Capítulo 74

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O enorme porão em que estavam presos tremia e ruía sobre suas cabeças, ouviam gritos de pessoas e rugidos monstruosos ecoarem da escuridão do teto do lugar, paredes  e chão começavam a ranger com as longas rachaduras que nestes apareciam.
A pior parte era que não havia para onde correr, a escada que levava para o alto era trancada pelo portal mágico que aparentemente só sua sequestradora tinha acesso, e a porta que escutaram bater após a conversa da mulher com o comandante daquilo tudo no outro dia não podia ser vista em lugar nenhum. Tudo que podiam fazer era observar e esperar entre morrer e ser salvos.
Um enorme pedaço de pedra maciça despencou da escuridão naquele momento e se desfez com estrondo em cima do altar da Joia, destruindo-o e libertando o fragmento brilhante de  sua cela mágica, piorando a situação quando sua energia foi liberada no lugar. Kenny fechou os olhos com a pressão repentina da energia do fragmento em sua mente, mas Patrick parecia estar bem para sua surpresa, e agarrou seu braço puxando-a para o lado no instante em que outra pedra menor se estilhaçou no chão onde estivera. 
Os jovens em pânico gritavam e se espremiam contra as paredes, e com um estrondo a criatura dona dos rugidos furiosos atravessou o teto, fazendo chover fragmentos de pedra e madeira, e Kenny e Patrick tiveram de se proteger com os braços. A garota olhou em volta desesperada, procurando pelo fragmento soterrado sob as pedras e poeira da destruição e encontrando-o a alguns metros de distância, e Patrick não teve tempo de perceber pra onde ia e impedi-la antes que agarrasse a Joia sem pensar.
O enorme corpo do dragão pousou estrondosamente no centro do poço semidestruído, rugindo e olhando em volta procurando ferozmente pelo seu Cavaleiro, enquanto Patrick procurava desesperado por Kenny, no momento em que a garota colocou a mão no fragmento. Foram cegados por uma luz ofuscante que explodiu de onde a vira pela última vez, não sabia se da garota ou da Joia, mas ela se dissipou tão rápido quanto surgiu, e Patrick abriu a boca, fechando-a logo em seguida ao perceber que Kenny parecia bem.
Ela o olhou parecendo tão surpresa quanto ele, olhou para o fragmento brilhante em sua mão e de volta para o amigo, mas naquele momento sua atenção foi atraída pelo rugido de Mauk, impaciente e só então perceberam que havia alguém na sela.
Kenny imediatamente voltou a levantar sua guarda ao reparar no desconhecido que montava Mauk, completamente trajado de perto até a armadura, uma máscara preta cobria metade de seu rosto até o nariz, deixando a mostra apenas olhos negros e puxados, e uma lâmina afiada na mão esquerda - pendurada despreocupada ao lado do corpo.
-Vão ficar parados até seus inimigos chegarem? -falou agora, com uma voz surpreendentemente jovem. -Viemos resgatar vocês.
Kenny voltou o olhar nervosa para Patrick, imóvel do outro lado da masmorra destruída, encarando o garoto como se tivesse destruído aquele lugar sozinho com um martelo de brinquedo. Seu rosto exibia uma expressão estranha, uma mistura de surpresa e felicidade que tentava esconder, e Kenny se perguntou assustada por um momento se ele conhecia o garoto, por bem ou mal.
Enfim pareceu sair do transe, e olhou para Kenny acenando positivamente com a cabeça e logo em seguida correndo na direção de seu dragão, que abocanhou suas correntes, quebrando-as num segundo. A garota seguiu seu exemplo, e no instante em que perguntaria o que fariam para tirar Aska e os outros jovens dali, Mauk varreu os entulhos de cima da dragonesa em um movimento da cauda, e depois dos dois aprendizes montados em suas costas, abraçou-a com as quatro patas e levantou vôo.
Com quatro batidas violentas das asas, o dragão cinza saiu  do buraco, arrancando o restante que sobrara da taverna ao emergir do enorme poço e pousou na rua, deixando Aska delicadamente no chão antes de deixar seus cavaleiros descerem.
Kenny desceu de pernas trêmulas, a mão firmemente fechada em torno da Joia e ajudou Patrick a descer. Porém, quando se virou para a rua e para os restos mortais da taverna, estremeceu, e seu olhar congelou na visão ao seu redor - uma dúzia de guerreiros igualmente vestidos de preto dos pés à cabeça os cercava, em silêncio, e quando Mauk desceu mais uma vez para buscar o restante dos jovens sequestrados, um deles deu um passo à frente, abaixando a máscara que cobria seu rosto.
Patrick estava estático ao seu lado, pálido como nunca o vira, parecia estar tentando decidir se olhava para o garoto que montara Mauk lá embaixo, que agora se juntara aos seus companheiros, ou para a figura que se aproximara e os encarava naquele momento.
Parecia ser o líder do grupo, já que era o único que se moveu naquela hora e se permitiu tirar a máscara, revelando sua identidade que Kenny supôs dever ser secreta, apesar de não ousar fazer muitas suposições num momento como aquele.
-Q-quem s-são vocês..? -a garota perguntou nervosa, tentando soar determinada e alguns segundos se passaram nos quais Mauk retornou com os outros adolescentes do lugar e estes foram recebidos pelos outros guerreiros e escoltados para uma carruagem negra, que notou só então.
-Quem você acha? -foi surpreendida pela voz feminina do líder do grupo, com um sorriso breve, mas Kenny não ousou responder, sentindo que aquilo era mais uma provocação do que uma pergunta real, talvez testando até onde ia sua coragem.
Um rosnado grave escapou da garganta de Mauk quando a mulher se aproximou mais dos dois jovens e ao mesmo tempo os guerreiros colocaram as mãos em suas armas, mas a comandante levantou a mão, impedindo-os de desembainhar qualquer uma. Ela olhou nos olhos de Kenny, que tão pouco os desviou, e disse:
-Logo vai descobrir.
O olhar claro que lançou para Patrick fez a garota mais uma vez questionar se ele sabia quem eram aquelas pessoas, e o rosnado constante na garganta de Mauk quando a guerreira se aproximou mais um passo até parar de frente de Kenny mas o fato de não atacar quando ela tocou a mão fechada da garota, só aumentou suas suspeitas. Se o cavaleiro os conhecia então o dragão também deveria.
-Um resgate tem um preço, garota.. E me contentarei com o que você tem aqui. -A mulher disse agora, levantando a mão de Kenny que segurava o fragmento, e soltando-a quando a garota não fez questão de abri-la.
-Não quero parecer sua inimiga, então vamos fazer um trato: Me entregue a Joia e eu lhe responderei qualquer pergunta que me fizer.
-Quem são vocês? -Kenny perguntou quase de imediato, cerrando os olhos, mas a mulher estendeu a mão de luva preta, aberta na direção de Kenny com o claro sinal que passava, mas ambas se surpreenderam quando Patrick as interrompeu:
-P-por fav-vor, nos d-deixe ir... Sabem p-porque te-mos que devolver a-a joia...
A mulher voltou seu olhar sombrio para o garoto de olhar abaixado e gaguejando horrivelmente, abaixou a própria mão e para a maior surpresa de Kenny, respondeu:
-Bem, devolvam-na então. Mas espero estar te dando a chance certa, Patrick.
Kenny soltou todo o ar que percebera estar prendendo quando ela se afastou dos dois e do dragão, fazendo o rosnado ameaçador cessar e percebeu o mesmo de Patrick, mas que apesar de respirar aliviado ainda estava com os ombros tensos e a cabeça abaixada quando a mulher deu a ordem de partida para seus aliados.
Seu coração ainda estava acelerado quando os guerreiros negros passaram por eles e ocuparam a carruagem e os cavalos que esperavam ao redor dela; porém, o garoto que os tirara do poço com Mauk, ao passar por eles como o último do grupo, trocou um olhar notável com Patrick, fazendo a mente de Kenny se retorcer e embrulhar de confusão e ao mesmo tempo medo do que era tudo aquilo. Uma estranha sensação de que não seria a última vez que veria aquelas pessoas a dominava.

Jenny estremeceu, parando de andar quando sentiu um repentino toque familiar em sua mente, fazendo com que Mielnë também parasse e a olhasse, preocupada.
-Jenny? Tudo bem?
A aprendiz franziu as sobrancelhas, o contato havia sumido tão rápido quanto tinha chegado. Mas de alguma forma a mensagem foi tão clara que seria absurdo ignorá-la, e se voltou para a elfa, hesitante.
-Mielnë, eu... Preciso ir.
A mestra ficou em silêncio, observando Jenny num misto de tristeza e orgulho que a garota não conseguiu interpretar, e sorriu.
-Entendo.
-Entende?!
-Sim, você tem sua missão e seus companheiros, assim como eu. Sei que precisa levar a Joia de volta ao seu lugar.
Quase se esquecendo de que a elfa entrara em sua mente e sabia de quase toda sua vida desde então, Jenny a olhou surpresa quando Mielnë falou:
-Mas antes de partir preciso que veja algo.
Jenny aceitou confusa o braço estendido para que enganchasse o seu, e voltou a acompanhar a elfa pelas ruas organizadas da cidade, esperando ansiosa pelo que veria.
Mas enquanto andavam, uma pequena tristeza começou a se formar em seu peito, percebendo que a Fronteira já ocupava involuntariamente um pedaço de seu coração, e abrira sua mente para várias perguntas que deveria ter se feito há tempo. Tanto quanto só agora a fazia se questionar o que faria depois que voltasse para o Cavaleiros, quando reencontrasse Kenny e lhe contasse sobre seus verdadeiros pais. Ainda não sabia a real razão da guerra silenciosa e invisível que acontecia naquele reino e queria permanecer na Fronteira e descobrir, e aprender tudo que Mielnë e todo aquele povo misturado poderiam ensiná-la. O que faria depois que a missão terminasse? Voltar às aulas de combate e à rotina da Base não parecia considerável depois de tudo aquilo, mas o que deveria fazer? Deserdar? Também não parecia certo, e não saberia como explicar para os outros aprendizes, ou talvez como convencê-los a fazer o mesmo?
Seus pensamentos foram interrompidos pelo ranger de grandes portas, e se viu diante de uma grande construção de pedra e vigas de madeira, majestosos telhados pontudos e grandes janelas de vidro antes de ser empurrada para dentro por Mielnë.
As portas foram fechadas às suas costas, fazendo um arrepio percorrer sua nuca, e a elfa conduziu-a por um salão de teto alto, sustentado por grossos pilares de pedra esculpidos e decorado nas paredes por diversas estátuas de formas fantasiosas do que deveriam ser deuses e criaturas mágicas.
Guardas ocupavam cada dois metros até chegarem numa curta escada e atravessarem outra porta dupla para um salão menor. Neste, paredes abertas de troncos esculpidos em formas de flores e galhos sustentavam um teto circular pintado de céu e constelações, e no chão à sua frente uma pequena piscina de água esverdeada e clara fora construída sob um santuário flutuante - um pequenino altar de pedra clara guardando uma estatueta do que devia ser uma entidade sagrada com vários braços e cabelos longos escorrendo sobre os ombros até os pés elegantemente cruzados. Pequenos chifres curvados saíam de sua cabeça, e as palmas de todas as suas mãos estavam voltadas para cima, na direção que um pequeno cristal rosado ocupava entre os chifres da criatura.
Mielnë esperou paciente enquanto Jenny se fascinava nos detalhes do santuário flutuante, até que em um momento a garota se interrompeu, de sobrancelhas franzidas e expressão surpresa.
-Mielnë... É um fragmento..? Da Joia?
Mielnë viu as lágrimas nos olhos da garota no momento em que acenou positivamente, e colocou a mão em sua cabeça, afagando-a.
-Ela ajudava a esconder a Fronteira do olhar do reino. Como acha que conseguimos guardar o segredo de uma cidade inteira?
Ela riu quando Jenny fungoue  retrucando com tristeza:
-Eu não posso levá-la! Vocês precisam dela... Seria entregar pro reino tudo que meus pais construíram!
-Agora você sabe que existimos e que a Fronteira corre perigo nas mãos do reino. -a elfa respondeu. -E é por isso que deve levá-la de volta para a Árvore, sabendo que estamos aqui e que só você pode decidir se os Cavaleiros saberão nossa localização depois que a Joia não puder mais nos proteger.
Jenny limpou as lágrimas que desceram suas bochechas, levantando o olhar triste quando Mielnë se abaixou diante dela, pegando sua mão:
-Jenny, eu sou imensamente sortuda por ter conhecido você, a filha de quem me adotou e criou esse refúgio para pessoas de todos os clãs, e ainda descobrir que tem uma irmã e que são cavaleiras de um dragão. Não posso lhe pedir para ocupar o posto de seus pais aqui na Fronteira, mas seu que lutarão por ela da forma que puderem, e que podem mudar esse reino. Lembre-se que você é uma Cavaleira de Dragão, Jenny, vocês podem lutar pela liberdade desse país como nosso povo não pode.
Jenny balançou a cabeça, fazendo que sim, e fungou mais uma vez, dizendo:
-Eu prometo que lutarei.

Demorou de novo, mas postei! Me digam o que estão achando, vocês tem teorias, suspeitas? Quero saber :3
Comentem aí e até o próximo capítulo!

P. S: Em breve postarei novas ilustrações então fiquem de olho!


Cavaleiros de Dragões II - A Joia PerdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora