Entrada XXVIII

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E lá vem história de novo...

Eu ainda estou por entender quando foi, exatamente, que eu comecei a perder a cabeça, caderno. “Perder a cabeça” no sentido de que eu estou começando a falhar em me justificar pra mim mesmo. Sempre tenho uma explicação interna pra tudo que faço e penso, mas, ultimamente, eu já não tô conseguindo explicar nada. A história que eu vou contar agora, por exemplo, está repleta de eventos para os quais a explicação escapa pelos meus dedos. Vai acompanhando.

Tudo aconteceu de ontem pra hoje. Como você sabe, foi aniversário do Bruno. Até alguns dias atrás, ele não tava querendo fazer festa nem nada. Eu até pensei em comprar um bolo ali na padoca e cantar um parabém aqui pra ele, mas anteontem uns colegas dele/nossos da faculdade vieram aqui em casa e conseguiram convencê-lo a ir comemorar numa balada GLS que eles vão de vez em quando. Eu já fui uma vez, mas só uma, porque lá é caro pra entrar e achei o pessoal que frequenta meio esnobe. Mas o Bruno gostou da ideia, o pessoal tava animado e eu concordei também. Agora que tô fazendo um dinheiro bom, não me importaria de pagar caro pra entrar, até porque lá dentro mesmo eu não consumiria tanto, que eu não sou de encher a cara. Perguntaram se ele se importaria de chamarem o Otávio e ele disse que não. Eles terminaram amigavelmente. Não sei se ainda estavam conversando ou não, mas, apesar do que rolou, o Bruno não guardou mágoa nem nada, pelo que parece. Bruno tem um coração muito bom.

Quando foi ontem, dia da “festa”, combinamos de ir juntos e voltar juntos, pra rachar o táxi (ah, acabei dando um relógio que vi lá no shopping de presente. Ele comentou que estava querendo trocar o dele e eu achei boa ideia. Parece que ele gostou!). Tive que remarcar os dois programas que eu tinha agendados, mas não teve problema, afinal era aniversário do moleque e eu tinha que ir. Não que fosse minha obrigação, mas também porque eu tava com vontade, mesmo, de sair, distrair um pouco, dançar e tal. Como eu sabia que o lugar é chique, coloquei uma roupa mais da hora: uma camisa branca de manga longa com uns detalhes azul claro na gola e nas mangas que eu ganhei da minha mãe no meu último aniversário, calça jeans clara e um sapatênis que eu comprei no dia em que comprei o relógio. Fiquei gatinho, viu? O Bruno também tava bonito, de camiseta branca, blazer preto, calça cáqui e sapato. E o relógio. Ficamos de encontrar o pessoal lá. Ontem foi sábado. Quando deu mais ou menos dez da noite, chamamos o táxi e fomos. Ele parecia bastante empolgado. Bruno não é de sair muito, e, quando sai (geralmente eu tô junto), é mais pra barzinho, restaurante, cinema, coisa mais sossegada. Eu nunca tinha visto ele bêbado, eu acho. E vice-versa. Bom, fomos. E tô achando táxi muito caro nessa cidade. 30 contos pra ir daqui a ali! Absurdo isso. Mas não reclamei, né, era aniversário do cara; ele merecia a extravagância. Meridian, o nome da espelunca. “Espelunca” não: estabelecimento comercial, que lá dentro é legal, apesar do público que frequenta.

Chegando lá, não avistei ninguém conhecido de primeira. Ficamos procurando por um tempo, eu e o Bruno. Andamos pra lá, andamos pra cá, a galera riquinha espalhada por todo canto, dançando, pulando, bebendo, os bombados sem camisa — e preciso registrar a minha preguiça existencial de gente que tira a camisa em balada —, umas meninas muito bonitas me dando umas olhadas... Teve umas duas que me interessaram, mas eu não tava ali pra isso, então fingi que não era comigo — apesar de que, como a balada era gay, não sabia se elas eram lésbicas ou não, e, ainda que não fossem, elas provavelmente achariam que eu era gay, então, de qualquer forma, a noite não estava muito favorável pra mim. Fomos até o bar e pegamos uma bebida colorida que eu não sei o que era, mas que tinha um gosto muito bom. Dali a pouco um dos amigos gays do Bruno o chamou bem indiscretamente e nós fomos pra lá. Devia ter umas seis pessoas, mais ou menos, conhecidas. Estavam numa parte da balada em que tinha umas mesas, uns sofás, coisa de gente fina. Sentamos com eles. Eu conhecia quase todo mundo de vista, mas de nome (e de além-nome) eu só conhecia a Analice, que, lógico, haveria de estar presente, que ela e o Bruno são bem amigos. Um dos caras estava de mãos dadas com ela; devia ser o peguete da semana. Todo mundo nos cumprimentou. Ficamos lá sentados durante um tempo, conversando sobre tudo e nada ao mesmo tempo. Eu não sou muito bom em me localizar nessas reuniões sociais, porque sempre começam a surgir pelo menos dois assuntos paralelos e eu fico querendo participar de todos os assuntos e acabo não participando de nenhum. Fiquei no assunto que tava mais perto de mim, que não era o mesmo que o Bruno participava, porque ele estava no grupinho da Analice, do ficante dela e do amigo que o chamou quando nos encontrou.

Vincent (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora