Boa noite, amiguinho.
Como estamos? Tudo tranquilo? Que bom; por aqui também vai tudo muito bem, embora eu ainda esteja sem novidades em relação ao Caso Desgraçado. Mas não estraguemos nosso dedo de prosa com um assunto tão desagradável assim logo de cara.
Hoje foi um dia atípico. Como falei aqui há algumas entradas, minha mãe se hospedou na casa da minha avó pra ficar livre da imprensa, que não tirava o pé da outra casa. Como já tem quase duas semanas que isso aconteceu, o pessoal da mídia deu um tempo e já parou de ir lá. Daí anteontem minha mãe me ligou. Depois do dia do julgamento, a gente não se falou mais, porque, você sabe, diálogo entre mim e a minha mãe é algo complicado. Muito para minha surpresa, o que ela queria era: que eu voltasse pra casa pra ficar lá com ela, que ela não queria ficar sozinha, e lá na minha avó também não tem as coisas dela e ela não quer incomodar.
A princípio eu pensei em recusar, mas, depois, pensando bem, fiquei com dó e resolvi aceitar. Não ia me custar nada mesmo, ia? Só que é foda, né? Tipo, dó é um sentimento ruim de sentir pelos outros, ainda mais pela minha própria mãe. E não é nem compaixão, não, é dó mesmo.
As férias que eu tinha me dado já acabaram, não sei se cheguei a comentar. Essa semana mesmo eu já voltei a atender. O ruim de estar aqui na casa dela é que fica meio fora de mão pra chegar na Mesquita, mas nada é perfeito. Vim pra cá anteontem mesmo e cá estou. Não sei até quando vou ficar, mas não tô com pressa de ir embora. Mas não é disso que eu quero falar, não; quero falar das conversas que a gente teve.
Voltei a atender, mas ainda não voltei com "carga total", por assim dizer. Ando meio seletivo, pra falar a verdade. Pra falar a verdade de novo, eu tô ganhando mais do que eu preciso pra passar bem, então tenho me dado o direito de ser mais seletivo quanto a quem/quando vou atender. Desde que comecei a atender, já tenho minha clientela, e parte dessa clientela é meio que regular, como o Bartô, por exemplo, e isso é bom pra mim, porque me permite administrar meu tempo de acordo com a minha vontade. Por isso, tenho preferido os clientes mais cativos aos que me ligam pela primeira vez e só querem transar uma vez e nunca mais. Como consequência disso, tenho mais tempo pra fazer as coisas que eu quero. Mas isso também não vem muito ao caso, é só pra você entender o porquê de eu andar tendo tanto tempo livre. Me instalei aqui na casa e, desde então, tenho passado um tempo razoável com a minha mãe, conversando, indo ao mercado, ajudando com as coisas da casa ou simplesmente fazendo nada.
Em um desses momentos de fazer nada, enquanto assistíamos TV na sala, ela me contou: "Me chamaram pra depor semana passada". Isso quis dizer que ela foi ao tribunal semana passada e falou sobre o caso enquanto testemunha do desgraçado. Um adendo: nós não voltamos a falar sobre o fato de que eu tinha ido pra cama com ele. "E aí?", perguntei. Ela suspirou. Fazia tempo que eu não via minha mãe daquele jeito. Há menos de um mês ela andava toda feliz, acreditando que eu e o desgraçado tínhamos feito as pazes e estava tudo bem; agora, de uma hora pra outra, essa história toda veio à tona e, olhando pra Leonor, é como se eu visse novamente aquela mulher derrotada da qual eu falava aqui nas primeiras entradas. "Não tinha muito o que falar, não é?", ela respondeu. E é verdade: não tinha mesmo, a não ser que ela estivesse disposta a mentir ou inventar alguma coisa pra defender o desgraçado, coisa que não aconteceu. Ficamos conversando sobre isso - pisando em ovos, é claro, porque com a minha mãe tem que ser assim. Pelo que ela me contou, à maioria das coisas que perguntaram a ela a resposta era "Não sei; Eu não sabia; Nunca ouvi falar". Ou seja, o depoimento dela serviu muito mais pra incriminar o desgraçado do que pra inocentá-lo. Ela também me falou que foi visitá-lo no quartel e, adivinhe, ele fez tudo parecer uma grande conspiração minha contra ele.
O que mais me surpreendeu, contudo, é que, dessa vez, pelo menos dessa vez, ela ficou do meu lado. Dá pra acreditar nisso? "Lúcio, não dá pra acreditar na sua inocência... Você viu as provas que eles arrumaram contra você? Você ouviu o que você disse pro Daniel naquela confissão?" - ela me disse que argumentou essas coisas com o desgraçado na visita. Confesso que fiquei boquiaberto. Minha mãe me defendendo! Você crê nisso?! Os tempos mudam. Ainda bem. E, no final, a conversa se encerrou em: "Você estava certo... Eu me casei com um monstro". BOOM! Praticamente uma trombeta do apocalipse isso. Precisou o desgraçado ir preso e ser julgado pra minha própria mãe finalmente acreditar no que eu digo. Francamente, viu? Se eu soubesse que ia ser tão difícil... Mas enfim consegui. Agora vamos à outra conversa.
Como eu estou aqui desde anteontem, sendo hoje o terceiro dia, eu já estou tipo morrendo de saudade do Bruno. Sim, não deu tempo, eu sei, mas eu tô com saudade mesmo assim. Como ele tá na faculdade de manhã e, às vezes, depois do almoço também, a gente tem se falado bastante por Whatsapp. Não telefono pra ouvir a voz dele porque isso já é romântico demais (não que eu não tenha pensado em fazê-lo, porém), mas, em contrapartida, estou sempre com o celular em mãos, conversando com ele. Numa dessas, estávamos eu e, novamente, minha mãe na cozinha fazendo janta quando ela me pergunta: "Com quem você tanto conversa nesse celular?". "Com o Bruno", respondi naturalmente. Ela fez alguns segundos de silêncio. "Faz tempo que a gente não fala sobre você...", ela constatou e é fato: eu e minha mãe rarissimamente falamos sobre mim; é sempre sobre ela ou sobre o desgraçado ou sobre qualquer outra coisa que não eu. "E vocês estão...?", ela não completou a frase, mas eu entendi o que ela quis dizer. Ela sabe que o Bruno é gay. Todo mundo sabe, na verdade, mas é que nem sempre nossos pais sabem essas coisas sobre os nossos amigos, especialmente o Bruno, que não era a pessoa mais próxima a mim antes disso tudo começar. "Não sei", respondi e a resposta é honesta, você sabe. "Mas existe alguma coisa entre vocês", ela afirmou interrogativamente. "Existe", respondi com naturalidade mais uma vez. Ela aquiesceu e voltou para o fogão, mexendo o arroz que cozinhava na panela enquanto eu... bem, fazia nada. "Eu nunca soube que você... tinha essas... tendências". Eu também não sabia até começar a fazer programa; não a culpo. "Não vou dizer que pra mim é novidade, porque não é mais", respondi, "mas, até antes de eu sair de casa, não rolava nada... Começou depois que eu passei a fazer programa". "E você não pretende parar?", ela perguntou. "Pretendo... Quero voltar a estudar também, mas queria arrumar um emprego bom antes disso". Enquanto a gente conversava, ela mexia nas panelas, de costas pra mim, e mantinha aquele tom neutro de voz. "Eu tenho algum dinheiro guardado. Se você precisar...", ela disse. "Não, eu também tenho; só não é o bastante pra pagar a faculdade e me manter", respondi. "Você não pode parar depois que se formar?", ela sugeriu. "Posso, mas, não sei, são mais pelo menos três anos até isso acontecer... Três anos me prostituindo parece muita coisa; não sei se quero manter essa profissão por esse tempo todo".
Bom, a conversa seguiu assim por algum tempo. Visualiza essa cena. Minha mãe cozinhando, estando o marido dela preso, e tentando encontrar meios de eu parar de me prostituir e conseguir outro emprego sem que isso prejudique meus possíveis estudos. Bem inusitado, não? Eu achei. Só não chegamos a conclusão nenhuma. Ela terminou de preparar a comida, jantamos, tentamos falar de assuntos mais amenos e, no final da conta, ficou tudo certo e nada resolvido. Antes de dormir, não resisti e tive que ter meu acesso romântico e ligar pro Bruno só pra ouvir a voz dele, sim. "Eu estava me segurando pra não fazer isso", ele admitiu, portanto, veja, ficamos elas por elas. Conversamos por alguns minutos antes de dormir e acho que daqui a uns dias eu devo voltar pra lá, que aqui na casa da minha mãe não é meu lar e a saudade está atingindo níveis estratosféricos.
E essas são as boas novas do reino; nada de muito emocionante acontecendo por enquanto, eu acho. Devo ficar aqui mais uns dois ou três dias, depois dou uma desculpa qualquer e volto pra casa. Enquanto isso não acontece, paciência. E solidariedade. Vou ficando por aqui, tá? - literalmente. Logo logo a gente se fala. Você se cuide. Abraço!
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Vincent (romance gay)
General Fiction::: LIVRO COMPLETO ::: Daniel é um jovem de vinte e um anos que mora com a mãe e com o novo padrasto em um bairro de classe média da cidade fictícia de Taigo. Daniel leva uma vida tranquila, mas essa tranquilidade logo é abalada quando o jovem per...