Capítulo 81

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Persiana observou da janela de seu quarto, da qual podia ver quase todo o pátio do castelo, uma pequena figura se aproximar dos portões em guarda, uma flecha armada no arco de batalha apontada na direção dos guardas que tentariam impedi-lo.
Sabia para onde ele ia e porquê, e que nada o impediria a não ser...
Persiana se interrompeu. Uma batida na porta desviou sua atenção, e viu seu pai entrar, e seu olhar de pena se transformar em surpresa.
-Onde vai? -perguntou ao ver a capa de Persiana ao seu lado na bancada da janela e sua espada embainhada em seu cinto, e ela desviou o olhar para fora outra vez, onde Jack acabara de atravessar os portões do castelo. Perdera a parte de como ele conseguira tal proeza sem atirar em ninguém, e enfim disse:
-Vou buscar Anastácio e Zimäh.
Escutou seu pai respirar fundo, e sabia o que viria, então nem começou a se deixar afetar quando ele começou:
-Persiana, você a viu morrer. Você mesma nos contou cada detalhe..
-Eu não lhe contei cada detalhe, Edward.
-Você a viu ser dominada pela maldição, Persiana. Você a viu morta e Olho de Tigre incendiou seus corpos. -o Cavaleiro a ignorou, se aproximando. -O que espera trazer de volta? Seus ossos negros?
-Eu vou encontrá-la e nem que sejam seus ossos. Ela não está morta, e nem Zimäh.
-Persiana, quando foi que se tornou tão agarrada ao passado? Desde que Ivan morreu você não consegue superar--
-Não tente me falar sobre Ivan. Superar é diferente de esquecer as memórias de alguém que se amou, pai. Ou será que preciso lembrá-lo de que teve uma esposa e que seu nome era Eve?
A expressão de Edward endureceu, e parou onde estava, encarando a Cavaleira com rancor.
-Eu a proíbo de deixar esta cidade para procurar por alguém que já está morto, como seu comandante.
-Então reivindico meus direitos de liberdade como cidadã livre e estou desertando de meu posto na corporação.
Com aquelas palavras agarrou sua capa e deixou o quarto e Edward sem olhar para trás e chamou Olho de Tigre. Escutou ainda os passos de seu pai seguirem-na e exclamar palavras que ignorou, a sombra de seu dragão passar pelas janelas do castelo, o som do brasão dos Cavaleiros de Dragões ecoar no piso de mármore quando arrancou-o de seu peito.
Com um golpe brusco se livrou da mão que agarrou seu braço, girou sobre os pés e um segundo depois a ponta de sua espada estava sob o queixo do Cavaleiro.
Num impulso de raiva ele disse que se estava saindo da corporação não tinha mais o direito de empunhar uma espada com a insígnia dos Cavaleiros, e sem uma palavra Persiana largou-a de onde estava. A lâmina caiu aos seus pés com ruído, virou-lhe as costas jogando a capa sobre os ombros e deixou o castelo, de encontro a Olho de Tigre.
O homem ainda insistiu em segui-la furioso, e Persiana encarou-o mais uma vez, com um sorriso pleno:
-Se vai dizer que não tenho mais o direito de montar um dragão por não ser mais uma Cavaleira, tente convencê-lo disto.
A fúria nos olhos do dragão e o rosnado ameaçador que escapou de sua garganta foram suficientes para Edward entender que poderia ser capaz de impedir Persiana, mas jamais seu dragão.

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Uma chuva grossa havia começado outra vez assim que a planície ficara para trás, logo se transformando numa tempestade agressiva quando as luzes de uma cidade começaram a aparecer no horizonte escuro.

Anastácio sentia seus braços tremendo, mesmo mantendo-os firmes com as mãos agarradas nas alças da sela, e calafrios a invadiam de minuto em minuto. Sabia que Zimäh também estava agitado, vez ou outra os músculos do dragão abaixo de suas pernas estremeciam e um arrepio percorria suas escamas prateadas. Apesar disso, uma sensação de determinação a dominava desde que acordara, mas não lhe agradava e lhe parecia estranha, podia até dizer frieza. Tinha medo de que voltar dos mortos a tivesse feito menos humana, mas não deixou que Zimäh compartilhasse de seus pensamentos sabendo que estava afundado nos próprios assim como ela.

Não fazia ideia de quanto tempo se passara em que esteve morta, mas se havia conseguido salvar Persiana e a Cavaleira tivesse conseguido chegar na Árvore, a notícia de que ela e Zimäh estavam mortos já deveria ser oficial. Não sabia o que fazer em relação àquilo, se sentia estranhamente perdida ao mesmo tempo que determinada, tinha medo de voltar e dizer ''ei galera, tamo vivo!'', e sentia que deveria ter um propósito, mas que desaparecera quando morreu e não conseguia mais se lembrar. Como se sua jornada não fizesse mais sentido..

Cavaleiros de Dragões II - A Joia PerdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora