Capítulo 58

567 95 1
                                    

Jenny sentiu um nó se formando em sua garganta e Lavin percebeu em seu silêncio, pois inclinou a cabeça e disse baixo:
-Não precisamos falar disso agora se não estiver preparada. Mielnë ainda deseja levá-la para conhecer a Fronteira, então...
Jenny assentiu devagar, preferindo ter um tempo para pensar antes de algo tão repentino. Quando morou no Japão, nunca se perguntou quem eram seus pais de verdade, pois sua família adotiva lhe era mais que suficiente, e nem queria saber que tipo de pais abandonavam as próprias filhas numa cesta de vime num templo, no meio do inverno.
Como se tivesse planejado seu momento pra entrar, Mielnë abriu a porta naquele momento, parando por alguns segundos para encarar os dois, e então exclamou:
-Lavin, você a soltou?!
O elfo a encarou chocado e Jenny se encolheu, sentindo que estava no lugar errado e nunca deveria ter levantado da cama até que alguém a acordasse, começando a gaguejar que saiu do quarto por conta própria e não era culpa de Lavin. Se interrompeu confusa porém quando a elfa começou a rir, e bateu no ombro de Lavin divertida:
-Gente, eu estou brincando! Deuses, eu não sei quem ficou mais pálido!
Ela riu sozinha enquanto Jenny abaixou o rosto envergonhada, e Lavin apoiou o rosto na mão, com cara de "misericórdia, o que faço com essa criança". Mas Mielnë se recompôs logo, e com um aceno pra Jenny, disse ao elfo que a levaria para conhecer alguém cujo nome a garota não entendeu, e o seu companheiro balançou positivamente a cabeça.
-Divirtam-se! -disse antes de deixarem a sala, e Jenny teve a leve impressão de que não seria tão divertido assim.
Mielnë a conduziu escada abaixo, e chegaram a uma sala cheia de escadas que cruzavam o caminho umas das outras. Ao invés de uma escadaria normal, cada apartamento do prédio em que estavam parecia ter uma escada individual, e todas elas se encontravam no centro, enrolando-se numa confusão até interessante de degraus e corrimãos até lá embaixo.
Parecia um cenário de algum filme de fadinhas, pensou Jenny, observando os raios de sol atravessarem uma fresta proposital ao longo da parede.
Quando chegaram no fim das escadas,  uma espécie de pequeno pátio interior e circular levava para a porta do prediozinho, e uma rosa dos ventos decorava o chão calçado do pátio. Mielnë abriu a porta dupla para a rua e deixou Jenny sair, curiosa, seguindo-a logo depois e conduziu a garota humana pela rua calçada de pedras, ora ou outra cumprimentava alguém ou alguém a cumprimentava, e Jenny reparou que as pessoas pareciam gostar dela, e lhe lançavam olhares de respeito e até gratidão.
As pessoas também demonstravam curiosidade em relação à garota que acompanhava a elfa, assim como ela em relação às pessoas.
-Pare de encarar as pessoas que são diferentes de você. -Mielnë chamou sua atenção e Jenny abaixou o olhar envergonhada.
-É-é que é tudo tão diferente...
-Diferente do que você julga normal. Diferente só porque não é igual você. Abra essa mente, garota.
Jenny enrubesceu. Admitiu que era um pouco mente fechada devido à sua criação, sua mãe era uma japonesa conservadora, apesar de que Kenny era exatamente o contrário, desde que conseguia se lembrar, sua irmã sempre questionara as opiniões conservadoras de sua mãe, sobre qualquer que fosse o assunto: estrangeiros, raças, sexualidade. Assim já crescera com a mente aberta e diferenças não era uma palavra que existia em seu vocabulário. 
Seus pensamentos voltaram à atualidade quando começaram a descer uma escadaria larga e aos poucos o final dis prédios foi surgindo e exibindo um grande gramado lá embaixo. Alvos e equipamentos de arco e flecha se espalhavam por ele e no centro do gramado uma arena havia sido construída de pedra.
Conforme se aproximavam dela, começaram a ouvir sons de metal sobre metal e gritos de luta.
A arena era aberta para o céu, e uma escada que também servia de arquibancada a contornava, entre três escadas mais estreitas com corrimão de madeira entalhada por onde os guerreiros desceriam para a arena sem ter que se esgueirar pelo público. Desceram por uma delas e Mielnë acenou para os dois indivíduos no centro da arena, que naquele momento pararam sua luta ao vê-la.
Um deles era um garoto que parecia ter a idade de Jenny, baixo e com cabelos castanhos presos numa longa trança, de pele escura como a de Mielnë e olhos amarelos que a aprendiz achou um tanto assustadores. Ele usava uma armadura leve que parecia cobrir mais o lado direito do que o esquerdo de seu corpo, e um cinto com algumas adagas de diferentes tamanhos e formas pendia de sua cintura.
A outra era uma garota, daquelas pessoinhas brilhantes que Jenny vira de longe na cidade, e de perto ela parecia ainda mais iluminada. Tinha o cabelo amarelado e curto como um menino, uma franjinha cacheada caindo na testa, olhos cor de mel e orelhas pontudas, e suas roupas eram iguslmente amarelas, entre alguns detalhes pretos e marrons de couro. Ela não portava nenhuma arma, fazendo Jenny se perguntar de onde vinha o barulho de antes.
Era do tamanho de uma criança de 14 anos, mas algo em seu olhar e sua postura diziam à Jenny que ela não era uma criança.
-Esses são Naro e Leo. -disse Mielnë agora, e Jenny retribuiu educada o sorriso que ambos lhe deram, mas confusa com os nomes, que pra ela parecism ambos masculinos.
-Eu sou Naro. Ela é Leo. -disse o garoto maior, e apontou para sua companheira, fazendo Jenny também se apresentar, timidamente. Mielnë colocou a mão em seu ombro e comentou com os dois jovens:
-Ela é a garota que achamos na divisa, lembram? Pretendo treiná-la por um tempo enquanto estiver aqui.
Os dois acenaram entusiasmados, e Jenny teve a impressão de que a última frase era um convite para aqueles dois ajudarem a treiná-la, e garota disse insegura:
-E-eu já sei lutar...
Mas as expressões divertidas e confiantes que os três assumiram a convenceram no mesmo momento de que não sabia nada, e simplesmente aceitou que ali seria outra pessoa da que fora até então, e da qual nem mesmo se lembrava totalmente.
-Será um prazer tê-la conosco. -Naro sorriu e esticou a mão, fazendo a garota perceber assustada que no lugar de suas unhas, pequenas garras felinas e bonitas saíam de seus dedos, e Naro pareceu perceber seu estranhamento, pois puxou a mão de volta sem graça e olhou para Leo. A garota flutuante suspirou e olhou para Mielnë, que falou em tom impaciente:
-Não seja medrosa, garota. É melhor começar a se acostumar. Além disso é como apertar a pata de um gato.
Jenny pediu desculpas embaraçada,e tentou explicar que não o fez por maldade, mas a elfa apenas lhe deu alguns tapinhas nas costas e se virou, saindo da arena após um último sorriso para os três. Jenny a olhou confusa, e então para seus dois novos companheiros, e soube que seu tempo naquela sociedade secreta não acabaria tão cedo..

Cavaleiros de Dragões II - A Joia PerdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora