com um abraço e acho que vê-la feliz me deixou feliz, de certa forma. Eu não tenho muita paciência com a minha mãe, você sabe, mas de vez em quando rolam uns momentos de ternura sincera. Entramos e ela foi logo me dando os parabéns, me desejando felicidades e tudo de bom e aquela coisa toda. Agradeci educadamente, meio sem graça, e fomos até a cozinha, onde, adivinhe: o desgraçado nos esperava. Acho que algo no fundo de mim, do alto da minha santa inocência, pensou que ele não fosse almoçar em casa, mas agora, analisando bem, é óbvio que ele estaria em casa no almoço do meu aniversário. Se eu tivesse pensado nisso, talvez tivesse me preparado melhor psicologicamente. “E aí, filhote?”.

Vamos parar aqui um segundo. Caderno: o desgraçado me chamou de “filhote”. “Filhote”. O que isso quer dizer? Na hora eu fiquei tipo muito puto, porque, meu, “filhote”? Eu preferiria morrer a ser filho desse desgraçado, mas agora eu tô pensando: será que isso é um bom sinal? Ou ele estava simplesmente sendo falso em frente à minha mãe, como de costume? Porque “filhote” pode ser qualquer animal em fase inicial de vida ou um diminutivo diferente pra “filho”. Em qualquer uma das situações, o que isso quer dizer? Ou eu fui ingênuo demais pra perceber um possível sarcasmo que só eu e ele entenderíamos? Ou ele falou isso porque eu o chamei de “papai” da última vez — embora o cinismo no meu “papai” tenha sido indiscutivelmente claro —? Não sei. Fica a dúvida. Se você tiver uma segunda opinião, me fala.

“E aí, Lúcio?”, cumprimentei, sem graça. Eu demoro algum tempo pra ativar o “modo dissimulação”; antes disso eu sempre fico constrangido. “Parabéns, rapaz”, ele me cumprimentou com aquele abraço que você já sabe como é e, de quebra, me deu um beijo no canto da boca. Filho de uma puta, caderno; filho de uma puta! Senti meu rosto queimar de vermelho. Não retribuí o beijo; só sorri e agradeci. “O almoço já tá pronto, Dan; a gente só tava te esperando”, minha mãe disse. “Tá... Vamo’ comer então”. Nos sentamos à mesa como a típica Família Margarina e fomos comer. Minha mãe fez bife à parmegiana com batata frita e, ó: estava di-vino. Como sempre, comi o bastante pra me manter satisfeito por dois dias. Eu e o desgraçado trocamos uns olhares durante o almoço, e o interessante é que, assim como eu, ele sabe que minha mãe é meio idiota e não pega as coisas no ar. E, ciente disso, ele, por debaixo da mesa, começou a roçar a perna na minha. Estávamos eu e minha mãe um de frente pro outro e o desgraçado ao nosso lado. Quando senti a perna dele na minha, enrijeci meu tronco na mesa, com o susto e com medo. Ele sorriu e me olhou de soslaio. E minha mãe falando, falando, falando. E, cara, eu não sei se é presunção minha ou se esse desgraçado é mesmo fácil de fisgar, mas eu sinto que estou progredindo muito rápido no meu plano de “sedução”. Eu acho que não vou precisar me fazer de apaixonado coisa nenhuma: conseguir levá-lo pra cama vai bastar, e, pelo visto, não vai ser difícil fazer isso acontecer.

Vincent (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora