Capítulo 31

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Todos os Cavaleiros e dragões estavam no salão, sérios e vestidos com suas armadiras completas. Edward ocupava a cabeceira da mesa, e começou a falar quando todos estavam acomodados em seus lugares:
—Bem... Hoje finalmente iniciaremos a tão importante missão, certo?.. Graças aos itens e anotações do mago sacerdote agora temos uma ideia de onde os fragmentos da Joia se encontram e pudemos nos preparar para recuperá-los. Cada um de vocês receberá um mapa detalhado dos Quatro Reinos e a localização de cada fragmento.
Edward pegou algo do lado de sua cadeira e distribuiu entre os Cavaleiros pequenos papéis amarelados cuidadosamente dobrados.
—Porém.. —voltou a falar quando viu que todos tinham um dos papéis em mãos. —.. Não podemos arriscar que esses mapas caiam em mãos inimigas, portanto quero que usem um desses encantos para fixarem o mapa em sua mente e depois queimem-o. E principalmente vocês, aprendizes, não mostrem em circunstância alguma, para qualquer outra pessoa que não seja um dos Cavaleiros.

Jenny observou o mapa em suas mãos,  se sentindo dentro de um livro ou filme de aventura e batalhas épicas, segurando um mapa precioso que poderia ser roubado.
Eu imagino o quanto disso tudo nós ainda não sabemos e provavelmente nunca deveríamos descobrir... Pensou, lembrando de todas as vezes nos últimos dias que evitara olhar nos olhos de qualquer Cavaleiro. Jenny já percebera que Anastácio e Patrick sabiam mais do que deveriam, seja lá sobre o que fosse, mas se perguntava se era a única que ainda não descobrira um segredo obscuro, ou um túnel secreto que levasse para uma sala de tortura, ou uma deusa presa debaixo do castelo ou qualquer outra coisa que a fizesse ser procurada como criminosa ou manipulada para esquecer tudo o que sabia.
Mas então, toda a graça de viver num mundo fantástico havia desaparecido, quando justamente descobrira algo que não deveria saber e fizera algo que não deveria fazer, há dois dias atrás.

Jenny andava pelos corredores vazios da Base, procurando pelo banheiro mais próximo depois que saíra da arena de arco e flecha com Aska e Kenny, concentrada apenas em não abrir demais as pernas e soltar tudo que prendia desesperadamente.
Quando finalmente encontrou uma empregada andando pelo corredor, não precisou abrir a boca para que a mulher entendesse do que precisava e já lhe indicou a próxima porta à esquerda.
Depois do alívio pós-banheiro, Jenny parou por alguns segundos na frente da porta e respirou fundo enquanto fechava a porta atrás de si. E foram esses poucos segundos na porta do banheiro que a fizeram saber de tudo o que um aprendiz de Cavaleiro não deveria saber.
Ao ouvir um barulho de algo de papel caindo no chão, a garota olhou para baixo, franzindo as sobrancelhas ao ver um pequeno origami de papel azul diante de seus pés, em forma de cavalinho. O origami trotou de um pé ao outro e levantou a pequena cabeça, olhando para Jenny como se esperasse algo de sua parte.
—Ooi.. —Jenny se abaixou, maravilhada com a delicadeza do cavalo de papel, e esticou a mão para tocá-lo, mas o origami fugiu, galopando para longe dela e voltando logo depois. Ele parecia impaciente, e Jenny inclinou a cabeça.
—Você quer me mostrar alguma coisa, bebê?
O cavalinho empinou e começou a galopar para longe, parecendo querer dizer "finalmente essa garota burra entendeu!", e Jenny começou a segui-lo confusa. Percorreu corredores e desceu escadas, fez-a abrir portas e se perder no labirinto de corredores, até que finalmente parou.
Jenny olhou em volta, percebendo que nunca esteve naquele lugar da Base antes, já imaginando o sermão de Edward se a visse ali. Quando voltou os olhos para o chão, procurou o pequeno origami misterioso, mas o cavalinho havia desaparecido, e tudo que restara era um pedacinho de papel do tamanho de um grão de feijão.
Só então percebeu que parara em frente a uma porta de madeira, da mesma cor que as paredes escuras do corredor, e ao apertar a maçaneta, estava destrancada.
Jenny entrou devagar e fechou a porta em silêncio atrás de si, observando a sala em que foi parar. Era relativamente pequena, tinha paredes desenhadas com flores de cores escuras e uma única lâmpada a iluminava.
—Jenny..?
A garota deu um salto de susto ao ouvir seu nome, e olhou com o coração acelerado para o canto da sala, onde uma cama de enfermaria estava oculta por uma cortina azul clara. Jenny andou devagar na direção da cortina e esticou o braço para abri-la, os dedos esticados ao máximo ao pegar uma ponta do tecido com a ponta dos dedos e puxá-la com cuidado. Uma figura escura estava deitada imóvel na cama, recebendo soro por um tubinho no braço e a garota arquejou, dando um passo istintivo para trás.
—David?...
O soldado virou a cabeça devagar e pareceu tentar focar os olhos na garota, forçando um sorriso dolorido no rosto mutilado, e dizendo com um enorme esforço:
—Olá gatinha..
Jenny tampou a boca com as mãos horrorizada e se deixou cair na pequena cadeira que estava ao lado da cama, encarando David assustado até finalmente encontrar a voz para falar:
—O que aconteceu..? Por que você tá aqui e não na enfermaria ou num hospital? E-eu achei.. Que você tinha morrido...
Por quê você acha? — ele respondeu com a voz rouca, fazendo um visível esforço para falar aquelas poucas palavras. —Eu deveria estar morto. Eu queria estar morto Jenny... Mas eles me enfiaram aqui, nem pra viver e nem pra morrer.
David respirou fundo e trêmulo, fechando os olhos e a garota sentiu os olhos enxerem de lágrimas, fungando ao perguntar:
—Por quê...? Por quê eles.. O que você fez pra merecer isso? Por que você queria estar morto..?
—Eu traí o reino Jenny. —David respondeu num sussurro fraco e virou a cabela em sua direção, voltando os olhos para a gêmea. —Eu sei de coisas que não deveria saber sendo um soldado. Eu sei de coisas que causam problemas para os Cavaleiros e para Luana. Coisas que ninguém deveria saber, muito menos um mero soldado.
Jenny não tinha palavras diante da situação, ela apenas abria e fechava a boca enquanto sentia lágrimas quentes descerem suas bochechas ao olhar para o jovem soldado, e David voltou a falar depois de um curto silêncio:
—Tem muita coisa errada nesse reino, Jenny.. Muita. Você vai descobrir ao longo do tempo. Meus pais morreram pelas mãos do reino, e por mais de um ano eu me aliei aos rebeldes e fui soldado aqui sem ninguém saber. Você já deve ter escutado falar das Agulhas de Sangue..
—E-eu não tenho certeza... —Jenny sussurrou de volta soluçando, e David segurou sua mão com dificuldade.
—Mas como já era de se esperar uma hora, os Cavaleiros descobriram. Não diretamente, mas descobriram. Eu tentei suicídio pra proteger o segredo da base rebelde, e consegui fazer com que não descobrissem, mas eles me fizeram ficar vivo. E estão me mantendo vivo e me torturando todos os dias... Todos os dias Jenny. Eu estou vivendo um inferno...
Jenny já chorava descontroladamente e enterrou o rosto no colchão duro da cama de enfermaria, enquanto os dedos do soldado acariciavam sua mão.
—Jenny.. —a garota levantou os olhos lacrimejados quando o soldado chamou-a. —Me faça um favor.. Por favor.
Jenny acenou positivamente com a cabeça, chorando descontrolada, já sabendo qual seria o favor que David lhe pediria, e se levantou, envolvendo seu corpo mutilado num abraço, sorrindo em meio ao choro ao vê-lo sorrir, também com lágrimas nos olhos e sussurrou fraco:
—Obrigado, Jenny...
Jenny tirou sua adaga do quadril, soluçando e tremendo ao encostar a lâmina fria na jugular do soldado, chorando em seu ombro e respondeu:
—Desculpa... Desculpa por ser obrigado a passar por isso...

Jack tinha a impressão de que estava com mais calor que qualquer outro ali. Uma pequena gota de suor começara a escorrer por sua testa enquanto esperavam de pé do lado de fora da Base Edward dar as instruções finais para a missão que iniciariam em pouco tempo.
O garoto lançou cautelosamente um olhar de lado para onde estavam Anastácio e Zimäh, o cabelo cor de fogo da garota estava preso num rabo de cavalo rente à nuca e algumas mechas haviam se soltado da franja. Assim como na batalha da planície, poucos dias antes haviam começado a se formar olheiras marcantes debaixo dos olhos verdes da garota, fazendo-a parecer muito mais frágil do que era. Jack não conseguiu imaginá-la sendo a garota forte e selvagem que era com aquela expressão cansada de quem havia passado várias noites em claro. Jack se encolheu ao ouvir a voz de Edward lhe chamando atenção:
—Jack, quantas vezes eu já lhe pedi para olhar para mim quando estou falando?
—M-me desculpe.. —Jack gaguejou e se endireitou, voltando a olhar para o mestre, ao lado de Garra de Prata na ponta da formação. Balançou positivamente a cabeça quando Edward perguntou se havia prestado atenção no que dissera, e o Cavaleiro suspirou:
—Então repita o que eu acabei de dizer.
Um curto e embaraçoso silêncio se seguiu no qual todos os outros encaravam mestre e aluno, e finalmente Jack respondeu:
—Você me perguntou quantas vezes já me disse para olhar pra você enquanto fala.
Edward deu uma respirada funda, visivelmente irritado e passou a mão no cabelo, em seguida encarando Jack zangado.
—Jack, não me faça começar uma discussão num momento como esse. Estamos diante da missão mais importante para o nosso reino, e você ainda consegue brincar comigo? Por favor.
—Desculpe... —Jack murmurou e abaixou a cabeça numa breve reverência, mas no fundo contente ao ouvir o som de Dina tentando prender uma risada.
Edward lhe lançou um olhar furioso e a mulher se endireitou, adquirindo novamente a expressão seríssima, como se nada tivesse acontecido.
—Como eu ia dizendo, Jack, nós temos menos de uma semana para concluir a nossa busca. Nosso país já não está numa das melhores situações depois da morte da rainha.. E do roubo da Joia da Lua. Se não conseguirmos recuperar a Joia, teremos problemas com nossos três vizinhos, Bosque Negro, País do Sol e Floresta da Primavera, como já ficaram sabendo sobre as ameaças da querida lady Aena.
Jack conhecia a história de Edward e lady Aena do País do Sol, e o desgosto em sua voz ao falar o nome da princesa negra era perceptível. O líder montou Garra da Prata e todos os outros o seguiram, montando seus dragões e Edward voltou a falar, mais calmo:
—Tomem cuidado. Sei que já farão isso de qualquer forma, mas todo cuidado é pouco nesse momento. Não sabemos o que estamos enfrentando, e seja lá quem for o indivíduo que tentou roubar a Joia, ainda não sabemos quem ele é e se ainda está por aí. Então mantenham o máximo de contato possível, e se encontrarem um dos fragmentos retornem imediatamente, independente da situação ou de qualquer outra coisa.
Um curto silêncio se seguiu, em que o líder olhou para cada um por algum tempo, e enfim disse:
—Boa sorte. Tenho certeza de que todos conseguirão recuperar os fragmentos e voltar vivos. Bem, é isso. Que comece a missão.

Atrasado, mas taí o capítulo, com treta em dobro.
Beijus de trevas hehehe até o próximo capítulo <3

Cavaleiros de Dragões II - A Joia PerdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora