No início da noite havia começado a cair uma chuva fina e constante logo depois que os Cavaleiros e dragões se separaram em grupos na pequena cidade de Nelepos. Dina e Patrick, a única equipe de apenas dois Cavaleiros, permaneceram na cidade rural, e acharam uma pousada em pouco tempo onde os dragões também pudessem se abrigar para passar a noite.
Logo após chegarem e o recepcionista do lugar os guiar para o segundo andar, onde ficavam os quartos, e lhes entregou a chave, Dina parou o homem e com um sorriso educado pediu:
—Por favor, gostaríamos de passar a noite em quartos separados se for possível. Nosso aprendiz se sente melhor quando está só.
O homem respondeu um "claro, senhora" e voltou para buscar uma chave para o segundo hóspede, e após desaparecer escada abaixo, um silêncio confortável se fez, no qual Dina percebeu satisfeita a gratidão do garoto com sua pequena atitude. Dia e noite a Cavaleira pensava sobre seu aprendiz e seu problema psicológico com qualquer humano do sexo feminino, e que lhe parecia impossível de solucionar. Apesar de ter percebido, com alívio, que uma das gêmeas estava cada vez mais próxima do garoto, ainda era complicada sua interação com as meninas e mulheres, contato físico não era uma opção na vida de Patrick e conversar também não era lá muito fácil sendo uma mulher.
Após lhe dar boa noite e cada um ir para o seu quarto, Dina se deitou na cama e começou a se perguntar formas de ficar mais próxima do aprendiz sem ser invasiva demais e de forma que ele ainda se sentisse confortável. A Cavaleira evitava fazer contato telepático com Patrick, depois que a primeira vez que o fez, o garoto não conseguiu mais olhá-la no rosto por um bom tempo.
Será que se eu me parecer com um homem ele fica mais de boa? Pensou, encarando o teto esperando o sono chegar. A ideia parecia boba, mas possível, e Dina dormiu com a ideia na mente.Patrick fechou a porta do quarto e respirou fundo algumas vezes, sentindo o coração desacelerar aos poucos e se virou, observando seu quarto à procura de qualquer coisa com que pudesse se distrair e amenizar o nervosismo insistente que o dominava.
Se sentou na cama macia balançando freneticamente uma das pernas e pegou um pequeno globo de vidro da mesinha de cabeceira, observando-o enquanto girava nas mãos. Estivera cuidadosamente posto em cima de uma armação delicada e bonita de metal dourado, e o garoto pensou vagamente:
Se fosse no Brasil, o promeiro hospedeiro já teria roubado.
Involuntariamente sua mente começou a vagar para o passado, para sua família adotiva e sua mãe problemática. Ela vivia fora de casa e chegava sempre tarde da noite, às vezes nem chegava no mesmo dia. E quando chegava enxia a cabeça do garoto de coisas desnecessárias sobre "o mundo lá fora", sobre mulheres, sobre seu padastro que tornava a vida de todas as pessoas à sua volta um inferno.
Às vezes trazia suas amigas horrendas para casa, elas bebiam e falavam alto sobre seus maridos e filhos, apenas gastavam dinheiro, gastavam e gastavam, enxiam a casa de cheiro de cigarro e Patrick evitava a todo custo entrar em seu campo de visão. A primeira vez em que fizera isso foi uma das primeiras causas do surgimento de sua doença psicológica, foi a pior noite de sua vida e nunca esqueceria o nome da mulher que se aproveitou de sua "vulnerabilidade": Jessica.
Sua mãe não deu a mínima para o fato de que suas amigas abusavam de seu próprio filho, e ligar para o conselho tutelar também não deu resultado para Patrick.
Com quinze anos fugiu de casa e logo depois se juntou a um pequeno grupo de garotos e garotas sem teto que viviam escondidos da polícia. Sua nova família durou poucos meses antes que os pegassem e enfiassem num orfanato, e em pouco tempo sua mãe apareceu e o arrastou de volta pra casa.
Sua rotina num subúrbio do Rio de Janeiro voltou ao que era antes - casa, escola, casa, sua mãe chegava à noite, ele era obrigado a ouvir e absorver toneladas de baboseira, sua mãe ia dormir e Patrick ficava deitado de olhos arregalados na cama, a insônia o infernizando. Na manhã seguinte começava tudo de novo.E então, drasticamente, sua vida explodiu em confusão quando, no seu aniversário de 16, começou a receber bilhetes rabiscados de alguém anônimo que dizia que Patrick não pertencia a este mundo. Por início jogou todos na primeira lixeira que aparecia em sua frente, pensando que provavelmente era alguém entediado tentando fazer com que entrasse na brincadeira. Estava tudo bem até o momento em que uma mulher de cabelo prateado, armadura completa e espada na cintura invadiu seu quarto pela janela e lhe disse que precisava ir com ela se não quisesse morrer.
Patrick começou a pensar que era o efeito de drogas, as amigas de sua mãe eram muito capazes de fazê-lo ingerir drogas inconscientemente. Mas não lhe pareceu tão ruim no momento, qualquer coisa fora da realidade já era uma opção mais atraente, e a mulher de sua imaginação drogada compreendeu muito rápido que o garoto tinha problemas psicológicos.
Montaram num dragão azul-real e dispararam em direção ao céu poluído da paisagem urbana e caótica em que vivera até aquele momento, se afastando em poucos segundos da vida horrível que vivera por tanto tempo.
Muitas coisas aconteceram ao mesmo tempo depois daquilo, outros dragões surgiram, Cavaleiros de armaduras lustrosas, e até outros jovens como Patrick, que pareciam tão confusos quanto ele, fazendo-o se perguntar por quanto tempo o efeito da droga duraria.
Mas então chegaram na Terra da Geada, Patrick conheceu Mauk, o dragão cinza escuro que logo se tornou parte dele, conheceu Kenny e os outros aprendizes, e a garota lhe mostrou que havia um jeito de superar sua doença, mesmo que de forma lenta.
E então, por um acaso, descobriu alguns segredos obscuros dos Cavaleiros que o fez conhecer aquela pessoa. Sentiu coisas que nunca conhecera antes, o contrário de todo o horro que sua mãe colocou em sua vida, e aos poucos seu passado começou a ficar para trás, finalmente.Patrick sentiu um breve sorriso surgir em seu rosto enquanto girava a esfera de vidro nas mãos, se lembrando com satisfação do que vivera todas as noites fora da Base.
O garoto foi arrancado dos pensamentos de repente quando a esfera em suas mãos começou a vibrar, e Patrick a soltou assustado, causando um ruído abafado quando a esfera atingiu o chão de madeira. Uma fraca luz verde começara a surgir no interior da bola e Patrick procurou o punho de sua espada em alerta, se levantando da cama e indo em direção à porta com o coração aos pulos.
A esfera de vidro rolava de um lado ao outro poucos centímetros à sua volta e Patrick começou a chamar por Mauk, mas algo bloqueava seu contato mental com o dragão ou qualquer outro ser vivo que estivesse perto.
O garoto apertou a maçaneta em desespero quando a esfera começou a rachar e expelir um líquido grosso e escuro no chão, mas de alguma forma a porta estava trancada.
—Dina!! —Patrick chamou, sentindo seu estômago se revirar de medo.
O líquido não parava de sair das rachaduras da esfera de vidro e começou a se projetar do chão na forma negra e indistinguível de algum monstro, borbulhando e se movimentando em sua direção.
Patrick esmurrou a porta enquanto a criatura começava a tomar forma diante de seus olhos, ganhar braços e pernas gosmentas e um rosto bizarro com uma boca grande demais.
—Alguém!!!—Patrick berrou e desembainhou a espada em pânico quando a criatura começou a avançar sobre as pernas finas e esqueléticas, o corpo úmido guiado por pequenos olhos remelentos que procuravam Patrick na escuridão do quarto.
Um único olhar para o rosto do monstro fez as pernas de Patrick fraquejarem com as náuseas que o invadiram e a espada caiu de sua mão ao sentir sua cabeça doer e sua visão ficar turva, até ouvir o baque do impacto de seu corpo com o chão.Patrick piscou e se ergue sem fôlego ao acordar numa posição desconfortável e imediatamente sentiu suas narinas invadidas pelo cheiro de mofo e comida queimada, se vendo na cama de um quarto escuro, encostada numa janela quebrada que dava para o barulho dos trilhos de um metrô, algumas dezenas de metros abaixo. Uma cidade caótica se estendia pelo seu campo de visão, ruas molhadas e escuras no início da noite, letreiros piscantes de bares e baladas e supermercados, fumaça de chaminés.
No mesmo momento Patrick sabia que estava de volta e instantes depois ouviu a voz que infernizou toda sua vida, o barulho da porta enferrujada do pequeno apartamento e as chaves caindo na mesa da sala.
O garoto não ousou emitir um único som para manifestar sua presença, e logo ouviu os grasnados desagradáveis das amigas horrendas de sua mãe invadindo o apartamento.
Seu coração martelava contra o peito enquanto tentava entender o que havia acabado de acontecer, e como havia voltado da Terra da Geada para sua antiga vida no Rio de Janeiro. Por um segundo lhe passou pela cabeça de que tudo não passara realmente do efeito da droga e agora havia voltado à lucidez. Ou então, pensou, poderia ter tido um sonho - apesar de que sua mente não era lá tão fértil para imaginar uma história tão mirabolantemente elaborada - pois lera uma vez que a maioria dos nossos sonhos não duravam mais que alguns segundos, mesmo que para nós pudessem parecer horas.
Não teve mais tempo de continuar sua crise existencial, ouviu o grito desagradável de sua mãe ecoar pelo pequeno apartamento:
—Patrick?!! Onde estão meus cigarros?!
Como se eu fosse saber. Patrick permaneceu calado, sabendo que alguns segundos depois ela os acharia e voltaria a ignorar sua existência.
Como esperado ela parou de gritá-lo e se ocupou com suas amigas depois de achar o maço amassado de cigarros, e o garoto se deixou cair novamente nos travesseiros de sua cama enferrujada. Era doloroso estar de volta, e ainda mais saber que tudo não passara de uma ilusão, fosse por efeito de drogas ou sonhos, por um momento Patrick achou que poderia mudar sua vida.
Reprimiu um soluço desesperado e fechou os olhos, enterrando os dedos no cabelo, de volta àquela época, ainda longo, cobrindo metade da testa e um dos olhos.
De repente Patrick parou com a mão no rosto, estático, e se ergueu num salto, apalpando o olho esquerdo. Como um raio se dirigiu para o espelho quebrado de seu armário, encarando sua imagem refletida no vidro e seu coração falhou algumas batidas, retomando a esperança. A cicatriz. A cicatriz da batalha nas planícies ainda estava lá, por cima do olho e da sobrancelha esquerda, de sua curta luta contra a general do exército de Saguhr, na tentativa de salvar Kenny.
Não foi apenas uma ilusão. Isso deveria significar que ele apenas havia voltado ao passado, de alguma forma, e que deveria existir um jeito de sair. Talvez estivesse de volta para consertar algo, ou apenas para superá-lo...
Patrick mexeu os dedos freneticamente, tentando encontrar uma solução para os milhares de pensamentos embaralhados que surgiam, e se voltou para a janela.
Eu só preciso descobrir pra qual época eu voltei.Uhuuu, estou de voltaaa!
Eu consegui recuperar o livro (uhfa) pelo email mesmo, tive que dar algumas voltas pra achar, mas aqui estou voltando a publicar!
Espero que tenham gostado de conhecer um pouco da vida do Patrick antes de ir pra Terra da Geada, um pouco trágica, mas retrata a realidade de muitos jovens no mundo.
Hahuah, até o próximo capítulo <3
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Cavaleiros de Dragões II - A Joia Perdida
AventureLIVRO 2 Após a batalha bem-sucedida contra o inimigo de anos da Terra da Geada - Saguhr - Luana assume o trono do reino gelado como rainha herdeira de Kassandra. Porém a felicidade da vitória na guerra não dura muito, visto que novos perigos ameaçam...