Capítulo 52

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Apesar de sentir que aquela mulher estava do seu lado, um frio no estômago incomodava Kenny, lhe avisando que deveria tomar cuidado ao confiar nela.
Não sabia praticamente nada sobre os espíritos e deuses dos Quatros Reinos, e o pouco que aprendeu sobre magia fora tudo que Alexandro Nawaly lhe deixou no pequeno livro desgastado e escrito à mão, somado ao pouco que os Cavaleiros lhe ensinaram; mas não precisava ser uma mestre para saber que aquela mulher não tinha uma gota de sangue humano.
Os olhos vazios e brancos pareciam enxergar cada segredo mais profundo que Kenny tivesse, e dobraria a mente da garota à sua vontade se assim quisesse. O sorriso calmo e inclinado mais para a direita do que para a esquerda lhe dava calafrios, como a postura tranquila de um guerreiro experiente sabendo que a vitória era sua, e a lua minguante em tinta preta em sua testa parecia escorrer névoa negra se focasse o seu olhar nela por alguns segundos.
-Estou surpresa. -a mulher começou a falar, e sua voz grave vibrou nos ouvidos e na mente de Kenny, ao mesmo tempo que tudo à sua volta reagia apenas à simples presença dela, os pássaros e insetos se silenciaram nos campos e o vento parou, fazendo as árvores e plantações praticamente voltar sua atenção pra ela. Prosseguiu: -Todos vocês reagiram com uma plenitude surpreendente a mim.
-Vocês..? -Kenny franziu as sobrancelhas, fazendo esforço para encontrar sua voz, como se estivesse em transe e sua consciência se prendesse àquela mulher misteriosa. Esta sorriu e suspirou, estendendo a mão ao falar em tom impaciente:
-Sim, vocês, aconteceu com seus amigos o mesmo que aconteceu com você. Não achei que apresentações fossem necessárias, nomes são muito poderosos pra serem ditos àtoa qualquer hora. Mas enfim, -ela fez um movimento com a mão, um cumprimento que Kenny nunca tinha visto na Terra da Geada, tocando a testa com a ponta dos dedos e afastando a mão em sua direção, logo abaixando-a com uma breve reverência, seguindo: -Tenho muitos nomes, mas o mais rodado na boca do povo é Naomy.
Um arrepio percorreu as costas de Kenny, e sentiu como se o mesmo acontecesse com a natureza à sua volta quando a mulher pronunciou seu nome, entendendo então o que ela quis dizer com nomes são poderosos.
-Mas como não temos muito tempo, apesar de tempo ser relativo, não vamos ficar aqui de boca aberta admirando minha beleza, certo?
-C-certo.. - Kenny fechou a boca sem graça, e a mulher estalou a língua satisfeita, voltando a falar quando, com um crepitar do ar e uma corrente de ar gelado, um buraco começou a se "formar" no cenário ao seu lado, que parecia sugar todas energias que estivessem perto dele. Como se nada estivesse acontecendo ela dizia:
-Vou ser bem breve, eu sei que você pode se assustar com informações repentinas, mas eu preciso resumir porque nossa viagem vai durar pouco. Primeiramente entenda o que aconteceu com você e os seus amigos aprendizes durante o começo da missão:...
Antes de prosseguir ela ergueu a mão, oferecendo-a para Kenny, para que a garota a seguisse para dentro do buraco negro que já atingira tamanho suficiente para que entrassem nele sem problemas, e a garota segurou-a insegura, reparando só então os dedos em formato de grossas garras, tão negras quanto a lua em sua testa, que se misturavam à sua pele branca num degradê suave, tornando-as até bonitas.
Naomy sorriu e fechou a mão nos dedos de Kenny, dando um passo na direção do buraco e imediatamente foi sugada, puxando a aprendiz junto. Kenny primeiro sentiu apenas seu cérebro sendo chacoalhado e o frio cortante penetrando sua pele, um turbilhão de breu total e galáxias estreladas passando à velocidade da luz por ela, e se não fosse o punho de ferro de Naomy segurando-a, já teria ido parar em outra dimensão.
De repente tudo se acalmou, e o breu galáctico se transformou numa luz agradável que por alguma razão trouxe a imagem de um campo de flores com água em algum lugar perto e insetos e pássaros voando pacificamente à mente de Kenny, mesmo sendo luz tudo que ela via. O toque de Naomy afrouxou em sua mão, mas não soltou-a, e Kenny olhou-a quando começou a falar:
-Temos aproximadamente vinte minutos pra eu te explicar a razão da existência.
-Como é?! -Kenny exclamou, mas a mulher abanou as mãos dizendo que era brincadeira, e começou:
-Muito que bem, preste bem atenção no que eu vou resumir agora. Você já sabe o que é a poção tempestade, e ela foi usada de maneira errada por um inimigo interessante, fazendo vocês serem espalhados cada um pra um canto da dimensão submersa, não me pergunte o que é isso pois não temos tempo. O único intuito era atrasar a missão, mas como eu tenho certo sentimento pelos Quatro Reinos, eu decidi interferir no caminho do destino, e ele mostrou a cada um de vocês o que precisavam para se livrar das amarras do passado e seguir em frente com toda a sua força do ódio. E sinto lhe dizer que você tem um papel importante nessa parte, porque por incrível que pareça, você é a luz no final do túnel que seus amigos precisam pra não cair no poço escondido embaixo dos trilhos.
Kenny não teve tempo de se perguntar como ela sabia de seu conhecimento sobre a poção, muito menos como ela poderia interferir no caminho do destino, se é que ele existia, pois naqule momento ela gesticulou para a esquerda e uma imagem fantasmagórica surgiu no ar, do tamanho de uma tela de cinema, fazendo as duas quase entarem na imagem. De início Kenny observou aquilo impressionada, mas então, como uma lança fincada em seu peito, ela arregalou os olhos com a imagem que via acontecendo ali. Era Patrick. Como mil garras rasgando-a por dentro, aquilo despertou um ódio instantâneo na garota como nunca sentira antes, toda sua sanidade desapareceu como um sopro ao ver aquela pessoa, quem chegara mais perto do que gostaria de chamar de melhor amigo, ser abusada, estuprada por alguém que se aproveitava de sua vulnerabilidade para o próprio prazer.
-Quando foi isso? -Kenny rosnou, sua mente já não processava mais nada além do desejo de ter estado ali e matado aquela mulher com as próprias mãos antes sequer de tocar em Patrick, e Naomy respondeu séria:
-Está acontecendo agora. E não precisa me dizer o que gostaria de fazer com ela, foi com o intuito de te enviar pra lá que estou te mostrando isso.
-Me manda pra lá AGORA!-a garota rugiu, e Naomy estalou os dedos, já vendo a energia mágica da garota quase explodir pra fora de seu corpo, e em segundos ela estava do outro lado.
-Às suas ordens.
A imagem se desfez em fogo e poder no momento em que a garota japonesa tocou o chão do mundo mortal, sua voz ecoando como mil ao mesmo tempo, carregando parte do poder da própria deusa ao gritar:
-CACHORRA FILHA DA P*%#A!!!
Naomy desviou os olhos ao ver o corpo da mulher que causara todo aquele ódio em Kenny se destroçar sob o poder da garota, sangue se misturando a fogo e poeira quando a garota destruiu o cenário completo em que seu amigo vivera o pior de seus traumas. Com outro gesto das mãos uma forma negra e escamada se materilizou ao seu lado na dimensão de luz em que estavam, e o dragão de duas cabeças rugiu ao ver sua Cavaleira voltar, o rosto molhado de lágrimas e os braços apertados em volta de Patrick, que a abraçava de volta como se nunca mais fosse soltar.
-Boa viagem, Kenny Hayashi. -Naomy sorriu e acenou para o dragão, que envolveu os jovens com as asas no momento em que outro buraco negro surgiu e sugou os três para seu próximo destino.
-Espero que não se irrite com uma carta um pouco longa, pois não conseguiria terminar de falar tudo pessoalmente.

Uma brisa fria vinha do leste e bagunçava o cabelo chamuscado de Kenny, montada nas costas de Aska com Patrick semi consciente em seus braços, metade de sua energia sugada pelo buraco mágico que os trouxe até ali. Por algum motivo Kenny permanescera com a consciência ilesa, como se tivesse um estoque enorme de energia sobrando mesmo depois de ter viajado entre várias dimensões seguidas, e supôs ser um favor de Naomy, apesar de ainda não saber exatamente o que aquela mulher era. Ela tinha vários nomes, e o que ouvira rodava na boca do povo. Não especificou nenhum povo, dando a entender que era em todos os Quatro Reinos, e por último tinha poder suficiente para interferir no destino. Só poderia ser uma deusa. De repente uma ideia assustadora passou pela cabeça de Kenny, de que ela poderia ser o inimigo que roubara a Joia, mas logo descartou a ideia, pois ela já precisaria de muito poder apenas para tocar na Joia e depois pra permanecer e usá-a a seu favor. Também não teria ajudado-a se esse fosse o caso, e Kenny balançou a cabeça, afastando aquele tema de sua mente. Naquele momento ouviu Patrick murmurar em seu colo:
-Obrigado, Kenny...
-Não foi nada. -Sussurrou de volta, segurando-o firme à sua frente, a cabeça do garoto encostada em seu peito, meio sentado meio deitado na sela de Aska e sendo apoiado por trás pelo corpo de Kenny.
Assim que Aska apareceu e enrolou os dois em suas asas, a dimensão de luz desapareceu junto com Naomy, e apareceram tomando a direção totalmente contrária à que seguiam antes com Jack e Sam, e uma carta rabiscada em tinta dourada aparecera em seu bolso, lhe explicando mais uma montanha de coisas que ela não disse em sua "viagem" pelo espaço tempo.
Encontre o fragmento da Joia no oeste, o mar lhe dirá aonde ir. Sua irmã está ao extremo norte, e o dragão cinza a seguirá até seu destino final, mas antes de chegar precisará enfrentar um inimigo que já enfrentou antes, use o poder que te deixei, você saberá quando chegar a hora. Lembre-se da filha da mulher chamada Sailor, e queime esta carta quando terminar de ler. A chama lhe mostrará a última coisa que precisa saber para essa jornada.
Com carinho, Naomy

O destino.

Yehaaaaw, as duas semanas de provas acabaram, quero ouvir o amém de todo mundo. Esse capítulo ficou bem grande eu acho, mas é bom que compensa o tempo que fiquei sem publicar. Espero que tenham gostado, e tô feliz de estar de volta :3


Cavaleiros de Dragões II - A Joia PerdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora