Capítulo 30

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Quando as primeiras vilas humanas começaram a surgir na Terra da Geada, não tinha nada além de florestas frias e planícies congeladas aqui, e a Guerra Sombria estava em seu auge nos outros reinos. As pessoas que viviam aqui nessas vilas eram sobreviventes que conseguiram atravessar as fronteiras, tanto que havia pouquíssimas pessoas em cada vila, nem sei se podiam ser consideradas vilas.
Anastácio acenou positivamente com a cabeça ao ouvir Scara contar sobre os antigos Quatro Reinos, na época apenas três. E no tempo em que a guerreira ruiva contava sobre os tempos da Guerra Sombria detalhadamente, uma dúvida insistente surgia em sua mente.
E nessa quantidade de pessoas ficou até o final da Guerra. Quando Kira e Shelin pousaram no campo de batalha com a espada amaldiçoada, os sete clãs se curvaram diante de dragão e cavaleiro, e algumas décadas depois Shiro e Alharkia Aranlin ergueram o mais poderoso dos Quatro Reinos aqui. As poucas pessoas que já viviam aqui se juntaram a ele de boa vontade e o reino cresceu e ganhou popularidade quando a notícia da poderosa família real se espalhou. E assim como o reino da Terra da Geada, a família Aranlin também ficou conhecida, principalmente pelas guerreiras fortes da família, apesar de que o mais forte deles era o próprio rei Shiro. Os quatro povos ansiavam por ver um Aranlin aparecer quando havia perigo, e lendas e canções fantasiosas foram surgindo sobre os guerreiros ruivos. A Terra da Geada prosperou por mais de dois séculos e a ideia de que um dia o último rei da linhagem fosse assassinado por uma traição de seu próprio povo era absurda.
—Mas aconteceu... —Anastácio murmurou e Scara acenou positivamente com a cabeça quando a garota continuou: —E você é a última Aranlin, procurando a Herdeira.
Um curto silêncio se seguiu em que Anastácio recapitulava tudo o que havia descoberto desde que fora para a clareira encontrar a guerreira desconhecida. A garota girou sua caneca nas mãos e encarou Scara, perguntando:
—Mas... Por quê eu?... Por quê está me dizendo isso?.. —e então, subitamente se lembrou do que acontecera na última vez em que fez essa mesma pergunta.
—Ah não... —murmurou, enterrando o rosto nas mãos desesperada, e sentiu a mão leve de Scara em seu cabelo, acariciando-a. Anastácio soluçou, apoiando a testa na pequena mesa e envolveu a própria cabeça com os braços, as mãos tremendo. Ouviu o tilintar da armadura de Scara quando esta se levantou e deu a volta para sentar ao seu lado. Desprendeu as peças de aço dos braços, colocando-as sobre a mesa e abraçou a garota em prantos.
—Scara, eu não quero... —Anastácio soluçou, afundando o rosto no ombro da guerreira. —.. Eu não quero mais nada.. Eu não quero a maldição, eu não quero a magia dos deuses... Eu não quero ser quem você procura...
Scara permaneceu em silêncio, sentindo a amargura da garota após todas aquelas experiências e mudanças drásticas em sua vida, sobre as quais ela nunca tivera sequer escolha.
Os ombros de Anastácio tremiam e Scara passou as mãos por eles, pelos braços e pelo rosto molhado de Anastácio, erguendo seu rosto para olhá-la. O rosto choroso e a expressão de tristeza da garota partiu seu coração, e Scara disse baixo:
—Anastácio, eu sei que é injusto. Nunca pudemos escolher nosso destino e muitas vezes ele nos dá mais do que pensamos poder aguentar. Mas.. Podemos usar isso que nunca quisemos a nosso favor. A favor das pessoas que nos amam e que nós amamos. Choramos. Não vemos mais nada além da nossa dor. Queremos nos matar. Mas nisso tudo, esquecemos daquela pessoa.  Mesmo que tenha muitas pessoas te apoiando e amando, sempre haverá aquela única, que te amará e estará do seu lado até o fim do mundo. Que mentiria e mataria por você. Que te daria o mundo se pudesse. Você já ouviu falar que a maior arma que já existiu é o amor?
Anastácio havia parado de soluçar, apenas encarava Scara com os olhos cheios de lágrimas, ouvindo as palavras da mulher.
—Sim, é cliché, não é? —Scara continuou.—Mas é a verdade. Nem mesmo a mais poderosa das magias pode derrotar alguém que tem o amor. Mesmo que essa pessoa não saiba. E pense Anastácio. Você já foi salva por ele. O amor repeliu a maior possessão dos deuses do Caos que você já teve, sem usar um pingo de magia. E essa não foi a única vez.
Anastácio a encarou confusa, tentando em vão enxugar as lágrimas que ainda escorriam por seu rosto.
—O que você quer dizer..?
—Quando você nasceu, seu pai teve uma visão, uma profecia por assim dizer, do que aconteceria num futuro distante, e te mandou ainda bebê para a Ilha da Vitória, com a ajuda dos deuses. Seu corpo e sua alma foram preservados pelos dois séculos até o governo do último Aranlin, que foi após sua morte que começou a busca pela Herdeira, por você. E te encontramos, mas era tarde, o inimigo descobriu nossa localização e mandou todas as suas tropas contra nós..—Anastácio a olhou surpresa quando a voz da guerreira tremeu, e suas sobrancelhas se arquearam involuntariamente quando seus olhos se encheram de lágrimas. —Mas você foi protegida pelo rei Shiro, mesmo séculos depois de morto ele ainda estava com você, ainda a amava mais do que tudo que já amou. Eu e minha mestra conseguimos escapar por menos que um triz, mas tivemos que mandá-la para o mais longe possível para protegê-la..
Scara levantou a cabeça e piscou repetidas vezes, inspirando fundo e então voltou a olhar para Anastácio.
—Poucos dias depois ela morreu em sua última batalha. Eu fugi e comecei a busca impossível por você, logo descobrindo que estava no mundo mortal. E o restante da história.. Bem resultou nisso.
Scara sorriu e apontou para Anastácio e para si mesma em seguida, segurando o rosto de Anastácio nas mãos quando voltou a falar:
Você não está sozinha Anastácio. Tenho certeza de que alguém já lhe disse isso. Você tem à mim agora, e também à toda a família Aranlin. Scara tocou o peito da garota levemente com o dedo indicador e sorriu encorajadora. Todos estão aqui, Anastácio, sempre estiveram e te protegeram desde o dia em que nasceu. Seu pai está aqui. E também aqui... a guerreira afastou a mão e voltou-a para o próprio peito, seus olhos azuis brilhavam e Anastácio acenou positivamente com a cabeça várias vezes, incapaz de falar quando outro nó se formou em sua garganta e seus olhos novamente se encheram de lágrimas.
Obrigada... sussurrou entre lágrimas e Scara envolveu-a com os braços, acariciando a juba ruiva. Obrigada, Scara...

Se eu chorei junto..? Naaah, claro que não. Só um pouco. Talvez. É errado a autora chorar com o próprio livro? T-T
Provavelmente nem foi tão pah assim e vcs não choraram, mas desculpa eu sou emotiva.
Enfim.. Ai ai. Espero que estejam gostando, sorry a entonação e até o próximo!

Cavaleiros de Dragões II - A Joia PerdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora