Capítulo 59

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Anastácio piscou zonza, sentindo o corpo exausto e dolorido da viagem no tempo, e abriu os olhos confusa ao ouvir o som de água gotejando de algum lugar, e algo como o rugido do vento ou de um rio agitado ao longe. Estava numa pequena caverna de pedra, água pingava do teto da entrada a alguns metros à sua frente formando uma poça límpida, e a paisagem do lado de fora a fez perceber que deveria estar a centenas de metros de altitude:
Duas montanhas se encontravam num pequeno vale, onde uma cidade se extendia de onde Anastácio podia ver de dentro da caverna até onde as montanhas se abriam numa planície de florestas escuras. Telhados vermelhos e as torres brancas de um pequeno castelo brilhavam nos últimos raios de sol que alcançavam o vale, dando uma impressão irreal à cidade.
As casas e construções bonitas lhe pareciam familiares, e Anastácio se ergueu dolorida de onde acordara deitada, se aproximando da entrada e olhando lá pra baixo - uma encosta íngreme e rochosa se estendia até se perder de vista na névoa branca que rodeava a cidade e o vale, e um pequeno córrego havia se formado da água que descia de algum lugar mais alto da montanha.
Uma brisa gelada soprava pela montanha já abandonada pelo sol que se punha atrás dela, mas o som que escutava não podia vir do vento, e um rio também não era visível em algum lugar perto o suficiente para ser escutado.
A garota olhou mais uma vez para o penhasco de pedras antes de voltar para dentro da caverna, percebendo a presença de uma bolsa escura onde antes estivera deitada, e se aproximou confusa e curiosa, abrindo-a. Um choque percorreu seu corpo ao reconhecer a armadura da rainha, uma espada maior do que a que Anastácio possuía antes e seu elmo prateado com chifres.
Sentiu um aperto no peito, mas aceitou honrada a lembrança de sua mãe deixada pra ela de alguma forma em sua realidade, e naquele momento ouviu mais alto o barulho grave de vento ou seja lá o que fosse, dessa vez direto do interior da caverna, como se a própria montanha estivesse respirando.
Colocou as alças da bolsa nos ombros e respirou fundo algumas vezes antes de adentrar o túnel que levava para mais fundo dentro da caverna. Quando a luz começou a desaparecer, sussurrou um encanto para fazer surgir à sua frente uma pequena esfera de luz, sentiu a energia do encanto percorrer seu braço e crepitar em seus dedos antes de se concentrar na pequena bola de poder.
Conforme entrava mais fundo na caverna, sentia o ar ficar mais frio e pesado e o som de ronco ficava mais alto e ecoava nas paredes e no teto de pedra do túnel, e depois de alguns minutos chegou no eu parecia ser o fim do túnel. A escuridão começou a dar espaço para uma luz fraca lá no final fazendo Anastácio imaginar que havia atravessado a montanha ou havia um buraco na pedra por onde entrava luz. Porém, o ar continuava pesado, o que provava o contrário.
A garota desfez o encanto ao chegar no fim do túnel, e encarou sem palavras a enorme caverna que se estendia à sua frente agora, iluminada por luzes sobrenaturais de plantas e cristais que cresciam nas paredes e no chão da caverna e emanavam uma luz galáctica e pulsante.
Elas cresciam do centro da caverna e se espalhavam para os cantos como raízes procurando o sol, subindo as paredes  e até algumas penduradas do teto misturando-se a estalactites.  No centro de tudo, entre uma florestinha luminosa de plantas e cristais, o enorme corpo de um dragão descansava enroscado sobre a aglomeração de matinhos e pedras brilhantes, e o ruído grave que vinha escutando saía de sua respiração pesada. Assim como as plantas que se espalhavam brotando lentamente na caverna, uma luz colorida parecia sair de dentro de seu corpo, pulsando por debaixo de suas escamas prateadas e atravessando seu corpo do focinho à ponta da cauda.
Anastácio arquejou ao entrar na caverna iluminada e subitamente o ar se tornou leve e fresco, e sentiu como se o mesmo acontecesse com seu corpo. A criatura à sua frente abriu os olhos cor de esmeralda como se percebesse sua presença, e partindo de onde estava deitada, um a um os cristais adquiriram um tom parecido, e Anastácio sussurrou sentindo-se hipnotizada:
- Zimäh..?
O dragão se ergueu de seu ninho luminoso, fazendo pequenos cristais e plantinhas caírem de seu corpo, e Anastácio ouviu sua voz ecoar em sua mente:
Olá, minha guerreira.
A garota teve a impressão de que Zimäh estava muito maior do que se lembrava, e quando se levantou, onde antes sua barriga estivera ocupando o espaço, um cristal maior que todos os outros estava repousado entre plantas e pedras preciosas, e sua energia poderosa invadiu Anastácio, fazendo com que soubesse no mesmo momento que estava na presença de um dos fragmentos da Joia da Lua.
Você achou!
Não foi difícil. Zimäh retrucou e sorriu internamente quando Anastácio abraçou sua cabeça. Ela o encarou e perguntou com uma sobrancelha erguida:
 É impressão minha ou você tá maior do que deveria?
Eu ainda estou em fase de crescimento, ora.
Anastácio cerrou os olhos com aquele comentário, não conseguindo imaginar que cresceria em tão pouco tempo, mas Zimäh logo confirmou sua dúvida;
É mentira, Anastácio.
Então..?
O poder da Joia tem muitos efeitos sobre o indivíduo que usá-la, até mesmo ficar por muito tempo apenas em sua presença já causa mudanças em todas as suas energias.
Então você cresceu. Anastácio afirmou ao mesmo tempo fazendo uma pergunta retórica, mas o encarou interrogativa.
Se você está dizendo.
A garota ruiva desistiu de tentar fazer Zimäh dizer se cresceu ou por quê ou qualquer coisa, e decidiu começar a se preocupar em como pegar o fragmento e levá-lo até o destino final sem morrer, observando-o silencioso em seu ninho. Então lhe veio na mente que Zimäh tinha encostado nele sem problemas, e até dormido em cima no tempo em que chegou à caverna.
Zimäh... Começou. Você encostou no fragmento sem ser prejudicado..
Não tenho como explicar isso. O dragão respondeu dando de ombros ou o mais perto que um dragão poderia chegar de dar de ombros. A Joia é um espírito antigo e livre, mas ninguém sabe mais do que isso, não sabemos se ela ou ele tem uma consciência ou raciocínio inteligente. O que sabemos é que a Joia tem seu modo de defesa, que é espalhar seus fragmentos pelo território que ela protege quando alguém tenta usá-la com más intenções. Assim como tudo o que conhecemos ela tem energias, e a partir do momento em que interagem com as nossas energias ela sabe todas as razões que nos levaram até ela.
A partir dali Anastácio já começou a entender sem que Zimäh precisasse terminar, seguindo a linha de raciocínio. Então a Joia reconhecia más intenções e energias ruins e se fragmentava para se proteger assim como tornava impossível tocá-la sem ser queimado até a alma. Mas se quem quer que a tocasse tivesse boas intenções ou fosse totalmente na inocência, isso significaria que ela não lhe faria mal? Preferia não arriscar ainda assim.
E os dragões assim como a Joia são espíritos da natureza. Continuou o dragão naquele momento. não existe na nossa raça um sentimento como ganância ou ambição. Em questões de "racional" estamos entre os animais racionais e os irracionais. Temos instintos e o espírito selvagem como qualquer animal, mas temos também o raciocínio inteligente dos seres humanos e elfos e todos os outros clãs. E este depende da nossa convivência com vocês ou com a vida selvagem.
Então qualquer dragão pode usar e tocar a Joia sem ser prejudicado? Anastácio perguntou impressionada, mas ainda confusa, e uma dúvida começou a surgir em sua mente.
Como eu disse um dragão não possui sentimentos relacionados à ganância. Não faríamos algo que não faz parte da nossa natureza, que responde somente aos deuses e à terra.
Zimäh observou divertido a expressão pasma e impressionada de sua cavaleira com aquelas novas informações, que para ele sempre foram óbvias, mas sempre se esquecia de que ela não conhecia nem metade daquele mundo.
Os Cavaleiros sabem disso? Anastácio voltou a perguntar. Sendo assim eles nem precisavam dos mecanismos mágicos pra recolher a joia, era só o dragão pegá-la e acabou.
Você pensa muito simples, Anastácio. O dragão retrucou. E se Cavaleiro e dragão se separassem como simplesmente acabou de acontecer? Se o cavaleiro encontrar um fragmento quando estiver longe do dragão, talvez não poderá pegar ele.
É verdade.. Anastácio se sentiu burra, mas Zimäh a confortou dizendo que apenas tinha súbitas ausências de raciocínio às vezes. Porém, pensando no que o dragão acabara de dizer, mais uma dúvida embolou tudo em sua cabeça outra vez.
Mas você não disse que se a pessoa tiver boas intenções, a Joia não vai prejudicá-la? Ou os Cavaleiros não sabem disso?
Os Cavaleiros sabem. Zimäh suspirou, atraindo um olhar curioso da garota ruiva. Mas os aprendizes não sabem e Edward prefere deixar que não saibam a ter que explicar a eles que nem todas suas intenções são boas.
Anastácio escancarou a boca com aquelas palavras, mas Zimäh deu a entender que não falaria mais do que aquilo não importava quanto Anastácio insistisse e perguntou sarcástico antes que ela prolongasse aquela discussão:
Vamos ficar aqui o dia todo?
Depende da sua boa vontade, senhor. A garota retrucou imediatamente e cerrou os olhos. Como pode ver sou um mero mortal incapaz de ticar a Joia e apenas estou esperando o senhor fazê-lo.
Zimäh bufou com a resposta de sua cavaleira e se voltou para o fragmento rosado no centro da caverna, tomando-o entre os dentes.
Ou está com medo de tocá-lo e ser pulverizada.
Anastácio não teve uma resposta para aquilo e apenas soltou o ar agressivamente para dar a entender que estava indignada, mas seu humor desapareceu quando Zimäh tirou o fragmento do chão: as plantas que formavam seu ninho murcharam e se apagaram, e os cristais entre elas perderam a luz e se tornaram brancos como simples cristais de vidro, e Anastácio não pode deixar de se sentir triste pelo lugar quando toda sua luz se apagou e retornou à aparência fria e húmida de uma caverna como qualquer outra, deixando lentamente à vista apenas os olhos brilhantes de Zimäh na escuridão.

Espero que tenham gostado como sempre, e vou parar de pedir desculpa pelos atrasos, porque eu sei que eu nunca vou publicar todos os capítulos certinhos na data e vocês também já sabem que eu publico uma semana sim, uma não, aí dois capítulos em uma e um na outra.. Enfim. Perdoem minha enrolação <3

Cavaleiros de Dragões II - A Joia PerdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora