Capítulo 26

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Anastácio observou a bela silhueta da mulher se mover ao se erguer sobre o lago iluminado, o cabelo da cor do fogo solto sobre os ombros e aos poucos a melodia hipnoticamente linda foi parando, deixando nada mais que o som da cachoeira ecoar na clareira, e mesmo esse som parecia distante aos ouvidos de Anastácio quando a mulher sorriu, dizendo em tom amigável:
—Achei que você não viria mais.. Mas olha só, você está aqui, no meio da noite. —Ela riu e fez o mesmo cumprimento que Anastácio a vira fazer na primeira vez em que se viram, terminando numa reverência, e a garota se sentiu na obrigação de retribuir o gesto, mesmo que um tanto desajeitado.
—Como conseguiu sair da Base dos Cavaleiros? Achei que a segurança era a maior prioridade lá.
—N-não foi tão difícil... —Foi a única coisa que Anastácio conseguiu soltar, esfregando os dedos freneticamente atrás das costas, nervosa. Scara sorriu e deu um passo em sua direção, mas parou e levantou o dedo, aumentando o sorriso como se lembrasse de algo legal, e perguntou:
—Permite que eu me aproxime, Anastácia? Creio que seja bom nos conhecermos mais de perto.
Anastácio deu uma risada tímida, acenando em concordância com a cabeça e levantou as mãos em sinal de rendição, deixando que a bela guerreira se aproximasse o suficiente para que pudessem se tocar, e a mulher pareceu fascinada ao olhá-la nos olhos.
—Tens os olhos do seu pai, Anastácia.
Aquilo atingiu a garota como um copo de água gelada e imediatamente o sorriso desapareceu de seu rosto. Anastácio encarou a mulher agora desconfiada e assustada, dando instintivamente um passo para trás ao perguntar:
—Quem é você? Você sabe quem são meus pais? — Scara pareceu perceber o que tinha dito, mas antes que dissesse qualquer coisa, Anastácio a interromepeu, insegura: —O que mais você sabe de mim que eu não sei, e como me achou? Vem cá, o que você quer de mim?
—Perdoe-me se fui muita direta tão de repente, Anastácia, eu não quis assustá-la! —Scara voltou a sorrir ao perceber a preocupação da jovem, tentando acalmá-la: —Eu lhe dou a minha palavra de que responderei a todas as suas perguntas, mas primeiro preciso que me entregue os itens do mago sacerdote. Peço que apenas confie em mim, eu nunca lhe faria algum mal.
Anastácio permaneceu onde estava, sem mover um músculo para pegar a pequena bolsa de couro em sua cintura, não querendo confiar na mulher, e disse:
—Você disse que se eu não aceitasse o que você quer de mim eu poderia ir embora ou sei lá. Então me fale primeiro o que tem pra falar e depois eu te dou as coisas.
—Tudo bem, —A guerreira levantou as mãos em sinal de paz e em seguida apontou para a pequena cabana de madeira ao lado do deque sobre o lago, iluminada pelas luzes acesas em seu interior. — Por quê não nos sentamos? Acho que será uma longa noite.

Anastácio nunca tinha entrado na cabana, muito menos à noite, e começou a se sentir sonolenta ao se acomodar em seu interior aconchegante com Scara. Mas mesmo com sono a garota estava em alerta, ainda não confiava totalmente na mulher.
—Quer um chá? —Scara perguntou quando a jovem se sentou, e Anastácio não conseguiu recusar. Quando Scara desapareceu na pequena cozinha do lugar, Anastácio sentiu novamente uma sensação estranhamente familiar e protetora vinda da guerreira ruiva, algo nela despertava uma parte de Anastácio que parecia ter estado adormecida há muito tempo, e agora começava a voltar a si na presença de Scara.
—O que você tava fazendo quando eu cheguei? No lago, as luzes e tal.. —Anastácio perguntou com cautela, e ouviu a voz agradável de Scara vinda da cozinha:
—Eu estava recolhendo energias da natureza.
—Ah.. —Anastácio apenas disse, concordando devagar com a cabeça quando não ouviu mais nada da cozinha. Scara parecia esperar que a garota soubesse como se recolhia energias da natureza. Porém, algum tempo depois quando voltou da cozinha com duas pequenas canecas nas mãos, se sentou e voltou a falar:
—Tudo no mundo tem uma certa quantidade de energia. Sejam chakras, energias mágicas ou qualquer outro tipo de fonte de energia. E a forma mais pura de energia é a que está na natureza, em plantas, animais, até nas águas como lagos e rios. Entendes?
Anastácio fez que sim com a cabeça, aceitando a caneca de chá que Scara lhe empurrou.
—E no momento em que você chegou na clareira, eu estava colhendo energia da clareira por meio de um encanto recitado em forma de canção. As luzes que você viu em plantas e animais eram suas diferentes energias se manifestando ao serem conjuradas e transferidas para um outro corpo, no caso, o meu. É uma visão muito bela, não é?
Novamente Anastácio concordou com a cabeça, dessa vez com um pouco mais de entusiasmo, e sorriu. Mas então lhe passou pela cabeça a real razão pela qual tinha ido até lá, não para entregar os objetos do mago sacerdote, mas porque queria descobrir mais sobre si, e Scara tinha prometido lhe contar tudo o que precisava saber.
Enquanto a guerreira bebericava seu chá, Anastácio começou a perguntar:
—Então... Quem é você, Scara? Quando eu te vi na cidade, você me chamou de algum nome estranho. E porquê tinha que ser eu a te entregar os negócio do mago? Você parece poderosa o suficiente pra roubar eles por conta própria..
Scara riu com o comentário, repousando sua caneca de chá sobre a pequena mesa redonda na qual estavam sentadas, e disse:
—Bem, pode ser, mas nunca fui de invadir lugares e roubar coisas. E quanto a quem eu sou... Meu nome é Scara Aranlin. Pelo que percebi, nunca ouvistes falar desse nome, Aranlin, o que me decepciona um pouco na verdade. A família Aranlin foi quem primeiro governou a Terra da Geada, assim como seu primeiro rei e fundador desse país foi um membro da família, Shiro Aranlin.
Ao ouvir aquele nome, um pequeno arrepio percorreu as costas de Anastácio e ela se mexeu desconfortável na cadeira. A mulher pareceu perceber e sorriu, prosseguindo:
—Por vários séculos a família Aranlin governou com prosperidade esse reino, nunca houve um período melhor, mas há dois séculos e meio a linhagem se perdeu. Os outros três reinos não gostavam da forma com que a família Aranlin construía o reino, poderoso e independente de alianças, e um dos governantes planejou derrubá-la. E infelizmente isso aconteceu. O último Aranlin foi assassinado sem deixar herdeiro, assim como todos os membros restantes da família. Porém, nosso primeiro rei parecia ter previsto que esse dia chegaria, e mandou sua única filha e herdeira para o lugar mais longe em que poderia chegar quando ela ainda era um bebê. A cada geração de reis e rainhas da família Aranlin a lenda da Herdeira era passada para a frente, até chegar na minha geração. Minha mestra foi a última guerreira a procurá-la.
—Por quê procurá-la? —Anastácio perguntou confusa, absorvendo os detalhes da história.
—Ah bem, acho que pulei essa parte... —Scara franziu as sobrancelhas. —A Herdeira de Shiro é a única que poderia impedir que a linhagem da família Aranlin acabasse, e Shiro parecia saber disso quando ela nasceu. Por todos os séculos em que os Aranlin governaram, era escolhida uma guerreira para procurar a herdeira de Shiro e trazê-la de volta para ocupar o trono, e minha mestra foi a última a procurá-la.
—E ela a encontrou?—Anastácio perguntou, e Scara sorriu, triste, prosseguindo:
—Sim. Porém, tarde demais. Shiro a tinha enviado para a Ilha da Vitória, o lar dos mortos que foram pessoas dignas na vida, e o lugar mais seguro desse mundo. Mas a atmosfera divina da Ilha privaram a Herdeira de envelhecer e quando minha mestra a encontrou ela era ainda um bebê. Ela a levou para o castelo, mas naquele momento nosso último rei havia sido assassinado, e o assassino procurava por nós também. —Scara suspirou, e Anastácio viu uma profunda tristeza se espalhar pelo seu rosto. —Minha mestra ficou para trás para que eu pudesse fugir, e usou sua última energia para enviar a Herdeira para um lugar onde ela poderia crescer sem ser ameaçada e encontrada.
Anastácio ficou em silêncio, se perguntando se afinal ela tinha encontrado a tal herdeira ou se ela tinha morrido, e perguntou:
—Pra onde ela foi mandada?
—Para o mundo mortal. O mundo humano.

Edward andava devagar pela sala, sem olhar para os aprendizes, o maxilar cerrado e as mãos cruzadas atrás das costas, enquanto os jovens permaneciam imóveis, em silêncio, esperando seu julgamento. De repente o Cavaleiro parou, respirou fundo e se virou num movimento brusco para os cinco aprendizes, encarando cada um intensamente, esperando que alguém se manifestasse.
—Então é isto? Vão ficar unidos e fingir que não sabem de nada.
—Mas eu não sei de..! —Jack protestou, mas se calou subitamente sob o olhar do comandante, abaixando a cabeça emburrado e Edward continuou seu sermão:
—Enquanto eu não soube quem foi o engraçadinho que saiu ontem à noite, vocês não vão sair daqui para o treino.
—Graças a deus.. —Kenny sussurrou, mais para si mesma do que qualquer coisa, mas se encolheu sob o olhar de horror dos outros, se segurando para não gritarem de desespero. A garota entendeu tarde demais que havia dito a coisa errada na hora errada quando Edward parou devagar à sua frente e cruzou os braços, faltando pouco para espelir fogo dos olhos, e abaixou o tom de voz ao dizer:
—Ah.. Graças à deus. Obrigado, Kenny. Você acaba de acender uma luz em minha cabeça. —enquanto o Cavaleiro falava, Jack soltou um suspiro profundo de desespero, passando as mãos no rosto derrotado ao se recostar no pequeno sofá em que estavam sentados, segurando a mão de Anastácio e colocando-a sobre a própria testa como drama adicional.
—Levantem-se. —Edward se virou novamente e começou a andar na direção da porta, mas parou e se virou uma última vez ao dizer: — E já que está tão animada, Kenny, leve seus colegas para a arena de arco e flecha. Temos muito o que treinar hoje.

Huhu tadinha da Kenny, ela só queria ficar livre do treino um pouco..
Eis mais um capítulo, mas tenho que avisar que ficarei um tempo sem publicar de novo por conta da semana de provas gente :(
Espero que estejam gostando como sempre, amo vocês e até o próximo capítulo ❤

Cavaleiros de Dragões II - A Joia PerdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora