Capítulo 65

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-Eu era uma mercenária, e fui contratada pra acompanhar uma escolta de fadas com uma humana, entre outros mercenários, humanos ou não. Era uma quantia considerável pra só acompanhar um grupo do clã mais poderoso dos sete até as montanhas do norte, mas logo descobri o por quê.  A própria Kassandra estava atrás da humana que estava em seu grupo, pois ela sabia informações das fadas que poderiam garantir o domínio do reino sobre elas, e logo descobri que eu não era a única que foi paga para acompanhar o grupo de longe, disfarçada, e matar quem quer que tentasse pegar a mulher.
Enquanto Mielnë contava sua jornada para a Fronteira, Jenny comia a comida peculiar daquele pequeno estabelecimento das bruxas, escutando-a entre arrepios e esperando o momento em que saberia mais sobre seus pais.
--Mas por que você era uma mercenária? Eu achei que os elfos eram mais... Mais..
-Nobres? -Mielnë sorriu. -Eu fui expulsa do Segundo Território. E eu tinha que me sustentar de alguma forma, então usei minhas habilidades para realizar trabalhos sujos de nobres e generais encrencados, e já que os elfos não são aceitos entre os humanos e vice-versa, tive que fazer algo em que eles não se importassem com minha raça. Depois de algum tempo um nobre me contratou de forma permanente, eu vivia escondida do olhar alheio e em troca fazia os trabalhos que ele tinha pra mim. Era uma grande vantagem visto que eu só agia à noite, tinha dinheiro garantido e não correria o risco de ser caçada pelo reino. Mas então de repente ele disse que não precisava mais de mim, e me tirou do feudo sem mais explicações, e na mesma noite uma fada me fez uma oferta que parecia boa demais. Obviamente fiquei desconfiada, primeiramente era uma fada no meio do reino humano, e estava pagando uma pessoa mais fraca que qualquer um de sua raça para proteger a ela e seu grupo. E o pagamento era suficiente para que eu vivesse sem trabalhar pelo próximo ano inteiro.
Mielnë fez uma pausa para comer uma colherada de sua própria vasilha,  fazendo Jenny balançar a cabeça e esfregar os braços arrepiados. Era como se assistisse à um filme ou lesse um livro cheio de suspense, e logo a elfa voltou a falar:
-Enfim aceitei, não tinha nada a perder afinal. Fiquei ainda mais desconfiada com o fato de ter uma humana entre eles, mas permaneci com o grupo, observando-os ao mesmo tempo que os protegia de longe, pois confiava o suficiente nas minha habilidades para deixá-los quando quisesse. Até tentei abandonar a missão quando as coisas ficaram perigosas demais pro meu gosto quando os próprios Cavaleiros de Dragões nos encontraram, e esse foi o momento em que conheci seu pai. Ele descobriu sabe-se-lá-como que eu estava fugindo, e apareceu quando eu estava despreparada, mas não lutou nem nada pra me impedir. Apenas disse que precisava de mim, e prometeu que quando chegássemos no destino eu não precisaria mais me esconder e fazer trabalhos como aquele.
-E você ficou? -Jenny perguntou nervosa quando a elfa pegou outra colherada calmamente, e ela soltou uma risada.
-Quando uma fada te faz uma oferta dessas, é difícil não acreditar no que ela diz. Então eu fiquei e matei mais uma dúzia de assassinos do reino que vinham atrás dele e da humana que descobri que ele protegia.
-Espera, então meu pai era do grupo de fadas? Ele era uma fada?
-Sim, ele parecia ser o líder ou algo parecido, que as outras fadas estavam lá para proteger.
Jenny abriu a boca, mas não tinha palavras e nem sabia o que deveria falar pra uma situação dessas. Gesticulou para que Mielnë continuasse contando depois que desistiu de soltar outra exclamação abismada, e a elfa continuou:
-Bem, alguns dos outros mercenários morreram no caminho, outros nos deixaram antes de chegarmos e foram embora com suas recompensas, mas eu fiquei, tanto por não ter pra onde ir quanto porque queria saber loucamente qual era o destino daquele grupo. Quase morremos no caminho algumas vezes, que é o motivo onde começa a sua história.
Mielnë terminou de comer e assim fez Jenny, e a elfa se levantou, fazendo a garota voltar a acompanhá-la pela rua, dessa vez na direção que subia a montanha.
-Kassandra parecia disposta a colocar tudo em jogo e risco pra conseguir capturar a mulher que viajava com as fadas - que a propósito estava grávida e prestes a dar à luz - , e eu tive a impressão de que naquele dia todas as forças de batalha da elite se encontraram pra nos caçar. Eu já tinha decidido que iria morrer naquele dia, então ao menos podia fazê-lo lutando. Eu, os mercenários que sobraram e o grupo de fadas ficamos na batalha enquanto seus pais procuraram um esconderijo e abriram uma Janela do Tempo na beira de um rio, colocaram seu bebê numa cesta e deixaram a água levá-la pela Janela para o mais longe possível.
A essa altura Jenny já sabia que a humana era sua mãe, e sentiu lágrimas silenciosas brotarem em seus olhos ao se lembrar de como sempre amaldiçoara seus pais verdadeiros por terem abandonado a ela e sua irmã, como desejara nunca saber mais nada sobre eles nem encontrá-los depois de adulta, nem que fosse por coincidência. Mielnë não parecia saber que haviam nascido gêmeas, a julgar pela forma que falou, e olhou surpresa para Jenny quando esta fungou.
-Somos gêmeas. Eu tenho uma irmã gêmea.
-NÃO!- a elfa exclamou pasma, assustando-a, e parou de andar, agarrando o ombro da garota. -Onde está ela? Está viva??
-E-eu espero que sim. -Jenny respondeu assustada com a reação da guerreira, que agora a encarava de olhos arregalados. Por que queria tanto saber de Kenny?

Patrick acordou no meio da noite tremendo de frio, encolhido sob seu luxuoso coberto de saco de batatas esfarrapado, entre Kenny e a parede de pedra. Era a segunda noite que passavam naquele lugar horroroso, acorrentados ao altar de pedra no centro daquele enorme poço, sem energia alguma para sequer pensar num plano de fuga.
Havia mais quatro jovens além de Patrick e Kenny ali, todos pareciam ser aproximadamente da mesma idade, mas tinham traços que Patrick não reparou nas pessoas da Terra da Geada, fazendo-o imaginar que eram de outros reinos.
Não entrava luz do dia naquele lugar, só sabiam que era de manhã quando um criado vinha acordá-los, lhes dava uma mísera quantidade de comida e saía. Depois eram obrigados a fazer alguns exercícios para espantar a sonolência e então transferir ao longo do dia toda sua energia para o altar de pedra - se se recusavam, eram torturados até cederem, e no final do dia a mulher que os capturou vinha e checava se tinham mesmo dado toda a energia que tinham. Caso contrário, ela mesma transferia o resto e ainda levariam algumas porradas de brinde.
No final de cada dia, o homem que provavelmente era a razão de tudo aquilo vinha e seus subordinados que sabiam de magia passavam a energia no altar para ele, mas cadq vez ele parecia mais frustrado. Já haviam percebido que sua intenção era roubar energia suficiente até ser capaz de se apossar do grande cristal que estava contido no altar, e enquanto não conseguisse, eles continuariam ali.
Ainda deveriam faltar algumas horas para o amanhecer, pois não havia sinais do criado e nem dos sons da taverna sendo preparada para abrir ecoando do alto do poço, mas Patrick acordou de repente ao sentir um toque fraco em sua mente, mas perceptível. Só podia ser da mente de Mauk, apesar de que o dragão deveria estar muito longe ainda, pois só conseguira mandar um curto e fraco sinal de que estava lá, em algum lugar, nem o suficiente para que pudesse ter certeza de que era mesmo o dragão.
Fechou os olhos e fingiu voltar a dormir ao ver um dos jovens percebendo-o acordado, de quem já percebera vários olhares hostis desde que chegara com Kenny.
Tentou responder ao sinal de Mauk, expandindo ao máximo sua consciência para todo ser vivo que pudesse ter feito contato com ele no maior raio de distância que conseguiu, procurando pelo dragão e torcendo para que este percebesse, onde quer que estivesse. Até chegou a sentir uma pontada de agulha da mente de quem o procurara segundos antes, mas teve de se recolher ao atingir o seu limite. Se fizesse mais esforço acabaria inconsciente de novo.
Patrick? Ouviu a voz de Kenny,e deixou que fizesse contato ao perceber que ela também estivera acordada. O que você fez? Senti sua mente muito forte de repente.
Acho que Mauk nos encontrou.
Como?? Você disse que a última vez que tiveram contato foi quando ainda estava com Dina!
Também não sei, e não tenho certeza se é ele. Mas eu recebi algum sinal.
Isso é bom.. Eu acho. Ela respondeu, e Patrick se recolheu de sua mente, sabendo que não tinham que falar mais do que aquilo e que a garota o entendia. Também tinha que recuperar ao máximo suas energias se não quisesse ser torturado no dia seguinte.
Aska continuava inconsciente, mas descobriram que era, aparentemente, por "vontade" própria - a dragonesa controlava sua mente para deixá-la apagada e inalcançável para qualquer um que tentasse fazer contato - segundo uma conversa que ouviram sem querer no outro dia, entre a mulher que os capturara e quem quer que fosse seu superior:
-Esse dragão é complicado. Está bloqueando suas energias e sua mente todo o tempo. É como se tivesse se desligado totalmente.
-Interessante..
-Mas não entendo sua intenção com isso. Será que não tem nenhuma perspectiva de escapar? Não tem como ele saber se sua dona tiver um plano de fuga.
-Deixe-o. Uma hora terá de acordar de qualquer jeito. -o homem riu.
-Você sabe que dragões não pensam assim...
Patrick e Kenny se encolheram com o  barulho alto do soco que o homem deu em alguma superfície de metal que ecoou pelo poço, rosnando:
-Então mate-o! Que utilidade ele tem pra nós?
-Senhor, se os Cavaleiros..
-Por que acha que eles vão descobrir, mulher?! -ele berrou, e escutaram um som mais abafado, e logo em seguida um gemido de dor da mulher. -Está confiante de que sua garota vai escapar?!ESTÁ?!
-N-não senhor. -Ela abaixou a voz e após um curto silêncio escutaram passos se afastando e o barulho de uma porta sendo aberta e fechada.
Kenny ousou espiar por cima do ombro para o lado que havia virado as costas para dormir, mas se encolheu ao encontrar diretamente com o olhar sombrio de sua sequestradora, que esfregou o hematoma escuro que começara a surgir em seu rosto e cuspiu:
-O que está olhando, garota?
-

Cavaleiros de Dragões II - A Joia PerdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora