Capítulo 97

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Persiana se sentou na poltrona oferecida pelo seu pai, observando-o se sentar também, de postura rígida e o olhar voltado para qualquer lugar que não fossem seus olhos, fazendo-a suspirar. 

-Me perdoe pelas atitudes impulsivas nos últimos dias. Não quero manter essa atmosfera desagradável entre nós pra sempre.

-Não se preocupe. -Edward respondeu apenas, sorrindo brevemente ao se servir de uma taça de vinho, oferecendo também uma a Persiana, mas que esta recusou educadamente.

-E então..? - Edward começou, curioso. -O que queria conversar?

-Sobre Anastácio. -Persiana respondeu sem delongas, observando-o com cuidado. -Mais especificamente sobre o assassino que estava atrás dela. Faz alguma ideia de qualquer coisa que o envolva? Sinceramente não consigo imaginar quem possa tê-lo mandado.. Minha primeira suspeita seria o País dos Sol, mas sabemos que o interesse de Lady Aena nela não é pouco, e até onde eu sei, ela quer Anastácio viva.

-Eu sei tão pouco quanto você. -Edward respondeu, balançando a cabeça, e Persiana sentiu a súbita onda de raiva subir seu peito ao escutar exatamente o que queria, e ao mesmo tempo menos queria ouvir. A Cavaleira deixou seu punho cair estrondosamente na mesa, fazendo seu pai estremecer e derrubar vinho em sua calça, e encará-la assustado quando ela cuspiu:

-Se não soubesse, como sequer faz ideia de quem eu estou falando? Como sabe que alguém tentou matar Anastácio se só havia nós duas e Zimäh e Olho de tigre lá? Você é tão estupidamente óbvio, Edward! 

Edward riu, encarando-a com desdém ao devolver a taça de vinho à mesa e esfregar sua calça irritado.

-O que deu em você, Persiana? Está começando a ficar igual sua mãe. Olho de Tigre me contou. Não consegue acreditar que ele não é mais seu dragão?

-Oh, claro. -Persiana se esforçou para não soltar uma risada como ele acabara de fazer. -Depois de algumas taças de vinho talvez você me convença, Edward. O que você é? Uma criança aprendendo a mentir? Pelos deuses, homem, se está desesperado, suas tentativas de esconder só tornam tudo mais óbvio!

-Acho que você está confundindo algo, filha. Tomar decisões precipitadas por desespero nunca foi o meu forte, foi?

-Não mesmo. - Persiana respondeu. -Mas tirar do caminho quem representa uma ameaça, ou seja, quando você começa a ficar com medo. E por que não teria medo de Anastácio, certo? Eu entendo, para um homem de posto alto e responsabilidade como você. Uma criança maga, extremamente poderosa, com a ameaça de trazer a Maldição de volta, herdeira da corte original, o que mais? Determinada, pra não dizer cabeça-dura. É claro que ela te daria uns arrepios. Mas você esqueceu que eu sou a guardiã dela, e essa tarefa não desaparece porque ela já está nos Quatro Reinos, muito menos por eu não fazer mais parte da sua corporação. E - Persiana se levantou, apoiando as mãos na mesa e aproximando o rosto, encarando o Cavaleiro no fundo dos olhos. - eu posso não ser mais uma Cavaleira de Dragão, e não ter mais o direito de empunhar uma espada. Mas não se esqueça do meu título de comandante da Tropa Leste, e este não é um que você pode tirar.

Antes que tivesse tempo de protestar, Persiana empurrou a cadeira com fúria e deixou a sala, batendo a porta atrás de si com força extra, ainda escutando um grito incompreensível do comandante às suas costas, fazendo-a soltar um riso irônico.

Anastácio disparou pelo castelo, seguindo sem hesitar as direções que Zimäh lhe passava, o coração martelando contra o peito dolorido pela respiração acelerada.

Scara estava em Yonara, e no castelo. Se perguntara todo aquele tempo por que a guerreira não lhe dera mais nenhum sinal, como se a tivesse abandonado, e agora a notícia de que estava no castelo viera de Zimäh, e não da própria. 

Ela não quer que eu saiba que está aqui? Anastácio pensou magoada, enquanto percorria com ferocidade corredor após corredor. Enfim Zimäh a mandou virar a próxima esquerda, e Anastácio parou, confusa. Não havia próxima esquerda, o corredor terminava ali, num pequeno balcão com porta de vidro, com vista para os jardins.

Anastácio parou ofegante, sentindo seus pulmões arderem pelo esforço, e se encolheu quando ouviu passos abafados e corridos atrás de si, fazendo com que se virasse abruptamente, em alerta, já esperando na pior das hipóteses Edward parado atrás de si, mas quem viu a surpreendeu ainda mais.

-J-Jenny?!

A gêmea arfava apoiada nos próprios joelhos, respirando com dificuldade ao se erguer com uma careta e passar a mão na testa, dizendo exausta:

-Você corre ein garota!

-O-o que você tá fazendo aqui?!

-Zimäh me falou pra ir com você! Mas eu quase não te alcancei. Qual é o problema??

Anastácio encarou Jenny perdida, se perguntando por que Zimäh a mandaria segui-la, e dividida entre continuar a procura antes que perdesse Scara outra vez ou perder tempo explicando tudo a Jenny, e enfim balançou a cabeça, frustrada. Se deveriam estar naquilo juntas, então que fosse.

-Scara está no castelo! - disse com urgência. - Eu tenho que encontrar ela!

-Scara? Quem é Scara?! Ele tá atrás de você?

-Não! -Anastácio exclamou, balançando a cabeça com veemência. -Scara é minha.. minha-- Aahhh! Scara é uma da família Aranlin, eu sou da família Aranlin! Ela--

-Tá, tanto faz! - Jenny a interrompeu, vendo sua dificuldade em fazer um resumo adequado de toda aquela situação. -Então ela é "do bem", né? Você sabe onde ela tá?

-Não, mas Zimäh sabe! Mas eu devia virar aqui.. -Anastácio apontou perdida para o corredor  que terminava atrás de si, se virando outra vez para olhar para a parede sólida de seu lado, e ouviu Jenny perguntar:

-E qual o problema..?

Anastácio esfregou os olhos perplexa ao se virar e se ver na frente de uma porta de madeira, claramente difícil de não ser vista, entalhada com mosaicos encaracolados e uma maçaneta de prata lustrosa bem no centro.

-O queee...

Anastácio apertou a maçaneta com cuidado, ao que a porta se abriu sem um único som, e viu uma escada também de madeira levar um andar abaixo, coberta por um tecido verde escuro e desgastado.

-Anastácio..?

A garota voltou o olhar para Jenny perdida, a gêmea olhando-a preocupada, e balançou a cabeça, para mostrar que estava tudo bem, se voltando para a escada outra vez para se certificar de que não havia sumido. Vendo que ainda estava lá, sólida e imóvel, começou a descer, seguida de Jenny que fechou a porta atrás de si silenciosamente, e por um momento se perguntou se quando voltassem a porta estaria lá ainda, mas se Jenny conseguira vê-la sem problema... Imaginou mais uma vez se aquilo era uma tentativa de Scara de esconder sua presença dela.

Cavaleiros de Dragões II - A Joia PerdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora